O Globo
Viemos de um período de excessos,
principalmente fiscal, e a inflação ainda está acima da meta
Temendo o quadro de desaceleração da
economia, o governo acena com expansão fiscal e creditícia. No seu último
relatório, o Tesouro projetou um aumento de 12% nos gastos públicos este ano —
poderá ser maior por conta de despesas a serem ainda incorporadas, como o
ajuste do salário mínimo. Enquanto isso, pretende-se ampliar o crédito do
BNDES, o que não traz por si só ganhos de produtividade e crescimento sustentado.
No entanto, com o trabalho de controle da
inflação ainda incompleto, o momento dessas iniciativas é inadequado. E
tampouco são urgentes tendo em vista as proteções sociais — o bolsa família
saltará para 1,7% do PIB, cifra muito superior ao 0,5% do PIB do passado —, os
chamados estabilizadores automáticos — como o auxílio desemprego —, e a usual
resiliência do crédito direcionado.
É compreensível que governos busquem suavizar os ciclos econômicos por meio de políticas anticíclicas — fiscal, monetária, creditícia. Afinal, quando muito acentuados, prejudicam o planejamento de empresas e o bem-estar dos indivíduos, que sofrem com inflação alta quando a economia fica muito aquecida e com desemprego elevado na fase recessiva.
Porém, nem sempre essa é a recomendação.
Depende da natureza dos choques econômicos.
A prescrição do uso de políticas
anticíclicas é mais clara quando o ciclo é causado por choques exógenos,
gerados por fatores acidentais, como a pandemia (choque adverso) ou o
crescimento excepcional do comércio mundial nos anos seguintes à entrada da
China na OMC, no final de 2001 (choque benigno).
Porém, muitas vezes, os choques são
endógenos, causados por erros na própria condução da política econômica. No
caso brasileiro, são geralmente excessos fiscais, como no governo Dilma,
demandando posterior ajuste de caráter recessivo.
O resultado é um ciclo econômico ainda mais
acidentado, com recessões mais frequentes, inclusive na comparação com países
parecidos.
Como agravante, com exceção da regra do teto,
os regimes fiscais tiveram viés pró-cíclico, tal que aumentos de arrecadação,
decorrentes do crescimento do PIB, levam a mais gastos, aquecendo ainda mais a
economia. Em alguma medida, é o caso do arcabouço fiscal agora proposto.
Poucas vezes a política fiscal foi
corretamente anticíclica, com recuo do consumo do governo em períodos de
demanda privada aquecida, e vice-versa. Ocorreu notadamente no governo FH. É
algo que demanda capacidade e disposição política.
Em momentos de correção de erros e excessos,
quando bancos centrais são levados a apertar a política monetária, não convém
fazer política fiscal anticíclica. O difícil período em que a economia
desacelera, mas a inflação ainda segue alta, exige perseverança. Tentar
suavizar o ciclo com ativismo fiscal e creditício implica juros altos por mais
tempo.
Esse tema remete à discussão sobre a
harmonização ou coordenação entre as políticas monetária e fiscal, que ganhou
atenção com o ministro Fernando Haddad. Ele defende a necessidade de essas
políticas caminharem juntas, pois os juros altos estariam jogando contra o
suposto benefício da expansão fiscal.
No entanto, a coordenação das políticas na
direção expansionista só seria recomendável em um quadro de choque exógeno não
inflacionário, como na pandemia ou na crise global de 2008-09. Não é o caso
agora. Viemos de um período de excessos, principalmente fiscal, e a inflação
ainda está acima da meta.
A coordenação deveria ser no sentido da
austeridade monetária e fiscal, e não do relaxamento desejado. Ainda, com as
desconfianças em relação ao compromisso do governo com a disciplina fiscal, a
expansão de gastos tende a ter efeito mais modesto sobre o PIB, por conta do
aumento da dívida pública ou mesmo da tributação.
Outro aspecto importante é que conduzir política
fiscal anticíclica é mais difícil do que parece, pois os gastos utilizados para
essa função precisam ter natureza temporária. Não é o caso de investimentos,
com longa implementação e podendo gerar fluxo de despesas em custeio para sua
operação futura.
Tampouco cabem políticas de efeito
permanente, como um maior reajuste do funcionalismo. Restam, na verdade, poucas
opções, pois a maioria dos gastos não é de fácil reversão adiante.
Por todos esses pontos discutidos,
conclui-se que a política econômica anticíclica é para poucos.
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