Valor Econômico
Com economia em desaceleração, despesa pode
crescer pelo piso de 0,6% em 2024
Antes de embarcar para a China, onde
acompanhará esta semana a agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou como “boa” a perspectiva de
votação da proposta do novo arcabouço fiscal pela Câmara dos Deputados.
A um interlocutor ele disse não saber se a
aprovação ocorrerá com rapidez ou se a base parlamentar do governo, ainda
instável, será motivo de embaraço. Mas frisou que muitos estão otimistas com a
aprovação, não só dessa proposta, como também a da reforma tributária.
O projeto de lei complementar do novo
arcabouço fiscal deverá chegar ao Congresso Nacional na próxima segunda-feira.
No que depender do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a proposta terá análise rápida na casa. Sua intenção é concluir a tramitação em duas a três semanas. O que não quer dizer que a proposta passará incólume.
Autor de uma proposta alternativa de
arcabouço fiscal (PLP 62/2023), o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) pretende
apresentar emendas ao projeto do governo. Por exemplo, para estabelecer uma
meta para a dívida pública, sozinha ou conjugada com um objetivo de resultado
das contas públicas. Ou para estabelecer que, se o gestor público deixar de
tomar providências necessárias ao alcance das metas fiscais, será enquadrado em
crime de responsabilidade.
O projeto de Pedro Paulo traz mecanismos
automáticos que reduzem despesas em caso de necessidade, os chamados
“gatilhos”.
A dívida pública é também um ponto de
atenção do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE). Ele avalia que a meta de
resultado primário escolhida pelo governo para 2026, de 1% do Produto Interno
Bruto (PIB), será insuficiente para estabilizar o nível da dívida pública. Nas
suas contas, seria necessário um saldo maior, da ordem de 1,5% do PIB.
Benevides Filho defende mecanismos que
protejam os investimentos públicos de cortes orçamentários, nos anos em que for
necessário conter despesas. O projeto do governo vai ao encontro dessa
preocupação, ao prever um valor mínimo para investimentos.
O deputado cearense levanta ainda um ponto
de dúvida. Ele lembra que as áreas de saúde e educação têm valores mínimos de
gastos, em regras fixadas na Constituição. São 15% da receita corrente líquida
para a primeira e 18% das receitas de impostos para a segunda.
Essas vinculações são pontos que o projeto
do arcabouço, de lei complementar, não tem força para alterar. Assim, as duas
áreas terão dinâmicas próprias para a elevação de seus orçamentos. Considerando
que o arcabouço imporá um limite de crescimento para o conjunto das despesas,
há risco de os outros ministérios ficarem com suas dotações reduzidas.
Gastos em áreas sociais certamente serão
objeto de preocupação da massa dos deputados, avaliou um parlamentar. É de se
esperar que haja emendas nesse campo.
Outro ponto que já movimenta os bastidores
na Câmara dos Deputados é a possível revisão de incentivos fiscais. Há mais de
80 programas que reduzem ou isentam setores específicos de impostos federais, a
um custo estimado de R$ 456 bilhões este ano. Um “rebanho de jabutis”, como
disse Haddad.
É possível que o governo enfrente
resistência nesse ponto.
Não é, porém, algo incontornável, avalia
Benevides Filho. Ele faz as contas: se dos R$ 456 bilhões forem excluídos o
Simples e a Zona Franca de Manaus, como já adiantou Haddad, restam perto de R$
300 bilhões. Não é impossível cortar 10% dessa conta, acredita. Fez isso no
Ceará, quando era secretário de Fazenda. Não é necessário acabar com nenhum
programa, sugere. Apenas reduzi-los. Assim, as resistências tenderão a ser
menores.
Teste de fogo
A menos que haja alguma válvula de escape,
as despesas do governo caminham para crescer apenas 0,6% em 2024. É o mínimo
previsto na proposta de arcabouço fiscal.
É um teste de fogo para a nova regra, logo
na estreia? “É bastante baixo, mas não é o fim do mundo”, avalia Felipe Salto,
da Warren Rena.
É, porém, um nível de ajuste não esperado
por setores do governo. Se concretizado, a Esplanada dos Ministérios não deve
gostar.
O avanço das despesas tende a ficar no piso
em 2024 porque seu crescimento deverá ser determinado pela evolução das
receitas nos 12 meses terminados em junho de 2023. Como a economia está
desacelerando, a taxa de variação deve ser negativa, diz o economista.
Nesse caso, o arcabouço não prevê corte nas
despesas, e sim crescimento pelo piso de 0,6%. É o mecanismo anticíclico da
proposta.
O projeto de lei do arcabouço, que ainda
não é conhecido, pode trazer algum mecanismo de atualização para o limite de
gastos, avalia Salto. Algo que considere as receitas daqui até o fim do ano e
os efeitos de medidas já anunciadas pelo Ministério da Fazenda, como a taxação
de jogos.
Se não houvesse arcabouço, as despesas
avançariam 1,45% em 2024, aponta cálculo preliminar de Salto. O número leva em
conta decisões já anunciadas, como os reajustes para o funcionalismo e o
aumento do salário mínimo.
A redução desse crescimento para 0,6%
poderia ser feita, por exemplo, com a redução das despesas discricionárias (não
obrigatórias), ao nível de 2022.
Salto fez outro cálculo que ajuda a
qualificar o debate em torno do novo arcabouço fiscal. Se a regra tivesse sido
aplicada em 2021 e 2022, o governo teria economizado R$ 64,6 bilhões. Assim,
conclui, não é correto dizer que a regra é ineficaz. Nem que depende
necessariamente de maior carga tributária para produzir efeitos relevantes.
A proposta do novo arcabouço fiscal dá base
a um ajuste fiscal possível, no cenário político que aí está. Bom que Lula
tenha demonstrado apoio à proposta, dizendo que renderá frutos, e colocado as
críticas dos “radicais do PT” na condição de balizas que o ajudam a manter o
caminho do meio.
Lu Aiko Otta
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