quarta-feira, 12 de abril de 2023

Luiz Carlos Azedo - Sobre as contradições da viagem de Lula à China

Correio Braziliense

O Brasil precisa dar um salto de qualidade no comércio com a China. As exportações brasileiras para o gigante asiático estão muito concentradas nas commodities: minério de ferro, soja, petróleo e carne

Um dos episódios mais traumáticos da história da diplomacia brasileira foi a expulsão de nove diplomatas chineses, que foram presos e torturados logo após o golpe militar de 1964. Eram funcionários da embaixada da República Popular da China e chegaram ao Brasil entre 1961 e 1964, em virtude das relações bilaterais estabelecidas pelo presidente Jânio Quadros, que renunciou ao mandato. A propósito, João Goulart, seu vice, estava na China na ocasião e houve uma tentativa de impedi-lo de tomar posse, golpe abortado pelo Congresso ao adotar o regime parlamentarista. Mas essa já é outra história.

Em 22 de setembro de 1964, os chineses foram condenados a 10 anos de prisão e expulsos do território brasileiro no ano seguinte, acusados de conspirar contra o regime recém-instalado. Em 1974, porém, as relações foram restabelecidas pelo general Ernesto Geisel, presidente da República que adotou uma política externa independente, desatrelada dos Estados Unidos, durante o regime militar. Desde então, as nossas relações com os chineses mudaram da água para o vinho, e a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, desbancando os EUA.

Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajou à China, onde terá um encontro com o presidente Xi Jinping. Segundo anunciou, quer “consolidar a relação” com a nação asiática e convencê-la a fazer mais investimentos no nosso país. Além disso, pretende convidar o líder comunista chinês para uma visita ao Brasil. “Política internacional é uma via de duas mãos, ou seja, você não vai à China para saber o que os chineses vão fazer aqui ou o que os chineses vão comprar de nós, queremos mostrar aos chineses que temos coisas para vender”, disse Lula em entrevista à EBC. “O que queremos é que os chineses façam investimentos para gerar novos empregos e novos ativos produtivos no Brasil”, completou.

O Brasil precisa dar um salto de qualidade no comércio com a China. As exportações brasileiras para o gigante asiático, hoje, estão muito concentradas nas commodities: minério de ferro, soja, petróleo e carne somam quase 90%. Para a economia brasileira, estrategicamente, isso não é bom. São setores da economia muito concentrados, que agregam pouco valor, empregam pouco, oferecem empregos de pouca qualificação e com salários baixos. Em contrapartida, as importações brasileiras da China estão levando à falência as indústrias brasileiras, que têm baixa produtividade, e ainda tomam o nosso mercado na América do Sul.

Lula não viaja de mãos vazias, já estão negociados vários acordos, entre os quais na agricultura familiar, no desenvolvimento de satélites, na produção de vacinas e de automóveis. Mas ainda é muito pouco. A China pode ser um grande parceiro do Brasil na área de infraestrutura, com investimentos na produção de energia limpa, portos e aeroportos, transportes ferroviários e fluvial. Hoje, exportamos algo em torno de US$ 88 bilhões para a China, enquanto importamos US$ 47 bilhões, com um superavit da balança comercial de US$ 41 bilhões. Em contrapartida, importamos US$ 39 bilhões dos Estados Unidos, para os quais exportamos US$ 31 bilhões, um deficit comercial de US$ 8 bilhões.

Rota da seda

A inclusão do Brasil na chamada Rota da Seda pode ser um bom negócio, mas depende dos termos em que isso ocorrerá. Esse é o mais ambicioso projeto comercial da história da China desde a Idade Média. O nome é uma referência à antiga rota comercial chinesa para a Europa, através da Ásia Central, durante as dinastias Han (206 a.C. a 220 d.C.) e Tang (618 a 907). Os parceiros do projeto chinês recebem financiamento em infraestrutura e firmam acordos de cooperação em economia, saúde, cultura, ambiente, entre outros.

Como o eixo do comercio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico, a entrada da Argentina no projeto torna imperativa a parceria do Brasil com a China, para construir uma nova infraestrutura de logística, que beneficie também os estados do Sul e Sudeste. A Nova Rota da Seda soma 145 países, sendo 44 da África, 42 da Ásia, 29 da Europa, 20 da América Latina e o Caribe e 10 da Oceania.

A expansão comercial chinesa é global. Seu principal parceiro comercial ainda são os Estados Unidos, que exportaram tecnologia e empregos para a potência asiática. A perda contínua de mercado para os chineses, inclusive interno, provocou a reação política e militar dos Estados Unidos contra a expansão da influência da China no mundo. Na geopolítica do chamado “Sul Global”, adotada pelo Itamaraty, as relações com presidente Xi Jinping são as mais importantes para a diplomacia brasileira, porém qualquer aproximação exagerada pode estremecer as relações do Brasil com os Estados Unidos.

O que está surgindo não é um mundo multipolar, como vinha se desenhando, com o fortalecimento da Alemanha e da França na União Europeia e a formação dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Com a brutal invasão da Ucrânia pela Rússia, em resposta à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), instalou-se no mundo um novo clima de “guerra fria”. A ocupação do território ucraniano se tornou o palco de uma “guerra por procuração” entre a Otan e a Rússia.

Lula propõe a formação de um clube de países não envolvidos na guerra para negociar a paz entre a Rússia e a Ucrânia, para o qual pleiteia o apoio do presidente chinês Xi Jinping. Ao fazê-lo, traça uma rota sinuosa e ambígua, que põe em risco suas excelentes relações com o presidente Joe Biden. O antigo líder comunista Mao Tse Tung separava as contradições antagônicas das não antagônicas, que não suprimiam uma das partes. Lula vai precisar de muita dialética para que a segunda prevaleça.

 

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