quarta-feira, 22 de maio de 2024

Vera Magalhães - Governos tateiam e esperam a água baixar

O Globo

Divergências falam mais que as concordâncias neste momento em que as decisões começam a ser tomadas no RS

A enormidade da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul está todos os dias nas telas, nas páginas, nas ondas do rádio, mas quando você passa alguns dias em solo gaúcho é possível sentir o cheiro, ver o estrago a olho nu e compreender as muitas camadas de iniciativas que serão necessárias por parte do poder público e que estão longe de estar sequer iniciadas.

É salutar que palavras como reconstrução, união, cooperação e outras rimas estejam na boca das autoridades há mais de 20 dias, quando as chuvas começaram a dizimar o estado, mas as divergências falam mais que as concordâncias neste momento em que as decisões começam a ser tomadas.

A questão fiscal, como sempre, é uma delas. O governador Eduardo Leite (PSDB) negou no Roda Viva que tivesse feito uma contraposição, em entrevista à Folha de S.Paulo, entre a prevenção a calamidades climáticas e “outras agendas” prioritárias, como colocar as contas do estado em dia. Mas acabou reafirmando que seus primeiros anos de mandato foram dedicados a reformas para recuperar a capacidade de investimento do Rio Grande do Sul.

Em seguida, engatilhou uma nova estratégia: passar a tratar o ministro extraordinário para a reconstrução do estado, Paulo Pimenta, como “aliado” ou “embaixador”, dois termos que usou, para defender os interesses rio-grandenses junto ao presidente Lula. Em vez de um concorrente, ou “interventor” branco, Pimenta passaria a ser visto como alguém a quem pressionar em nome do melhor interesse do estado. No caso, a favor da quitação da dívida do Rio Grande do Sul com a União, algo que não passa pela cabeça do Ministério da Fazenda e que poderia levar a um precedente explosivo caso fosse aceito, pois automaticamente passaria a ser pleiteado por outros estados, mesmo que não assolados por intempéries.

A atitude passivo-agressiva que parece pautar o início da relação entre os governos federal e estadual é só um ingrediente a mais das inumeráveis dificuldades para dar a largada no plano de reconstrução.

Mais de 20 dias depois do caos instalado na vida dos gaúchos, ninguém sabe nem mesmo chutar a situação do aeroporto Salgado Filho, um atestado completo de falência de autoridade num serviço essencial. Os prazos de reabertura, o porquê de o principal terminal aeroportuário do estado ter sido atingido com essa violência e o que fazer são respostas que nem o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, nem a concessionária, Fraport, nem a Anac conseguem esboçar. Parecem estar esperando o sol abrir e a pista secar para ir ver de forma displicente se sobrou alguma coisa.

Da mesma forma, a questão fulcral — para onde vão os milhares de desabrigados e desalojados daqui para a frente — vai sendo empurrada com a barriga com propostas lançadas a esmo, como cidades provisórias, aluguel social, estadia social, regimes especiais de contratação, sem que haja locais para essas intervenções, destinação de que tipo de recursos e vindos de onde e, sobretudo, prazos. Os atingidos pelas enchentes nos municípios do Vale do Taquari em setembro e novembro do ano passado estavam sem solução definitiva até hoje — ou melhor, até ser de novo engolfados pelas águas.

Também não há nenhuma garantia de que o trauma com o que se vê no Rio Grande do Sul orientará um compromisso dos políticos com uma pauta ambiental mais responsável. Quando questionados sobre seu legado no tema, ou a respeito do pacote da destruição que segue tramitando como se nada tivesse acontecido, deputados, senadores, ministros, governadores tergiversam, dizem que uma coisa não tem nada a ver com a outra e que as propostas têm de ser analisadas de forma “técnica”. Parecem sentados placidamente à beira da estrada esperando a água baixar.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Excelente! Leite mente, pois diminuiu a proteção dada pela legislação ambiental, contrariou as propostas dos ambientalistas e do Ministério Público, e agora nega que tenha feito isto.

ADEMAR AMANCIO disse...

E agora chora sobre o leite derramado.