Valor Econômico
Autoridades do governo Lula não confiam no Centrão e acreditam que em 2026 as legendas que integram o grupo terão uma candidatura de oposição
A fábula “O homem e a raposa”, de Esopo,
poderia ter sido escrita sob a inspiração da relação do governo Lula com o
Centrão. Diz que um homem estava possesso com uma raposa. Ele então pegou esse
animal que vinha prejudicando-o e, como queria “infligir-lhe um bom castigo”,
amarrou à sua cauda uma estopa embebida de óleo e ateou fogo. Depois o homem a
soltou em pleno campo, mas a esperteza da raposa a fez correr para a lavoura de
seu carrasco.
Ao acompanhar os seus passos, o homem ia se lamentando diante da colheita perdida. A moral da história está no desfecho do pequeno texto, seguindo o padrão do célebre autor grego: “Calma! Não te deixes levar pela desmedida: tua raiva poderá te causar um grande mal”.
Autoridades do governo Lula não confiam no
Centrão. Acreditam que lá na frente, em 2026, as legendas que integram o grupo
se aglomerarão em torno de uma candidatura de oposição. Acham que poderiam ter
mais ajuda desses partidos no Congresso, uma vez que eles mantêm representantes
na Esplanada dos Ministérios, e veem seu apetite pelos recursos do Orçamento
como algo a ser combatido.
Do lado do Centrão, por seu turno, não é
desprezível o incômodo com o que se considera uma espécie de “exumação” da
análise do chamado “orçamento secreto” pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação era relatada pela ministra aposentada
Rosa Weber. Em dezembro de 2022, a Corte declarou a prática, até então
alicerçada nas emendas de relator, incompatível com a ordem constitucional. Um
acordo durante a tramitação da PEC da Transição remanejou essas verbas para
outras rubricas, como emendas individuais impositivas e mais verbas para os
ministérios.
Desde então, observa-se um crescimento do
volume das emendas de comissão e das “emendas Pix” - transferências especiais
feitas diretamente pelos ministérios para prefeituras a pedido de
parlamentares, as quais são consideradas pouco transparentes e menos conectadas
com o planejamento do governo central para as políticas públicas.
Antes mesmo da aposentadoria de Rosa Weber,
em setembro do ano passado, já havia um sentimento dentro do STF de que, na
prática, o orçamento secreto acabara sobrevivendo, mas sob outros formatos.
Porém, o assunto não havia sido recolocado sobre a mesa, até que o ministro
Flávio Dino, que substituiu Rosa na Corte após deixar o cargo de titular da
Justiça e Segurança Pública do atual governo, pediu explicações da Presidência
da República e do Congresso sobre o cumprimento da decisão de 2022. Ele sempre
foi um crítico do orçamento secreto.
Até agora, Lula não enviou comentários. As
duas Casas do Legislativo já juntaram aos autos suas respostas. Ambas negam
haver descumprimento da decisão. A Câmara, deve-se registrar conforme já
detalhou o Valor há alguns dias, disse que cabe aos ministros de
Estado dar publicidade aos critérios de distribuição que orientaram a execução
desses recursos.
O acompanhamento da aplicação dessas verbas
é, de fato, uma preocupação. Primeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU)
concluiu que, de acordo com a Constituição, a fiscalização do uso das “emendas
Pix” enviadas para Estados, municípios e Distrito Federal cabe aos tribunais de
contas locais. E na sequência aprovou uma instrução normativa para regulamentar
os procedimentos de fiscalização das transferências especiais.
Os órgãos estaduais e municipais passaram a
ter prazo de 60 dias para fornecer informações e documentos sobre a execução do
dinheiro. Eles precisarão, por exemplo, apresentar descrição do objeto a ser
executado, com as metas a serem alcançadas; estimativa dos recursos financeiros
necessários à consecução do objeto; classificação orçamentária da despesa; e
previsão de prazo para conclusão do projeto.
A norma também prevê a elaboração de
relatório de gestão dos recursos, que deverá ser inserido em uma plataforma
federal até o dia 30 de junho do ano subsequente ao recebimento da
transferência especial. Mas a avaliação no TCU é que só uma mudança na Constituição
seria capaz de fazê-lo ampliar sua atuação no controle desses mecanismos
orçamentários. Ou uma mudança na interpretação da Carta Magna, a partir de
alguma decisão do STF.
Ainda há dúvidas se o prosseguimento da ação
relatada pelo ministro Flávio Dino, no STF, pode ter algum desses desfechos.
Nos demais Poderes, a percepção é que ele está “tateando” o terreno para ver
eventuais reações de seus pares no Supremo.
No Congresso, a iniciativa já gerou
desconfianças entre aqueles que consideram a emenda parlamentar uma ferramenta
fundamental para fazer política e reduzir a dependência do Legislativo em
relação ao Executivo quanto ao envio de recursos para redutos eleitorais.
Essas raposas não estão dispostas a abrir mão
da influência conquistada na gestão do Orçamento Geral da União, algo que Lula
precisará considerar antes de se posicionar oficialmente a respeito. Até porque
o presidente tem dito em seus discursos públicos que pretende transformar 2024
em um ano de colheita.
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