O Globo
Vários fatores, somados, aumentam as dificuldades futuras do BC. Elas seriam maiores se o corte de juros tivesse sido mais ousado
O trabalho dos bancos centrais de manter a
inflação baixa ou na meta é influenciado por sua reputação, ou seja, pela
crença de que serão capazes de cumprir sua missão. Ocorre que muitos fatores
externos afetam essa construção de credibilidade. No Brasil, a política
econômica do governo tem jogado contra.
Um termômetro da credibilidade do Banco
Central é o comportamento das expectativas inflacionárias, e elas estão
aumentando. As projeções de inflação do mercado estão em 3,74% para 2025 e 3,5%
para os anos seguintes.
Independentemente do seu grau de acerto (na verdade, com frequência os analistas subestimam a inflação), há efeitos práticos da desancoragem das expectativas, como a tendência de repasse mais intenso de aumentos de custos ao consumidor, como mostra a pesquisa de Carlos Carvalho e outros economistas.
Mesmo em meio à queda da inflação corrente,
as expectativas para anos futuros pioraram. A percepção de responsabilidade
fiscal frouxa e o temor de pressão política sobre o BC são as prováveis razões
para isso.
O primeiro movimento foi ainda na transição
de governo, com a chamada PEC da Transição, que autorizou o aumento expressivo
de gastos públicos (ao menos R$ 145 bilhões) em 2023. É possível que os ataques
do presidente Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, e à autonomia da
instituição tenham contribuído para consolidar o movimento.
As expectativas de longo prazo saltaram de 3%
para 3,5% ao longo de 2023 — chegaram a atingir 4% quando Lula sinalizou que
poderia elevar a meta de inflação, o que não ocorreu.
Mais recentemente, as expectativas para 2025
voltaram a subir, movimento que coincidiu com o relaxamento das metas fiscais
do governo a partir de 2025, isso depois de iniciativas para elevar as despesas
este ano.
A expansão fiscal também eleva o risco
inflacionário ao estimular a demanda em ritmo superior à capacidade de
ampliação da oferta. É, possivelmente, o que ocorre agora, tanto no setor de
serviços como na indústria, cujos níveis de utilização da capacidade instalada
estão se aproximando das máximas históricas, segundo as sondagens da FGV.
O mercado de trabalho aquecido também poderá
se tornar um gargalo, elevando o risco inflacionário. Ainda que a taxa de
desemprego seja elevada em termos absolutos (o desemprego é estruturalmente
alto no Brasil, em boa medida por conta do reduzido capital humano, que afeta a
empregabilidade de muitos), nota-se o crescimento dos pedidos de demissão, que
é um indicador usual do descompasso entre oferta e demanda de mão de obra.
A ideia é que os indivíduos pedem demissão
quando identificam elevada probabilidade de se recolocarem tempestivamente e em
condições melhores. Ainda, é possível que o Bolsa Família revigorado esteja
afetando a oferta de trabalho.
Como resultado, salários crescem em ritmo
mais forte, o que poderá alimentar a inflação adiante. A política de
valorização do salário mínimo em ritmo superior aos ganhos de produtividade do
trabalho coloca mais pressão nos custos das empresas. E muitas delas não andam
muito bem das pernas, a julgar pela elevada inadimplência.
Vale comentar que o impulso à demanda vai
além daquele contabilizado no resultado primário do governo. Há gastos que
correm por fora do orçamento. É o caso daqueles ligados a fundos (alguns da
época da pandemia que foram mantidos), como aponta Marcos Mendes. Outra frente
é o crédito direcionado, cujo crescimento poderá ser mais um fator a reduzir o
espaço para cortes de juros pelo BC.
O maior risco fiscal impacta também a
dinâmica nos preços de ativos (juros, dólar e bolsa), aumentando o desafio do
BC. A reação dos mercados às turbulências externas recentes foi maior
comparativamente a episódios anteriores em 2023. Apesar da melhora posterior
dos mercados internacionais, observa-se uma pior performance em comparação a
outros emergentes.
Nota-se certa rigidez nos preços de ativos em
piores patamares. Reverter a deterioração da confiança de investidores exigirá
maior esforço do governo para reconquistar o compromisso com a responsabilidade
fiscal.
Isoladamente, cada um dos pontos acima pode
parecer pouco relevante. Porém, tudo somado, aumenta-se a dificuldade do
próximo presidente do BC em controlar a inflação. Ela seria ainda pior se a
atual diretoria estivesse sendo ousada no corte dos juros.
Um comentário:
Sei.
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