quarta-feira, 22 de maio de 2024

Zeina Latif - Presente de grego para o próximo presidente do BC

O Globo

Vários fatores, somados, aumentam as dificuldades futuras do BC. Elas seriam maiores se o corte de juros tivesse sido mais ousado

O trabalho dos bancos centrais de manter a inflação baixa ou na meta é influenciado por sua reputação, ou seja, pela crença de que serão capazes de cumprir sua missão. Ocorre que muitos fatores externos afetam essa construção de credibilidade. No Brasil, a política econômica do governo tem jogado contra.

Um termômetro da credibilidade do Banco Central é o comportamento das expectativas inflacionárias, e elas estão aumentando. As projeções de inflação do mercado estão em 3,74% para 2025 e 3,5% para os anos seguintes.

Independentemente do seu grau de acerto (na verdade, com frequência os analistas subestimam a inflação), há efeitos práticos da desancoragem das expectativas, como a tendência de repasse mais intenso de aumentos de custos ao consumidor, como mostra a pesquisa de Carlos Carvalho e outros economistas.

Mesmo em meio à queda da inflação corrente, as expectativas para anos futuros pioraram. A percepção de responsabilidade fiscal frouxa e o temor de pressão política sobre o BC são as prováveis razões para isso.

O primeiro movimento foi ainda na transição de governo, com a chamada PEC da Transição, que autorizou o aumento expressivo de gastos públicos (ao menos R$ 145 bilhões) em 2023. É possível que os ataques do presidente Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, e à autonomia da instituição tenham contribuído para consolidar o movimento.

As expectativas de longo prazo saltaram de 3% para 3,5% ao longo de 2023 — chegaram a atingir 4% quando Lula sinalizou que poderia elevar a meta de inflação, o que não ocorreu.

Mais recentemente, as expectativas para 2025 voltaram a subir, movimento que coincidiu com o relaxamento das metas fiscais do governo a partir de 2025, isso depois de iniciativas para elevar as despesas este ano.

A expansão fiscal também eleva o risco inflacionário ao estimular a demanda em ritmo superior à capacidade de ampliação da oferta. É, possivelmente, o que ocorre agora, tanto no setor de serviços como na indústria, cujos níveis de utilização da capacidade instalada estão se aproximando das máximas históricas, segundo as sondagens da FGV.

O mercado de trabalho aquecido também poderá se tornar um gargalo, elevando o risco inflacionário. Ainda que a taxa de desemprego seja elevada em termos absolutos (o desemprego é estruturalmente alto no Brasil, em boa medida por conta do reduzido capital humano, que afeta a empregabilidade de muitos), nota-se o crescimento dos pedidos de demissão, que é um indicador usual do descompasso entre oferta e demanda de mão de obra.

A ideia é que os indivíduos pedem demissão quando identificam elevada probabilidade de se recolocarem tempestivamente e em condições melhores. Ainda, é possível que o Bolsa Família revigorado esteja afetando a oferta de trabalho.

Como resultado, salários crescem em ritmo mais forte, o que poderá alimentar a inflação adiante. A política de valorização do salário mínimo em ritmo superior aos ganhos de produtividade do trabalho coloca mais pressão nos custos das empresas. E muitas delas não andam muito bem das pernas, a julgar pela elevada inadimplência.

Vale comentar que o impulso à demanda vai além daquele contabilizado no resultado primário do governo. Há gastos que correm por fora do orçamento. É o caso daqueles ligados a fundos (alguns da época da pandemia que foram mantidos), como aponta Marcos Mendes. Outra frente é o crédito direcionado, cujo crescimento poderá ser mais um fator a reduzir o espaço para cortes de juros pelo BC.

O maior risco fiscal impacta também a dinâmica nos preços de ativos (juros, dólar e bolsa), aumentando o desafio do BC. A reação dos mercados às turbulências externas recentes foi maior comparativamente a episódios anteriores em 2023. Apesar da melhora posterior dos mercados internacionais, observa-se uma pior performance em comparação a outros emergentes.

Nota-se certa rigidez nos preços de ativos em piores patamares. Reverter a deterioração da confiança de investidores exigirá maior esforço do governo para reconquistar o compromisso com a responsabilidade fiscal.

Isoladamente, cada um dos pontos acima pode parecer pouco relevante. Porém, tudo somado, aumenta-se a dificuldade do próximo presidente do BC em controlar a inflação. Ela seria ainda pior se a atual diretoria estivesse sendo ousada no corte dos juros.