O Globo
Para ninguém perder cadeiras, criam-se 18
novas vagas de deputado (e suas cotas, auxílios e verbas indenizatórias...)
Na semana passada, os jornais informavam que,
depois de presidir a Câmara, Arthur Lira fazia sua “reestreia na planície” na
comissão sobre a reforma do Imposto de Renda. Poderia (deveria) ser uma notícia
de fevereiro ou março, mas já estamos em maio. Nesta semana, com o sucessor de
Lira, Hugo
Motta, em Nova York, os parlamentares ganharam um “recesso informal”. Com
um ritmo de projetos aprovados similar ao do ápice da pandemia, a atual
legislatura tem sido marcada pela ausência de votações importantes.
Menos quando são importantes para os próprios deputados. No último dia 6, a letargia virou celeridade na adequação da distribuição dos assentos na Casa à população dos estados medida no último Censo. A mudança havia sido determinada há quase dois anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi deixada de lado e, em poucas horas, a Câmara aprovou a urgência e o mérito da proposta de reconfiguração. Para ninguém perder cadeiras, criam-se 18 novas vagas de deputado (e suas cotas, auxílios e verbas indenizatórias...).
A pressa na tramitação esteve também no
anúncio de que o puxadinho no plenário resultaria num aumento de despesas de
apenas R$ 64,8 milhões anuais. Ainda que fosse zero, não haverá força a impedir
a ampliação do latifúndio ocupado pelo Congresso no Orçamento. Cada deputado
terá em 2025, consideradas somente as emendas individuais, o direito de definir
o destino de R$ 37,3 milhões. É mais fácil acreditar que Lula acatará os
conselhos de limitar o reajuste do salário mínimo à inflação em nome da
responsabilidade fiscal do que imaginar os parlamentares redistribuindo os
recursos das emendas com os novos colegas de modo a reduzir a própria parte.
Valerá, é claro, a mesma lógica do aumento de cadeiras. Repetidos em 2026 os
valores deste ano, a cota individual dos 18 novos representantes significará
mais R$ 671,4 milhões sob manejo direto e pessoal dos parlamentares. Crescer o
bolo para depois dividi-lo ou mais farinha para garantir o pirão de todo mundo.
Fica a receita à escolha do paladar do freguês.
A gulosa expansão parlamentar ganha ares de
candura quando em contraste com o outro projeto que mereceu o suor dos
deputados nos últimos dias. A conveniência de atacar o STF, onde tramitam
investigações sobre um e outro, uniu Centrão e bolsonarismo na aprovação da
ordem de suspensão de todo o processo penal que julgará os responsáveis pela
tentativa de golpe. O primeiro grupo tem histórico tão extenso na habilidade de
manobrar leis que é surpreendente não ter pensado em algo melhor que o
grosseiro apelo ao artigo da Constituição que dá à Câmara o direito de
paralisar uma ação contra um deputado.
O espírito da lei é prevenir abusos contra a
imunidade parlamentar e o exercício do mandato. Em tempos mais normais, haveria
constrangimento em usar o expediente no caso de um réu contra quem pesam
diversos indícios, como Alexandre
Ramagem. Não apenas a prerrogativa virou regra, como muitos deputados
expuseram a motivação de impedir, em quaisquer circunstâncias, que seus pares
estejam sujeitos às leis, intenção mal disfarçada no argumento de combate à
interferência de um Poder sobre outro.
Os outros objetivos do projeto — sustar os
crimes atribuídos a Ramagem antes da diplomação e extensão do privilégio a réus
que nem sequer são deputados — são tão disparatados juridicamente que viraram
um presente a um Supremo sob críticas por eventuais excessos nas punições aos
manifestantes golpistas.
O bolsonarismo havia sido mais bem-sucedido,
angariando apoio de outras alas da política e da sociedade, ao construir a tese
de exagero nas sentenças a quem pichou estátua ou quebrou prédio público. Os
invasores das sedes dos Poderes, e isso ficou esquecido, foram condenados
também por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de
Direito, recebendo as penas previstas na lei. O tempo já corria a favor do STF,
uma vez que a mesma legislação está em via de lhes garantir a progressão de regime
e soltura da prisão, o que deverá conter a força da narrativa de excesso de
rigor. Mas a Câmara deu uma mãozinha à Corte.
*Miguel Caballero é editor do impresso do
GLOBO
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