quarta-feira, 14 de maio de 2025

A Câmara em modo 18+ - Miguel Caballero*

O Globo

Para ninguém perder cadeiras, criam-se 18 novas vagas de deputado (e suas cotas, auxílios e verbas indenizatórias...)

Na semana passada, os jornais informavam que, depois de presidir a Câmara, Arthur Lira fazia sua “reestreia na planície” na comissão sobre a reforma do Imposto de Renda. Poderia (deveria) ser uma notícia de fevereiro ou março, mas já estamos em maio. Nesta semana, com o sucessor de Lira, Hugo Motta, em Nova York, os parlamentares ganharam um “recesso informal”. Com um ritmo de projetos aprovados similar ao do ápice da pandemia, a atual legislatura tem sido marcada pela ausência de votações importantes.

Menos quando são importantes para os próprios deputados. No último dia 6, a letargia virou celeridade na adequação da distribuição dos assentos na Casa à população dos estados medida no último Censo. A mudança havia sido determinada há quase dois anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi deixada de lado e, em poucas horas, a Câmara aprovou a urgência e o mérito da proposta de reconfiguração. Para ninguém perder cadeiras, criam-se 18 novas vagas de deputado (e suas cotas, auxílios e verbas indenizatórias...).

A pressa na tramitação esteve também no anúncio de que o puxadinho no plenário resultaria num aumento de despesas de apenas R$ 64,8 milhões anuais. Ainda que fosse zero, não haverá força a impedir a ampliação do latifúndio ocupado pelo Congresso no Orçamento. Cada deputado terá em 2025, consideradas somente as emendas individuais, o direito de definir o destino de R$ 37,3 milhões. É mais fácil acreditar que Lula acatará os conselhos de limitar o reajuste do salário mínimo à inflação em nome da responsabilidade fiscal do que imaginar os parlamentares redistribuindo os recursos das emendas com os novos colegas de modo a reduzir a própria parte. Valerá, é claro, a mesma lógica do aumento de cadeiras. Repetidos em 2026 os valores deste ano, a cota individual dos 18 novos representantes significará mais R$ 671,4 milhões sob manejo direto e pessoal dos parlamentares. Crescer o bolo para depois dividi-lo ou mais farinha para garantir o pirão de todo mundo. Fica a receita à escolha do paladar do freguês.

A gulosa expansão parlamentar ganha ares de candura quando em contraste com o outro projeto que mereceu o suor dos deputados nos últimos dias. A conveniência de atacar o STF, onde tramitam investigações sobre um e outro, uniu Centrão e bolsonarismo na aprovação da ordem de suspensão de todo o processo penal que julgará os responsáveis pela tentativa de golpe. O primeiro grupo tem histórico tão extenso na habilidade de manobrar leis que é surpreendente não ter pensado em algo melhor que o grosseiro apelo ao artigo da Constituição que dá à Câmara o direito de paralisar uma ação contra um deputado.

O espírito da lei é prevenir abusos contra a imunidade parlamentar e o exercício do mandato. Em tempos mais normais, haveria constrangimento em usar o expediente no caso de um réu contra quem pesam diversos indícios, como Alexandre Ramagem. Não apenas a prerrogativa virou regra, como muitos deputados expuseram a motivação de impedir, em quaisquer circunstâncias, que seus pares estejam sujeitos às leis, intenção mal disfarçada no argumento de combate à interferência de um Poder sobre outro.

Os outros objetivos do projeto — sustar os crimes atribuídos a Ramagem antes da diplomação e extensão do privilégio a réus que nem sequer são deputados — são tão disparatados juridicamente que viraram um presente a um Supremo sob críticas por eventuais excessos nas punições aos manifestantes golpistas.

O bolsonarismo havia sido mais bem-sucedido, angariando apoio de outras alas da política e da sociedade, ao construir a tese de exagero nas sentenças a quem pichou estátua ou quebrou prédio público. Os invasores das sedes dos Poderes, e isso ficou esquecido, foram condenados também por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, recebendo as penas previstas na lei. O tempo já corria a favor do STF, uma vez que a mesma legislação está em via de lhes garantir a progressão de regime e soltura da prisão, o que deverá conter a força da narrativa de excesso de rigor. Mas a Câmara deu uma mãozinha à Corte.

*Miguel Caballero é editor do impresso do GLOBO

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