Valor Econômico
Expectativa é que relatório bimestral não apresente contenção grande de despesas, pois as receitas têm apresentado bom desempenho
É triste, mas não se espera muita coisa do
Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), também
conhecido como “bimestral”, que será divulgado até o dia 22. O documento
atualizará as projeções de receitas e despesas para este ano e indicará a
contenção de despesas necessária para cumprir a meta fiscal do ano, o déficit
zero.
Especialistas ouvidos pela coluna não
acreditam que o equilíbrio será alcançado. Tampouco acham que o governo fará
agora um aperto mais forte nos gastos para atingir esse objetivo.
“A meu ver, o bimestral deveria trazer um contingenciamento ou bloqueio significativo, algo como R$ 30 bilhões ou R$ 35 bilhões”, disse à coluna o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto.
“A questão é se eles vão, já no dia 22 agora,
anunciar esse contingenciamento expressivo ou se vão fazer a conta-gotas”,
acrescentou. “Dado o histórico do que a gente viu deste governo até agora, eu
não acredito que ele vai fazer um contingenciamento muito grande.” Ele acredita
que haverá uma contenção de gastos na casa dos R$ 15 bilhões.
O tamanho do bloqueio (feito para manter as
despesas dentro do limite do arcabouço) e o eventual contingenciamento (feito
para atingir a meta fiscal) estão ainda sendo calculados pelos técnicos. Mas o
que corre nos bastidores é que não deverá haver contenção grande de despesas
agora, pois as receitas têm apresentado bom desempenho.
Ao analisar os dados das contas federais
disponibilizados no portal Siga Brasil, Salto constatou que, de fato, as
receitas até abril vieram em linha com o esperado pelo governo.
No entanto, elas apresentam desaceleração. No
quadrimestre, as receitas líquidas cresceram 3,3% reais sobre igual período de
2024, segundo a pesquisa de Salto (os dados oficiais só saem no fim do mês).
Nos primeiros quatro meses de 2024, o aumento real sobre janeiro a abril 2023
havia sido de 8,9%.
“Se eles ficarem usando essa estratégia de
deixar para contingenciar só quando a coisa realmente apertar, o risco é
executar a despesa discricionária e depois não ter o espaço necessário para
fazer essa contenção”, alertou.
Justamente para evitar esse problema, o
governo adotou o chamado “faseamento”, no qual os recursos do Orçamento têm
sido liberados ao ritmo de 1/18 por mês. Mesmo assim, Salto vê algum risco.
O faseamento deixou de fora do aperto os R$
50,4 bilhões em emendas parlamentares ao Orçamento. Isso evita desgaste
político, mas as despesas discricionárias (não obrigatórias) do Executivo ficam
com margem de manobra menor.
Nas contas de Salto, os cerca de R$ 30
bilhões de contenção seriam necessários para fechar o ano dentro da meta, mas
não no zero. Seria no limite de tolerância, que admite déficit de até R$ 30,9
bilhões. E, ainda assim, contando com os R$ 44,1 bilhões de precatórios pagos
fora das regras fiscais este ano, conforme autorizado pelo STF.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da
ARX Investimentos, também não tem grandes expectativas quanto ao bimestral.
“Espero poucas mudanças: um bloqueio entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões, algum
ajuste para baixo nas receitas extraordinárias, compensadas por maiores
dividendos, e marginal ajuste nas despesas com RGPS [previdência] e BPC
[Benefícios de Prestação Continuada]”, disse.
Ele não espera que o aperto seja aprofundado
ao longo do ano. Acredita que a conta será fechada com “empoçamento” - aquelas
despesas que estão previstas no Orçamento, mas não são realizadas. No ano
passado, essa conta atingiu R$ 12,5 bilhões e ajudou no cumprimento da meta
fiscal.
“O foco do próximo relatório bimestral está
nas pendências deixadas pela lei orçamentária anual de 2025, como a possível
necessidade de correção das estimativas de despesas, que tinham indícios de
subestimação, e a revisão das estimativas de receitas não recorrentes”, disse
Matheus Rosa Ribeiro, analista da BRCG. Ele estima déficit de 0,6% do Produto
Interno Bruto (PIB) em 2025.
O eventual ressarcimento a ser pago às
pessoas que sofreram descontos indevidos no INSS é outro ponto de incerteza
para a elaboração do bimestral. Ainda não se sabe o tamanho da conta, muito
menos como será tratado do ponto de vista contábil.
O governo, disse Salto, tem tido sorte com as
receitas até agora, mas a tendência é de piora. “E não há medidas
extraordinárias para salvar a mocinha no fim do filme este ano”, disse. “Então,
o instrumento que o governo tem à mão é o contingenciamento.” Assim, não convém
encurtar seu espaço de manobra.
Sem medidas estruturais de ajuste, o problema
fiscal será tratado com paliativos. Entram em cena mecanismos como o faseamento
e o uso de empoçamento para fechar as contas. Os técnicos vão dando um jeito.
Greve
Num ano em que o Orçamento depende de forte
desempenho da arrecadação, a greve dos auditores fiscais é má notícia. O
movimento se intensificou nos últimos dias. Fontes informam que caiu a
blindagem que mantinha funcionando a área que cuida dos preparativos da reforma
tributária.
Está marcada para hoje uma reunião entre o
sindicato e o Ministério da Gestão, que cuida da folha salarial. Porém,
auditores têm baixa expectativa de acordo.
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