Homicídios caem em um país ainda muito violento
Folha de S. Paulo
Número se reduz 20,3% em dez anos, mas taxa
segue entre maiores do mundo; autoridades têm muito a avançar em políticas
Não é todo dia que se podem celebrar dados de
segurança pública em um país acostumado a conviver dolorosamente com a violência. A
recém-divulgada redução de 20,3% dos homicídios entre os anos de 2013
e 2023 precisa ser valorizada, no devido contexto.
De acordo com o Atlas da
Violência, publicado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, nesse período o número anual de vítimas caiu de 60.474 para 45.747, e
a taxa por 100 mil habitantes, de 28,8 para 21,2 —com pico de 31,8 em 2017.
É notável que, a despeito da melhora, nos últimos anos a criminalidade passou a figurar entre as principais preocupações mencionadas por brasileiros em pesquisas de opinião. Talvez o fenômeno deva algo ao acirramento da polarização política, mas é fato que o país se mantém entre os mas violentos do mundo, só superado por outros 14.
As estatísticas também deixam de lado
possíveis ou prováveis assassinatos que não foram assim classificados por falta
de evidências. Os pesquisadores do atlas estimam 3.755 casos do gênero em 2023
e nada
menos que 51.608 em todo o decênio.
Ademais, os dados nacionais camuflam grandes
desigualdades entre regiões e estados. Os números são visivelmente piores no
Norte e no Nordeste que no Sul e no Sudeste. São Paulo (6,4) e Santa Catarina
(8,8) são os únicos com taxas abaixo de 10 por 100 mil habitantes.
Já o Amapá, com assustadores 57,4, é onde
mais se assassina no país em termos relativos —e, pior, sem tendência de queda.
Estados mais populosos, como Bahia (43,9) Pernambuco (38) e Ceará (32) têm
taxas muito acima da média brasileira. No Rio de Janeiro, houve piora de 2022
para 2023 (de 21,4 para 24,3).
Há nuances também na sociedade. O número de
mulheres assassinadas em 2023, 3.903, foi o maior desde 2018. No mesmo
ano, as
mortes de negros, 35.531, responderam por mais de três quartos do total
—elas também caíram em ritmo menor que as demais ao longo do decênio.
Dado que a criminalidade é um fenômeno
multicausal, a queda dos homicídios se deve a fatores diversos. O processo de
envelhecimento da população impacta os dados, pois adolescentes e jovens
adultos entre 15 e 29 anos têm propensão elevada a se envolverem em episódios
violentos (47,8% das vítimas em 2023).
Se disputas entre facções criminosas tendem a
elevar as ocorrências, como mostra o exemplo do Amapá, o pacto de não agressão
entre as duas maiores facções do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o
Comando Vermelho (CV), favorece a redução.
O relatório também destaca o aprimoramento de
políticas públicas no setor, com planejamento, tecnologia, prevenção e
inteligência. Mas é fato que autoridades estaduais e federais, dentro de suas
competências, precisam avançar mais em experiências bem-sucedidas como o uso
das câmeras nos uniformes policiais.
Minerais estratégicos sem prioridade no radar
Folha de S. Paulo
Serviço Geológico do Brasil precisa manter-se
à altura do salto exigido para o país se destacar na transição energética
Os projetos Radam (1970) e Radam Brasil
(1975) fizeram época ao empregar tecnologia inovadora (radar) em levantamentos
mineralógicos sistemáticos do território nacional. Para aproveitar a demanda
mundial crescente por minérios críticos para a transição energética, contudo, o
país ainda carece de iniciativa estratégica comparável à dos governos da
ditadura.
Naquele tempo, aviões Caravelle
esquadrinharam o Brasil a 11 mil metros de altitude. Produziram-se 550 mosaicos
na escala 1:250.000 postos à disposição de pesquisadores e empresas,
incentivando a prospecção mineral, por exemplo na Amazônia.
O planeta se vê agora acossado a revolucionar
o sistema energético para descarbonizar a economia e, assim, conter a mudança
climática, o que põe o mercado sedento por alternativas de geração e
armazenamento. Usinas eólicas, painéis solares fotovoltaicos e baterias
avançadas aceleraram sobremaneira a procura por lítio, nióbio, cobalto e terras
raras, entre outros minérios.
É hora de se preparar para tal oportunidade
pondo o Serviço Geológico do Brasil (SGB) a levantar reservas minerais
decisivas para a transição energética.
A
repartição, no entanto, claudica, quando deveria evoluir com os olhos
voltados para o horizonte global, não para entraves domésticos. Não que lhe
falte experiência. Em 2012 oSGB promoveu busca ativa por lítio em Minas Gerais
e a iniciativa deu frutos, como a exportação desde 2023 pela empresa Sigma
Lithium.
O ideal seria avançar no mapeamento para a
escala 1:100.000, mas só 27% do território nacional alcançou esse patamar.
Estima-se que, com o quadro atual de 600 especialistas, o SGB demoraria 110
anos para sondar todo o país.
Em tempos de restrição orçamentária, um órgão
de Estado não pode contentar-se com reivindicar mais verbas e pessoal. Há que
viabilizar alternativas como o levantamento aerogeofísico encetado entre 2011 e
2015, quando assim se melhoraram as informações sobre metade do país.
Em março, a empresa espanhola Xcalibur venceu
licitação para levantar dados de uma área comparável à da Bahia, que exigiria
investimento público de R$ 700 milhões. Todo o orçamento do SGB, porém, pouco
excede R$ 600 milhões. Uma saída são parcerias com governos estaduais.
Antes de mais nada, o SGB precisa se
preservar como corpo técnico com missão estratégica para o país. Não ajuda, a
propósito, que em sua diretoria haja só 2 de 5 cargos ocupados por
especialistas e os demais preenchidos por conveniência política.
Apreço de Lula pela democracia flutua segundo
conveniência
O Globo
Presidente posa de democrata, mas não teve
constrangimento em ir a Moscou participar de desfile ao lado de ditadores
Uma semana atrás, editorial
neste mesmo espaço criticou a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a
Moscou para participar dos festejos pelos 80 anos da vitória na
Segunda Guerra, promovidos pelo autocrata Vladimir
Putin. A realidade se revelou mais constrangedora do que se antevia. Nas
imagens do desfile militar na Praça Vermelha, Lula —
eleito empunhando a bandeira da democracia e alvo de uma tentativa de golpe de
Estado — aparece ao lado de um escol invejável de ditadores. Lá estão Ibrahim
Traoré, de Burkina Faso, Umaro Sissoco Embaló, de Guiné-Bissau, Abdel Fattah
el-Sisi, do Egito, Emmerson Mnangagwa, do Zimbábue e Denis Sassou Nguesso, da
República do Congo. Mais distantes, o venezuelano Nicolás
Maduro e o cubano Miguel Díaz-Canel. Sem esquecer o anfitrião Putin.
“Lula se elegeu com um discurso de defesa da
democracia, afirma ter combatido um golpe de Estado no 8 de Janeiro. Agora
aparece ao lado não apenas de ditadores, mas também de criminosos de
guerra”, disse
ao GLOBO Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da
Universidade Federal Fluminense e pesquisador da Universidade Harvard.
Questionado sobre a ausência de líderes
democráticos, Lula revelou seu desapreço pela História. Afirmou que “a Europa
inteira deveria estar fazendo festa” e insinuou que outros países da União
Europeia deveriam ter marcado presença em Moscou, em vez de
gastar em armas para se precaver contra a ameaça russa. Ora, todos os países
europeus celebram a vitória sobre o nazismo. Lula esquece que, ao invadir a
Ucrânia, a Rússia mostrou
não ter respeito pela integridade territorial dos vizinhos. Apelos genéricos em
favor da paz de nada servem ante riscos que o próprio Lula reconhece
implicitamente ao citar a luta contra a Alemanha nazista (cujo avanço foi
facilitado pelos que pregavam a “paz” no Ocidente).
Lula parece acreditar que o Brasil pode ter
papel importante para que Rússia e Ucrânia alcancem a paz. “A guerra só pode
acabar se os dois quiserem”, afirmou. “Então, eu vou continuar trabalhando no
grupo de amigos.” Fora do círculo próximo de Lula, porém, ninguém acredita que
ele possa ter relevância nas negociações. O Brasil não tem assento no Conselho
de Segurança da ONU, Brasília fica a mais de 10 mil quilômetros do cenário de
guerra, e os ucranianos consideram Lula parcial. Não há motivo para ser ouvido
como parte isenta.
Outro pretexto foi alegado para justificar a
viagem: o déficit comercial de quase US$ 11 bilhões do Brasil com a Rússia. Em
vez de aderir às sanções impostas a Putin, o Brasil se tornou grande importador
de diesel russo, que se soma aos fertilizantes imprescindíveis para o
agronegócio. Mas tais necessidades não justificam sua presença em Moscou. Por
fim, Lula também afirmou almejar um acordo estratégico com a Rússia. Quem tem
esse tipo de ligação com Putin são países como Coreia do Norte, Venezuela ou Irã.
Será esse o “grupo de amigos” de Lula?
O desfile na Praça Vermelha não passou de
peça de propaganda de Putin. Outros líderes democráticos foram convidados e
declinaram sem embaraço diplomático. A única explicação para o presidente de
uma democracia pujante como a brasileira participar de tal pantomima em má
companhia é que seu apreço pela democracia — tão propalado pelos apoiadores —
flutua segundo a conveniência e a ideologia.
Manter queda dos homicídios depende de
substituir improviso pela ciência
O Globo
Demografia, trégua entre quadrilhas e
policiamento baseado em evidências explicam dados do Atlas da Violência
O Atlas da Violência 2025,
elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
e pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública com base em estatísticas do Ministério
da Saúde, confirma uma inflexão notável no Brasil: em 2023 o país registrou
45.747 homicídios, ou 21,2 por 100 mil habitantes — a menor taxa desde 2012. A
queda foi de 30% em relação ao pico de 2017. Trata-se de conquista de grande
relevância neste momento em que a segurança pública se tornou a maior
preocupação dos brasileiros. Entender o que contribuiu para a queda é
fundamental para o país combater o crime com sucesso.
Há, é verdade, questões de ordem
metodológica. Certas mortes violentas não têm sido classificadas como
homicídios, pois os registros não atribuem causa determinada. Mas esses
“homicídios ocultos” não mudam o quadro nacional. Estados como Amapá, Pernambuco
ou Bahia são bem mais violentos, enquanto São Paulo, Santa Catarina e Distrito
Federal se destacam pelos índices baixos. No Rio de Janeiro, conflagrado pela
guerra entre traficantes e milicianos, a situação piorou: os homicídios
saltaram 14%. Há, contudo, fatores que no país todo têm surtido efeito
positivo. “A grande guerra do narcotráfico acabou escondendo o que acontecia em
vários estados”, diz o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira, coordenador do
Atlas da Violência.
Três foram as principais causas para a queda
nos homicídios. Primeiro, uma “revolução invisível” no combate ao crime alia o
policiamento das ruas à gestão por resultados, à inteligência e a programas de
prevenção. Segundo, o envelhecimento populacional, especialmente no Norte e
Nordeste, reduz a proporção de jovens mais vulneráveis ao recrutamento por
quadrilhas. Terceiro, a acomodação em disputas por território entre as facções
do crime organizado também ajudou.
Para que a tendência perdure, um bom começo é
aprovar a PEC da Segurança Pública, enviada pelo governo ao Congresso. Ela
atribui ao governo federal papel central no combate ao crime organizado, define
responsabilidades e metas mensuráveis. Os mecanismos de financiamento devem
estar condicionados a evidências, não a fórmulas automáticas de correção de
gastos. É fundamental também padronizar registros estaduais e integrar as bases
de boletins de ocorrência, homicídios, armas e munições. Estados que adotam policiamento
orientado por dados e obrigam o uso de câmeras corporais devem receber
incentivos federais. Por fim, é preciso retomar o controle sobre áreas
dominadas por facções criminosas e milícias. O STF já determinou que o governo
fluminense apresente um plano específico. A lição vale para outras partes do
país.
Os números comprovam que a violência cede
quando políticas baseadas na ciência substituem o improviso. O Brasil já pagou
caro por oscilar entre picos de repressão ineficaz e descaso. O caminho para
manter — e aprofundar — a queda dos homicídios passa por integração, uso
intensivo de informação e atuação policial comprometida com o Estado de
Direito.
BC vê muitos riscos e pouco avanço na luta
contra inflação
Valor Econômico
O BC fez a coisa certa ao não indicar seu próximo passo e, mais uma vez, defendeu que a política fiscal auxiliasse a monetária a fazer seu trabalho
O Comitê de Política Monetária indicou que
vai manter a política de juros altos por um período prolongado, diante do
cenário adverso externo e da inflação doméstica intratável no curto prazo, com
expectativas desancoradas também no longo prazo. A menos que os fatores
baixistas do balanço de riscos comecem a predominar nos próximos meses, a meta
de 3%, já ultrapassada em 2025, poderá ser inatingível no ano que vem, de
acordo com as projeções do boletim Focus (4,5%), ou ficarão ainda a uma boa
distância dela, a 3,6%, no cenário de referência do Banco Central.
A tempestade tarifária criada pelo presidente
Donald Trump retirou totalmente a visibilidade de futuro dos bancos centrais, e
o do Brasil não economiza palavras na ata divulgada ontem para mostrar grande
lista de imponderáveis, desde até onde irá a política tarifária americana,
passando pela resposta de outros países a ela, e chegando a como as empresas e
consumidores reagirão aos aumentos de preços e os impactos nas cadeias de
produção e nas decisões de investimento. Uma desaceleração da economia americana
é esperada, assim como da China, mas isso dependerá dos fatores mencionados
antes, igualmente imprevisíveis até agora.
Os efeitos da desaceleração da economia
global podem ser desinflacionários no Brasil. No balanço de riscos desenhado
pelo BC, foi acrescido um terceiro fator baixista, o da queda dos preços das
commodities em reais. Os outros dois são uma desaceleração doméstica maior que
a esperada e uma perda de fôlego da economia global mais pronunciada decorrente
do choque tarifário de Trump. Um balanço mais simétrico, com riscos
equivalentes tanto para alta como para baixa, foi uma das poucas avaliações
promissoras sobre o comportamento da inflação de toda a ata.
Os riscos de alta continuam presentes e com
peso. Prossegue a desancoragem das expectativas, já por um período prolongado.
A inflação de serviços é resiliente e se nutre do hiato do produto positivo - a
economia está crescendo acima do potencial. E o risco de depreciação cambial
acelerada, como efeito de políticas domésticas ou externas que tenham impacto
inflacionário, como as que ampliem a fragilidade fiscal, continua no horizonte.
O primeiro aspecto é evidente pelo boletim Focus, apesar de alguma melhoria:
4,5%, o teto da meta, é a mais recente previsão para 2026. A inflação de
serviços chegou perto dos 7% ao ano no IPCA de abril, ajudando a empurrar o
índice para 5,53%. Alimentos recuaram, mas ainda assim foram o principal grupo
de elevação do IPCA.
O Copom assinala que os efeitos defasados da
alta dos juros, que já chegam em termos reais a 9%, começam a se manifestar,
mas os indícios apresentados são frágeis. Assim como na ata de março, os sinais
da desaceleração das atividades econômicas ainda são “incipientes” também dois
meses depois. O PIB do primeiro trimestre, ao que tudo indica, será maior que
0,2% do quarto trimestre do ano. A perda de fôlego no segundo trimestre ainda
não é certa. Além disso, o mercado de trabalho está aquecido, o desemprego é
baixo, e os rendimentos, segundo o BC, estão crescendo acima da produtividade.
Da mesma forma, os reflexos dos juros altos
sobre crédito não são decisivos. O BC menciona “alguma inflexão em algumas
linhas” e vê o aumento do comprometimento da renda do consumidor como
antecedente de menor demanda de crédito futura. Até março, no entanto, as
concessões em 12 meses avançaram 15% nominais e as concessões médias diárias
cresceram 8% ante fevereiro. No entanto, houve um impulso adicional ao crédito
promovido pelo governo, o empréstimo consignado para o setor privado com
garantia do FGTS, cujo impacto sobre o crescimento o Copom ainda espera
estimar. Ele deve ser relevante, segundo analistas privados, podendo
acrescentar 0,4 a 0,5 ponto percentual ao PIB neste ano e repetir a dose no
próximo. Ainda que seja uma “alteração estrutural do mercado”, segundo a ata, é
certo que ela reduz em alguma medida a força da política monetária e visa a
estimular a economia, ao contrário do que pretende o BC para domar a inflação.
Os desdobramentos financeiros da guerra
tarifária ainda são incertos. O Fed poderá continuar jogando na retranca dos
juros, o que poderá piorar as condições de empréstimo e fluxos de capital para
os países emergentes. Por outro lado, menor crescimento americano e déficits
maiores nos EUA podem ajudar a depreciar o dólar em relação ao real e
contribuir para amortecer a inflação. Não se sabe qual desses impulsos
contraditórios irá prevalecer, embora mais recentemente a perda de força da
moeda americana tenha ganhado terreno.
O BC fez a coisa certa ao não indicar seu
próximo passo, que para os analistas será uma última alta de 0,25 ponto na
Selic ou interrupção do ciclo. Como o BC adverte, o cenário exige “restrição
monetária maior e por mais tempo do que outrora seria apropriado”. O BC apontou
ainda que “estímulo significativo nos últimos anos adveio da política fiscal”.
E, mais uma vez, defendeu que a política fiscal auxiliasse a monetária a fazer
seu trabalho - apelo aparentemente inútil, como os anteriores demonstraram ser,
a um governo em modo eleitoral.
Combate sem trégua à criminalidade
O Estado de S. Paulo
Queda nos homicídios é alento, mas o País
segue entre os mais violentos, sob a ameaça crescente das facções. A paz virá
da qualificação da polícia, da justiça criminal e das políticas sociais
O Atlas da Violência 2025 revela
uma notícia auspiciosa: o Brasil registrou, em 2023, a menor taxa de homicídios
em 11 anos – 21,2 por 100 mil habitantes, um recuo de 26,4% em uma década. É um
progresso digno de ser comemorado, mas com cautela, sem complacência. Com uma
taxa quase quatro vezes superior à média global, o Brasil, com menos de 3% da
população mundial, responde por cerca de 9% dos homicídios e agoniza no pelotão
dos 20 países mais violentos do mundo.
Além disso, o recuo dos homicídios não
significa um arrefecimento generalizado da violência. O suicídio juvenil
aumentou 42,7% na última década; as mortes no trânsito crescem, puxadas pelas
motocicletas; e as discrepâncias regionais e demográficas persistem. Enquanto
São Paulo, por exemplo, teve uma taxa de 6,4 homicídios por 100 mil habitantes
– inferior à dos EUA –, Estados do Norte e do Nordeste voltaram a registrar
alta. Em 2023, o Amapá registrou 57,4 homicídios por 100 mil habitantes; a
Bahia, 43,9.
É verdade que alguns Estados vêm colhendo
frutos de políticas públicas que combinam inteligência, repressão e integração
entre forças de segurança. São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio
Grande do Sul, por exemplo, têm conseguido, com métodos distintos, manter
quedas sistemáticas nas taxas de homicídios. O Espírito Santo reduziu quase a
zero os chamados homicídios ocultos integrando sistemas de informação entre
polícia e saúde.
Mas nenhum desses avanços será duradouro se o
País não enfrentar o fenômeno mais grave do nosso tempo: a expansão e
sofisticação do crime organizado. Facções como o PCC e o Comando Vermelho
operam como cartéis transnacionais, com conexões internacionais, infiltração
política e ramificações no mercado legal, controlando territórios, intervindo
em eleições, cooptando servidores, participando de licitações e operando redes
de tráfico de drogas, armas, ouro e madeira – muitas vezes sob a fachada de
ONGs ou associações civis. Pedaços do Brasil, seja em metrópoles como o Rio de
Janeiro, seja em regiões como a Amazônia, estão se transformando em enclaves
próximos de narcoestados.
No Norte e no Nordeste, em especial na faixa
amazônica, cresce um ecossistema do crime que combina mineração ilegal, tráfico
internacional e grilagem com alto poder de fogo. Diante desse quadro funesto, a
flutuação das taxas de homicídio muitas vezes reflete não a eficácia do Estado,
mas os humores das facções. Tréguas circunstanciais motivam quedas nas mortes,
mas disputas por rotas ou mercados podem fazer a violência explodir a qualquer
momento.
A resposta deve ser sistêmica. Há bons
exemplos no continente. A abordagem de dissuasão focada, testada no México,
mostrou que é possível conter a violência letal ao concentrar esforços nos
indivíduos e redes mais violentos, ao invés do encarceramento em massa. Em
Medellín, o uso combinado de inteligência, inclusão social e urbanismo reduziu
significativamente os homicídios. No Brasil, esforços de maior integração
federativa, como a PEC da Segurança Pública, são um passo necessário. A
proposta de legislação antimáfia, inspirada nos modelos italiano e americano,
também representa avanço: ela trata de forma diferenciada organizações
infiltradas na estrutura do Estado e fortalece instrumentos de asfixia
financeira e cooperação interestadual.
Mas nenhum desses instrumentos funcionará sob
os vícios de sempre. À direita, a tentação autoritária que aposta no populismo
penal e na truculência. À esquerda, a leniência que reduz o crime a mero
sintoma da desigualdade que marca o País. A experiência internacional mostra
que repressão eficaz e respeito aos direitos humanos não são incompatíveis –
são indispensáveis. Precisamos de uma polícia forte e responsável, Justiça
célere e confiável e políticas sociais que ampliem oportunidades e enfraqueçam
o apelo do crime.
O copo não está “meio cheio”. Está menos
vazio, mas ainda longe de saciar a sede de paz dos brasileiros. A redução dos
homicídios é real, mas frágil. Celebrá-la é justo; acomodar-se diante dela,
irresponsável. A civilidade só virá com vigilância, inteligência e coragem
política para enfrentar os verdadeiros donos da violência no Brasil.
A desigualdade persiste
O Estado de S. Paulo
Pequena melhora no coeficiente de Gini não é
capaz de esconder um Brasil ainda extremamente desigual, mazela que relega
milhões de cidadãos à pobreza e mantém o País aferrado ao atraso
O Brasil tem como um de seus mais pungentes
traços distintivos a extrema desigualdade entre os cidadãos, em particular no
que concerne à renda. Isso fica ainda mais claro quando se olha para a
estratificação da pirâmide de rendimentos do País, divulgada há poucos dias
pelo IBGE.
Segundo o instituto, o 1% da população que
detém as maiores faixas de renda recebeu, no ano passado, o equivalente a 36,2
vezes o rendimento dos 40% na base da pirâmide. Outra leitura dos dados do IBGE
escancara essa brutal discrepância: ampliando o topo da pirâmide para os 10%
mais ricos, vê-se que, ainda assim, esse estrato populacional recebeu 13,4
vezes o rendimento dos 40% mais pobres em 2024.
Por mais tentadora que seja a conclusão, o
fato de essas relações já terem sido ainda mais desequilibradas no passado –
48,9 vezes em 2019, na comparação com o 1% mais rico; e 17,1% em 2018, no caso
dos 10% mais bem remunerados em relação à base ampla da pirâmide – não revela
um país mais equânime. Antes, mostra que o Brasil apenas saiu de um patamar
obsceno de desigualdade de renda para outro um pouco menos constrangedor.
Entre as causas desse resultado destacadas
pelo IBGE figuram o reajuste do salário mínimo acima da inflação e o
recebimento de benefícios de diferentes programas sociais do governo. O aumento
da renda na base da pirâmide também foi atribuído ao maior dinamismo do mercado
de trabalho, o que, segundo o instituto, provocou a elevação do nível de
ocupação e o crescimento do rendimento médio. Porém, esses são fatores que
atingem todos os níveis de renda da pirâmide, e não apenas a base, embora
possam, eventualmente, ser mais ou menos intensos em cada uma das faixas.
A despeito da fanfarra do governo Lula da
Silva, a análise da queda da desigualdade no Brasil com base na mudança do
coeficiente de Gini (de 0,518 em 2023 para 0,506 em 2024) precisa ser
relativizada. O coeficiente de Gini é uma medida estatística que afere o nível
de distribuição de renda e vai de zero (igualdade perfeita entre a população) a
1 (desigualdade absoluta). Por óbvio, programas de transferência de renda
interferem nos dados estatísticos sobre a distribuição per capita dos
rendimentos, e isso não é ruim. O que é preocupante é o fato de uma eventual
melhora da renda dos estratos mais vulneráveis da população ser dependente
daqueles paliativos governamentais, que melhor deveriam servir como um colchão
de segurança social.
O Bolsa Família, para citar o mais abrangente
dos programas sociais do governo, alcança 53,8 milhões de pessoas, ou seja,
mais de um quarto da população brasileira. Não se espera que dele derive uma
ascensão social dos beneficiários, o que só advirá do crescimento sustentável
da economia, do acesso à educação de qualidade e da ocupação de postos mais
qualificados no mercado de trabalho, entre outros fatores. Como medida
emergencial, o ideal seria que a clientela do programa diminuísse ao longo do
tempo, acompanhando um natural e desejável crescimento da economia e das
oportunidades de crescimento do rendimento próprio. Mas o que se vê nos últimos
anos é o contrário.
Note-se, ainda, que o índice de Gini não
distingue países mais ricos ou mais pobres, mas sim os que apresentam maior
concentração de renda e aqueles que conseguem distribuir melhor sua riqueza
entre a população. O ranking do Banco Mundial de 2023, por exemplo, inclui o
Nepal, um dos países mais pobres da Ásia, entre os mais igualitários, com Gini
de 0,30, à frente da Áustria (0,31). É um caso típico de igualdade na pobreza.
O Brasil ocupa a segunda metade do ranking de
Gini, o que coloca o País entre as nações mais desiguais, malgrado ser a oitava
maior economia do mundo. Esse paradoxo – um país rico, mas incapaz de abrir
vias seguras de desenvolvimento pessoal para milhões de seus cidadãos – está na
raiz de muitos entraves ao crescimento nacional.
Além de ser moralmente condenável, a
desigualdade renitente é um obstáculo econômico. Países profundamente desiguais
tendem a crescer menos e a viver ciclos de instabilidade política e social, uma
realidade que, a despeito dos ganhos que representa para alguns, impõe custos
elevadíssimos à sociedade como um todo.
Rito republicano não é enfeite
O Estado de S. Paulo
Ainda em quarentena, Roberto Campos Neto,
ex-BC, é anunciado como executivo do Nubank
O Nubank anunciou que Roberto Campos Neto,
que até recentemente era presidente do Banco Central (BC), foi convidado para
integrar a diretoria e o Conselho de Administração da empresa. No comunicado, o
banco informou que Campos Neto se disse “ansioso por essa mudança de carreira e
por liderar as equipes do Nubank”. David Vélez, fundador e CEO do Nubank, deu
as boas-vindas dizendo que Campos Neto tem sido “um dos principais pensadores
do mundo sobre o uso da tecnologia em sistemas financeiros”.
A questão é que Campos Neto ainda está em
quarentena, período em que autoridades que deixaram o governo não podem ter
qualquer atividade profissional que represente conflito de interesses ou que
enseje o uso de informações privilegiadas.
Em seu comunicado, o Nubank informou que
Campos Neto só será efetivado como executivo do banco em 1.º de julho, quando
termina o prazo legal de quarentena, mas isso não muda a essência do problema.
Está claro que Campos Neto e Nubank estabeleceram alguma relação num período em
que isso não deveria acontecer.
A quarentena existe justamente para evitar
suspeitas como essa, razão pela qual não é mera formalidade. É, antes de tudo,
uma questão de respeito aos princípios republicanos. Para alguns cargos, a
quarentena é dispensável; para outros, exige consulta à Comissão de Ética
Pública; e para determinados grupos a interdição é absolutamente obrigatória. É
o caso da diretoria do Banco Central, cuja quarentena, além de estar prevista
na lei de 2013 que dispõe sobre conflito de interesses, é corroborada pela lei que
instituiu a autonomia do BC.
Diz o artigo 10, inciso III, da Lei 179/2021
que é vedado aos diretores do Banco Central “participar do controle societário
ou exercer qualquer atividade profissional direta ou indiretamente, com ou sem
vínculo empregatício, junto a instituições do Sistema Financeiro Nacional após
o exercício do mandato, exoneração a pedido ou demissão justificada, por um
período de seis meses”. Ou seja, não importa o motivo da saída: o afastamento
de atividades no setor financeiro é compulsório e para isso é mantida a remuneração
da ex-autoridade durante todo o prazo legal.
O objetivo do recolhimento temporário é
claro, haja vista que determinados cargos dão a seus ocupantes acesso a
informações que não são de conhecimento público, algumas de extrema importância
estratégica. A quarentena, por óbvio, não elimina o conhecimento, mas é um
cuidado para que dados que possam representar um risco iminente para a isonomia
do mercado sejam preservados e até percam importância ao longo do tempo.
Em lugar nenhum da legislação está dito com
quem a ex-autoridade pública pode falar em seu período de quarentena, porque se
presume que o espírito da lei seja claro: na dúvida, é melhor evitar contatos
que possam sugerir qualquer forma de favorecimento ou relação inapropriada. Em
outras palavras, Campos Neto deveria ter evitado a conversa com o Nubank em seu
período de quarentena, ainda que fosse para falar de futebol.
Em resumo, a lei não manda ter pundonor, mas talvez devesse.
Segurança digital e o escândalo do INSS
Correio Braziliense
Se em Brasília há fragilidade na segurança
digital, a pergunta se volta a como os dados são protegidos nos ambientes
certamente mais frágeis de estados e municípios brasileiros
O escândalo que envolve entidades que
têm termo de cooperação técnica com o INSS marca o noticiário brasileiro nos
últimos dias a partir de uma fraude que alcança desvios estimados em R$ 6
bilhões de aposentadorias e pensões, sem consentimento das vítimas. O
caso também chama a atenção para um ponto pouco discutido nos espaços
públicos: a segurança digital.
Sabe-se que parte das fraudes cometidas
passou pelo acesso de golpistas a dados sensíveis de contribuintes. Em alguns
casos, a trama se dava a partir do desconhecimento do beneficiário, que
fornecia sua assinatura por ingenuidade. Mas, em outros, o vazamento de
informações foi peça-chave do golpe.
Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da
União (TCU) em junho do ano passado mostrou que nem todos os descontos do INSS
foram aprovados pelos titulares dos benefícios. Na verdade, bastava o
fornecimento de uma lista mensal de segurados, junto à Empresa de Tecnologia e
Informações da Previdência Social (Dataprev), sem a necessária verificação
documental.
A Dataprev está vinculada, hoje, ao
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Em abril de 2024, o
Ministério da Previdência Social reconheceu que houve vazamento de dados dos
contribuintes em caso que ganhou o nome de Vazaprev. As cerca de 400 senhas de
acesso ao sistema que caíram nas mãos dos criminosos permitiram a invasão de
aproximadamente 60 dispositivos não reconhecidos à rede da Dataprev. A falha
desviou cerca de R$ 1,4 bilhão dos aposentados e pensionistas entre janeiro de
2022 a agosto de 2023, segundo o TCU.
Esse e outros casos, como o monitoramento
irregular feito pela chamada Abin paralela até 2022, escancaram a necessidade
de um pente-fino nos órgãos públicos de gestão federal. Se em Brasília há
fragilidade na segurança digital, a pergunta se volta a como os dados são
protegidos nos ambientes certamente mais frágeis de estados e municípios
brasileiros.
Em um momento no qual prefeituras, estados e
o próprio governo federal defendem a digitalização dos seus serviços, com a
intenção de trazer comodidade ao cidadão ao diminuir a burocracia pública, a
segurança dos dados da população precisa ser prioridade no desenvolvimento de
qualquer interface.
Quem perde, no fim das contas, é sempre o
cidadão, sobretudo o mais fragilizado, caso de aposentados e pensionistas. Vale
lembrar que a fraude com os recursos pagos pelo INSS durava anos. Se a educação
digital plena é um sonho distante, diante de um país ainda com cerca de 11
milhões de analfabetos, é preciso garantir a segurança digital dos sistemas
públicos.
Quando restringiu o acesso ao CPF de candidatos a cargos públicos na última eleição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) justificou a falta de transparência com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Parte da retomada da confiança do brasileiro em suas instituições representativas passa por uma maior clareza sobre quem elas, de fato, devem representar. Os mais fragilizados e dependentes do Estado precisam ser prioridade na ordem do dia.
Uma trégua na guerra comercial
O Povo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad disse
que o Brasil não vai escolher relações econômicas e políticas com a China ou
Estados Unidos, mas buscar relações sólidas com ambos, pois o presidente Lula
acredita no multilateralismo
A China e os Estados Unidos chegaram a um
acordo para reduzir as tarifas, depois que a elevação atingiu níveis inéditos.
É um acerto ainda temporário, mas suficiente para uma resposta positiva dos
mercados em todo o mundo, ao abrir a perspectiva de encerrar uma guerra
comercial, iniciada pelo presidente americano Donald Trump, tornando-se a
principal preocupação de governantes de todo o mundo, devido ao seu potencial
destrutivo.
Pelo que ficou acertado entre negociadores
dos dois países, reunidos em Genebra, os Estados Unidos vão reduzir de 145%
para 30% as tarifas adicionais sobre os produtos chineses; Pequim, por sua vez,
vai baixar as taxas de importação de 125% para 10%. O acordo é provisório, com
duração de 90 dias, quando novamente os dois países voltarão a se encontrar
para dar continuidade às negociações.
É o início de conversas bilaterais que podem
avançar para um acordo definitivo mais amplo, afastando o temor de uma
escalada, com desdobramentos negativos para todas as nações, inclusive para os
Estados Unidos. No entanto, o que se teme é a imprevisibilidade de Trump, que
pode pôr tudo a perder com seu comportamento errático.
Mas o fato é que Trump estava encurralado
pela reação negativa dos mercados; pressionado dentro do próprio país por
empresários — que dependem de importações chinesas —; questionado por
parlamentares e governadores de vários estados, além de movimentos populares
que começam a se organizar. Essas foram as causas de seu recuo, ainda que ele
nunca admitirá que sua tática de impor um tarifaço ao mundo está fazendo água.
Trump também foi obrigado a evitar bravatas,
pois os chineses avisaram estar abertos ao diálogo, mas pediram
"respeito" antes das negociações.
Portanto, o importante agora é continuar
mantendo as crianças fora da sala — Trump e seu círculo íntimo — para que os
adultos possam chegar a um denominador comum daqui a três meses.
Quanto ao Brasil, o governo faz bem ao ficar
longe desse tiroteio, demonstrando que a China e os Estados Unidos são
parceiros comerciais importantes. O maior símbolo dessa política pragmática é
que, pouco antes da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país
asiático, seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esteve nos Estados Unidos
apresentando a executivos de tecnologia a política brasileira de atração de
data centers.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu o
tom do comportamento brasileiro quanto às relações internacionais. Em
entrevista ao canal Uol, ele disse que o Brasil não pretende escolher ou
privilegiar relações econômicas e políticas com a China ou Estados Unidos, mas
sim buscar relações sólidas e cada vez mais amplas com ambos os parceiros, pois
o presidente Lula acredita no multilateralismo.
Frente à conjuntura que se apresenta, sem dúvida, esse é o caminho correto para a diplomacia brasileira.
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