quarta-feira, 14 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Homicídios caem em um país ainda muito violento

Folha de S. Paulo

Número se reduz 20,3% em dez anos, mas taxa segue entre maiores do mundo; autoridades têm muito a avançar em políticas

Não é todo dia que se podem celebrar dados de segurança pública em um país acostumado a conviver dolorosamente com a violênciaA recém-divulgada redução de 20,3% dos homicídios entre os anos de 2013 e 2023 precisa ser valorizada, no devido contexto.

De acordo com o Atlas da Violência, publicado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nesse período o número anual de vítimas caiu de 60.474 para 45.747, e a taxa por 100 mil habitantes, de 28,8 para 21,2 —com pico de 31,8 em 2017.

É notável que, a despeito da melhora, nos últimos anos a criminalidade passou a figurar entre as principais preocupações mencionadas por brasileiros em pesquisas de opinião. Talvez o fenômeno deva algo ao acirramento da polarização política, mas é fato que o país se mantém entre os mas violentos do mundo, só superado por outros 14.

As estatísticas também deixam de lado possíveis ou prováveis assassinatos que não foram assim classificados por falta de evidências. Os pesquisadores do atlas estimam 3.755 casos do gênero em 2023 e nada menos que 51.608 em todo o decênio.

Ademais, os dados nacionais camuflam grandes desigualdades entre regiões e estados. Os números são visivelmente piores no Norte e no Nordeste que no Sul e no Sudeste. São Paulo (6,4) e Santa Catarina (8,8) são os únicos com taxas abaixo de 10 por 100 mil habitantes.

Já o Amapá, com assustadores 57,4, é onde mais se assassina no país em termos relativos —e, pior, sem tendência de queda. Estados mais populosos, como Bahia (43,9) Pernambuco (38) e Ceará (32) têm taxas muito acima da média brasileira. No Rio de Janeiro, houve piora de 2022 para 2023 (de 21,4 para 24,3).

Há nuances também na sociedade. O número de mulheres assassinadas em 2023, 3.903, foi o maior desde 2018. No mesmo ano, as mortes de negros, 35.531, responderam por mais de três quartos do total —elas também caíram em ritmo menor que as demais ao longo do decênio.

Dado que a criminalidade é um fenômeno multicausal, a queda dos homicídios se deve a fatores diversos. O processo de envelhecimento da população impacta os dados, pois adolescentes e jovens adultos entre 15 e 29 anos têm propensão elevada a se envolverem em episódios violentos (47,8% das vítimas em 2023).

Se disputas entre facções criminosas tendem a elevar as ocorrências, como mostra o exemplo do Amapá, o pacto de não agressão entre as duas maiores facções do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), favorece a redução.

O relatório também destaca o aprimoramento de políticas públicas no setor, com planejamento, tecnologia, prevenção e inteligência. Mas é fato que autoridades estaduais e federais, dentro de suas competências, precisam avançar mais em experiências bem-sucedidas como o uso das câmeras nos uniformes policiais.

Minerais estratégicos sem prioridade no radar

Folha de S. Paulo

Serviço Geológico do Brasil precisa manter-se à altura do salto exigido para o país se destacar na transição energética

Os projetos Radam (1970) e Radam Brasil (1975) fizeram época ao empregar tecnologia inovadora (radar) em levantamentos mineralógicos sistemáticos do território nacional. Para aproveitar a demanda mundial crescente por minérios críticos para a transição energética, contudo, o país ainda carece de iniciativa estratégica comparável à dos governos da ditadura.

Naquele tempo, aviões Caravelle esquadrinharam o Brasil a 11 mil metros de altitude. Produziram-se 550 mosaicos na escala 1:250.000 postos à disposição de pesquisadores e empresas, incentivando a prospecção mineral, por exemplo na Amazônia.

O planeta se vê agora acossado a revolucionar o sistema energético para descarbonizar a economia e, assim, conter a mudança climática, o que põe o mercado sedento por alternativas de geração e armazenamento. Usinas eólicas, painéis solares fotovoltaicos e baterias avançadas aceleraram sobremaneira a procura por lítio, nióbio, cobalto e terras raras, entre outros minérios.

É hora de se preparar para tal oportunidade pondo o Serviço Geológico do Brasil (SGB) a levantar reservas minerais decisivas para a transição energética.

A repartição, no entanto, claudica, quando deveria evoluir com os olhos voltados para o horizonte global, não para entraves domésticos. Não que lhe falte experiência. Em 2012 oSGB promoveu busca ativa por lítio em Minas Gerais e a iniciativa deu frutos, como a exportação desde 2023 pela empresa Sigma Lithium.

O ideal seria avançar no mapeamento para a escala 1:100.000, mas só 27% do território nacional alcançou esse patamar. Estima-se que, com o quadro atual de 600 especialistas, o SGB demoraria 110 anos para sondar todo o país.

Em tempos de restrição orçamentária, um órgão de Estado não pode contentar-se com reivindicar mais verbas e pessoal. Há que viabilizar alternativas como o levantamento aerogeofísico encetado entre 2011 e 2015, quando assim se melhoraram as informações sobre metade do país.

Em março, a empresa espanhola Xcalibur venceu licitação para levantar dados de uma área comparável à da Bahia, que exigiria investimento público de R$ 700 milhões. Todo o orçamento do SGB, porém, pouco excede R$ 600 milhões. Uma saída são parcerias com governos estaduais.

Antes de mais nada, o SGB precisa se preservar como corpo técnico com missão estratégica para o país. Não ajuda, a propósito, que em sua diretoria haja só 2 de 5 cargos ocupados por especialistas e os demais preenchidos por conveniência política.

Apreço de Lula pela democracia flutua segundo conveniência

O Globo

Presidente posa de democrata, mas não teve constrangimento em ir a Moscou participar de desfile ao lado de ditadores

Uma semana atrás, editorial neste mesmo espaço criticou a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moscou para participar dos festejos pelos 80 anos da vitória na Segunda Guerra, promovidos pelo autocrata Vladimir Putin. A realidade se revelou mais constrangedora do que se antevia. Nas imagens do desfile militar na Praça Vermelha, Lula — eleito empunhando a bandeira da democracia e alvo de uma tentativa de golpe de Estado — aparece ao lado de um escol invejável de ditadores. Lá estão Ibrahim Traoré, de Burkina Faso, Umaro Sissoco Embaló, de Guiné-Bissau, Abdel Fattah el-Sisi, do Egito, Emmerson Mnangagwa, do Zimbábue e Denis Sassou Nguesso, da República do Congo. Mais distantes, o venezuelano Nicolás Maduro e o cubano Miguel Díaz-Canel. Sem esquecer o anfitrião Putin.

“Lula se elegeu com um discurso de defesa da democracia, afirma ter combatido um golpe de Estado no 8 de Janeiro. Agora aparece ao lado não apenas de ditadores, mas também de criminosos de guerra”, disse ao GLOBO Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense e pesquisador da Universidade Harvard.

Questionado sobre a ausência de líderes democráticos, Lula revelou seu desapreço pela História. Afirmou que “a Europa inteira deveria estar fazendo festa” e insinuou que outros países da União Europeia deveriam ter marcado presença em Moscou, em vez de gastar em armas para se precaver contra a ameaça russa. Ora, todos os países europeus celebram a vitória sobre o nazismo. Lula esquece que, ao invadir a Ucrânia, a Rússia mostrou não ter respeito pela integridade territorial dos vizinhos. Apelos genéricos em favor da paz de nada servem ante riscos que o próprio Lula reconhece implicitamente ao citar a luta contra a Alemanha nazista (cujo avanço foi facilitado pelos que pregavam a “paz” no Ocidente).

Lula parece acreditar que o Brasil pode ter papel importante para que Rússia e Ucrânia alcancem a paz. “A guerra só pode acabar se os dois quiserem”, afirmou. “Então, eu vou continuar trabalhando no grupo de amigos.” Fora do círculo próximo de Lula, porém, ninguém acredita que ele possa ter relevância nas negociações. O Brasil não tem assento no Conselho de Segurança da ONU, Brasília fica a mais de 10 mil quilômetros do cenário de guerra, e os ucranianos consideram Lula parcial. Não há motivo para ser ouvido como parte isenta.

Outro pretexto foi alegado para justificar a viagem: o déficit comercial de quase US$ 11 bilhões do Brasil com a Rússia. Em vez de aderir às sanções impostas a Putin, o Brasil se tornou grande importador de diesel russo, que se soma aos fertilizantes imprescindíveis para o agronegócio. Mas tais necessidades não justificam sua presença em Moscou. Por fim, Lula também afirmou almejar um acordo estratégico com a Rússia. Quem tem esse tipo de ligação com Putin são países como Coreia do Norte, Venezuela ou Irã. Será esse o “grupo de amigos” de Lula?

O desfile na Praça Vermelha não passou de peça de propaganda de Putin. Outros líderes democráticos foram convidados e declinaram sem embaraço diplomático. A única explicação para o presidente de uma democracia pujante como a brasileira participar de tal pantomima em má companhia é que seu apreço pela democracia — tão propalado pelos apoiadores — flutua segundo a conveniência e a ideologia.

Manter queda dos homicídios depende de substituir improviso pela ciência

O Globo

Demografia, trégua entre quadrilhas e policiamento baseado em evidências explicam dados do Atlas da Violência

O Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública com base em estatísticas do Ministério da Saúde, confirma uma inflexão notável no Brasil: em 2023 o país registrou 45.747 homicídios, ou 21,2 por 100 mil habitantes — a menor taxa desde 2012. A queda foi de 30% em relação ao pico de 2017. Trata-se de conquista de grande relevância neste momento em que a segurança pública se tornou a maior preocupação dos brasileiros. Entender o que contribuiu para a queda é fundamental para o país combater o crime com sucesso.

Há, é verdade, questões de ordem metodológica. Certas mortes violentas não têm sido classificadas como homicídios, pois os registros não atribuem causa determinada. Mas esses “homicídios ocultos” não mudam o quadro nacional. Estados como Amapá, Pernambuco ou Bahia são bem mais violentos, enquanto São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal se destacam pelos índices baixos. No Rio de Janeiro, conflagrado pela guerra entre traficantes e milicianos, a situação piorou: os homicídios saltaram 14%. Há, contudo, fatores que no país todo têm surtido efeito positivo. “A grande guerra do narcotráfico acabou escondendo o que acontecia em vários estados”, diz o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência.

Três foram as principais causas para a queda nos homicídios. Primeiro, uma “revolução invisível” no combate ao crime alia o policiamento das ruas à gestão por resultados, à inteligência e a programas de prevenção. Segundo, o envelhecimento populacional, especialmente no Norte e Nordeste, reduz a proporção de jovens mais vulneráveis ao recrutamento por quadrilhas. Terceiro, a acomodação em disputas por território entre as facções do crime organizado também ajudou.

Para que a tendência perdure, um bom começo é aprovar a PEC da Segurança Pública, enviada pelo governo ao Congresso. Ela atribui ao governo federal papel central no combate ao crime organizado, define responsabilidades e metas mensuráveis. Os mecanismos de financiamento devem estar condicionados a evidências, não a fórmulas automáticas de correção de gastos. É fundamental também padronizar registros estaduais e integrar as bases de boletins de ocorrência, homicídios, armas e munições. Estados que adotam policiamento orientado por dados e obrigam o uso de câmeras corporais devem receber incentivos federais. Por fim, é preciso retomar o controle sobre áreas dominadas por facções criminosas e milícias. O STF já determinou que o governo fluminense apresente um plano específico. A lição vale para outras partes do país.

Os números comprovam que a violência cede quando políticas baseadas na ciência substituem o improviso. O Brasil já pagou caro por oscilar entre picos de repressão ineficaz e descaso. O caminho para manter — e aprofundar — a queda dos homicídios passa por integração, uso intensivo de informação e atuação policial comprometida com o Estado de Direito.

BC vê muitos riscos e pouco avanço na luta contra inflação

Valor Econômico

O BC fez a coisa certa ao não indicar seu próximo passo e, mais uma vez, defendeu que a política fiscal auxiliasse a monetária a fazer seu trabalho

O Comitê de Política Monetária indicou que vai manter a política de juros altos por um período prolongado, diante do cenário adverso externo e da inflação doméstica intratável no curto prazo, com expectativas desancoradas também no longo prazo. A menos que os fatores baixistas do balanço de riscos comecem a predominar nos próximos meses, a meta de 3%, já ultrapassada em 2025, poderá ser inatingível no ano que vem, de acordo com as projeções do boletim Focus (4,5%), ou ficarão ainda a uma boa distância dela, a 3,6%, no cenário de referência do Banco Central.

A tempestade tarifária criada pelo presidente Donald Trump retirou totalmente a visibilidade de futuro dos bancos centrais, e o do Brasil não economiza palavras na ata divulgada ontem para mostrar grande lista de imponderáveis, desde até onde irá a política tarifária americana, passando pela resposta de outros países a ela, e chegando a como as empresas e consumidores reagirão aos aumentos de preços e os impactos nas cadeias de produção e nas decisões de investimento. Uma desaceleração da economia americana é esperada, assim como da China, mas isso dependerá dos fatores mencionados antes, igualmente imprevisíveis até agora.

Os efeitos da desaceleração da economia global podem ser desinflacionários no Brasil. No balanço de riscos desenhado pelo BC, foi acrescido um terceiro fator baixista, o da queda dos preços das commodities em reais. Os outros dois são uma desaceleração doméstica maior que a esperada e uma perda de fôlego da economia global mais pronunciada decorrente do choque tarifário de Trump. Um balanço mais simétrico, com riscos equivalentes tanto para alta como para baixa, foi uma das poucas avaliações promissoras sobre o comportamento da inflação de toda a ata.

Os riscos de alta continuam presentes e com peso. Prossegue a desancoragem das expectativas, já por um período prolongado. A inflação de serviços é resiliente e se nutre do hiato do produto positivo - a economia está crescendo acima do potencial. E o risco de depreciação cambial acelerada, como efeito de políticas domésticas ou externas que tenham impacto inflacionário, como as que ampliem a fragilidade fiscal, continua no horizonte. O primeiro aspecto é evidente pelo boletim Focus, apesar de alguma melhoria: 4,5%, o teto da meta, é a mais recente previsão para 2026. A inflação de serviços chegou perto dos 7% ao ano no IPCA de abril, ajudando a empurrar o índice para 5,53%. Alimentos recuaram, mas ainda assim foram o principal grupo de elevação do IPCA.

O Copom assinala que os efeitos defasados da alta dos juros, que já chegam em termos reais a 9%, começam a se manifestar, mas os indícios apresentados são frágeis. Assim como na ata de março, os sinais da desaceleração das atividades econômicas ainda são “incipientes” também dois meses depois. O PIB do primeiro trimestre, ao que tudo indica, será maior que 0,2% do quarto trimestre do ano. A perda de fôlego no segundo trimestre ainda não é certa. Além disso, o mercado de trabalho está aquecido, o desemprego é baixo, e os rendimentos, segundo o BC, estão crescendo acima da produtividade.

Da mesma forma, os reflexos dos juros altos sobre crédito não são decisivos. O BC menciona “alguma inflexão em algumas linhas” e vê o aumento do comprometimento da renda do consumidor como antecedente de menor demanda de crédito futura. Até março, no entanto, as concessões em 12 meses avançaram 15% nominais e as concessões médias diárias cresceram 8% ante fevereiro. No entanto, houve um impulso adicional ao crédito promovido pelo governo, o empréstimo consignado para o setor privado com garantia do FGTS, cujo impacto sobre o crescimento o Copom ainda espera estimar. Ele deve ser relevante, segundo analistas privados, podendo acrescentar 0,4 a 0,5 ponto percentual ao PIB neste ano e repetir a dose no próximo. Ainda que seja uma “alteração estrutural do mercado”, segundo a ata, é certo que ela reduz em alguma medida a força da política monetária e visa a estimular a economia, ao contrário do que pretende o BC para domar a inflação.

Os desdobramentos financeiros da guerra tarifária ainda são incertos. O Fed poderá continuar jogando na retranca dos juros, o que poderá piorar as condições de empréstimo e fluxos de capital para os países emergentes. Por outro lado, menor crescimento americano e déficits maiores nos EUA podem ajudar a depreciar o dólar em relação ao real e contribuir para amortecer a inflação. Não se sabe qual desses impulsos contraditórios irá prevalecer, embora mais recentemente a perda de força da moeda americana tenha ganhado terreno.

O BC fez a coisa certa ao não indicar seu próximo passo, que para os analistas será uma última alta de 0,25 ponto na Selic ou interrupção do ciclo. Como o BC adverte, o cenário exige “restrição monetária maior e por mais tempo do que outrora seria apropriado”. O BC apontou ainda que “estímulo significativo nos últimos anos adveio da política fiscal”. E, mais uma vez, defendeu que a política fiscal auxiliasse a monetária a fazer seu trabalho - apelo aparentemente inútil, como os anteriores demonstraram ser, a um governo em modo eleitoral.

Combate sem trégua à criminalidade

O Estado de S. Paulo

Queda nos homicídios é alento, mas o País segue entre os mais violentos, sob a ameaça crescente das facções. A paz virá da qualificação da polícia, da justiça criminal e das políticas sociais

O Atlas da Violência 2025 revela uma notícia auspiciosa: o Brasil registrou, em 2023, a menor taxa de homicídios em 11 anos – 21,2 por 100 mil habitantes, um recuo de 26,4% em uma década. É um progresso digno de ser comemorado, mas com cautela, sem complacência. Com uma taxa quase quatro vezes superior à média global, o Brasil, com menos de 3% da população mundial, responde por cerca de 9% dos homicídios e agoniza no pelotão dos 20 países mais violentos do mundo.

Além disso, o recuo dos homicídios não significa um arrefecimento generalizado da violência. O suicídio juvenil aumentou 42,7% na última década; as mortes no trânsito crescem, puxadas pelas motocicletas; e as discrepâncias regionais e demográficas persistem. Enquanto São Paulo, por exemplo, teve uma taxa de 6,4 homicídios por 100 mil habitantes – inferior à dos EUA –, Estados do Norte e do Nordeste voltaram a registrar alta. Em 2023, o Amapá registrou 57,4 homicídios por 100 mil habitantes; a Bahia, 43,9.

É verdade que alguns Estados vêm colhendo frutos de políticas públicas que combinam inteligência, repressão e integração entre forças de segurança. São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, por exemplo, têm conseguido, com métodos distintos, manter quedas sistemáticas nas taxas de homicídios. O Espírito Santo reduziu quase a zero os chamados homicídios ocultos integrando sistemas de informação entre polícia e saúde.

Mas nenhum desses avanços será duradouro se o País não enfrentar o fenômeno mais grave do nosso tempo: a expansão e sofisticação do crime organizado. Facções como o PCC e o Comando Vermelho operam como cartéis transnacionais, com conexões internacionais, infiltração política e ramificações no mercado legal, controlando territórios, intervindo em eleições, cooptando servidores, participando de licitações e operando redes de tráfico de drogas, armas, ouro e madeira – muitas vezes sob a fachada de ONGs ou associações civis. Pedaços do Brasil, seja em metrópoles como o Rio de Janeiro, seja em regiões como a Amazônia, estão se transformando em enclaves próximos de narcoestados.

No Norte e no Nordeste, em especial na faixa amazônica, cresce um ecossistema do crime que combina mineração ilegal, tráfico internacional e grilagem com alto poder de fogo. Diante desse quadro funesto, a flutuação das taxas de homicídio muitas vezes reflete não a eficácia do Estado, mas os humores das facções. Tréguas circunstanciais motivam quedas nas mortes, mas disputas por rotas ou mercados podem fazer a violência explodir a qualquer momento.

A resposta deve ser sistêmica. Há bons exemplos no continente. A abordagem de dissuasão focada, testada no México, mostrou que é possível conter a violência letal ao concentrar esforços nos indivíduos e redes mais violentos, ao invés do encarceramento em massa. Em Medellín, o uso combinado de inteligência, inclusão social e urbanismo reduziu significativamente os homicídios. No Brasil, esforços de maior integração federativa, como a PEC da Segurança Pública, são um passo necessário. A proposta de legislação antimáfia, inspirada nos modelos italiano e americano, também representa avanço: ela trata de forma diferenciada organizações infiltradas na estrutura do Estado e fortalece instrumentos de asfixia financeira e cooperação interestadual.

Mas nenhum desses instrumentos funcionará sob os vícios de sempre. À direita, a tentação autoritária que aposta no populismo penal e na truculência. À esquerda, a leniência que reduz o crime a mero sintoma da desigualdade que marca o País. A experiência internacional mostra que repressão eficaz e respeito aos direitos humanos não são incompatíveis – são indispensáveis. Precisamos de uma polícia forte e responsável, Justiça célere e confiável e políticas sociais que ampliem oportunidades e enfraqueçam o apelo do crime.

O copo não está “meio cheio”. Está menos vazio, mas ainda longe de saciar a sede de paz dos brasileiros. A redução dos homicídios é real, mas frágil. Celebrá-la é justo; acomodar-se diante dela, irresponsável. A civilidade só virá com vigilância, inteligência e coragem política para enfrentar os verdadeiros donos da violência no Brasil.

A desigualdade persiste

O Estado de S. Paulo

Pequena melhora no coeficiente de Gini não é capaz de esconder um Brasil ainda extremamente desigual, mazela que relega milhões de cidadãos à pobreza e mantém o País aferrado ao atraso

O Brasil tem como um de seus mais pungentes traços distintivos a extrema desigualdade entre os cidadãos, em particular no que concerne à renda. Isso fica ainda mais claro quando se olha para a estratificação da pirâmide de rendimentos do País, divulgada há poucos dias pelo IBGE.

Segundo o instituto, o 1% da população que detém as maiores faixas de renda recebeu, no ano passado, o equivalente a 36,2 vezes o rendimento dos 40% na base da pirâmide. Outra leitura dos dados do IBGE escancara essa brutal discrepância: ampliando o topo da pirâmide para os 10% mais ricos, vê-se que, ainda assim, esse estrato populacional recebeu 13,4 vezes o rendimento dos 40% mais pobres em 2024.

Por mais tentadora que seja a conclusão, o fato de essas relações já terem sido ainda mais desequilibradas no passado – 48,9 vezes em 2019, na comparação com o 1% mais rico; e 17,1% em 2018, no caso dos 10% mais bem remunerados em relação à base ampla da pirâmide – não revela um país mais equânime. Antes, mostra que o Brasil apenas saiu de um patamar obsceno de desigualdade de renda para outro um pouco menos constrangedor.

Entre as causas desse resultado destacadas pelo IBGE figuram o reajuste do salário mínimo acima da inflação e o recebimento de benefícios de diferentes programas sociais do governo. O aumento da renda na base da pirâmide também foi atribuído ao maior dinamismo do mercado de trabalho, o que, segundo o instituto, provocou a elevação do nível de ocupação e o crescimento do rendimento médio. Porém, esses são fatores que atingem todos os níveis de renda da pirâmide, e não apenas a base, embora possam, eventualmente, ser mais ou menos intensos em cada uma das faixas.

A despeito da fanfarra do governo Lula da Silva, a análise da queda da desigualdade no Brasil com base na mudança do coeficiente de Gini (de 0,518 em 2023 para 0,506 em 2024) precisa ser relativizada. O coeficiente de Gini é uma medida estatística que afere o nível de distribuição de renda e vai de zero (igualdade perfeita entre a população) a 1 (desigualdade absoluta). Por óbvio, programas de transferência de renda interferem nos dados estatísticos sobre a distribuição per capita dos rendimentos, e isso não é ruim. O que é preocupante é o fato de uma eventual melhora da renda dos estratos mais vulneráveis da população ser dependente daqueles paliativos governamentais, que melhor deveriam servir como um colchão de segurança social.

O Bolsa Família, para citar o mais abrangente dos programas sociais do governo, alcança 53,8 milhões de pessoas, ou seja, mais de um quarto da população brasileira. Não se espera que dele derive uma ascensão social dos beneficiários, o que só advirá do crescimento sustentável da economia, do acesso à educação de qualidade e da ocupação de postos mais qualificados no mercado de trabalho, entre outros fatores. Como medida emergencial, o ideal seria que a clientela do programa diminuísse ao longo do tempo, acompanhando um natural e desejável crescimento da economia e das oportunidades de crescimento do rendimento próprio. Mas o que se vê nos últimos anos é o contrário.

Note-se, ainda, que o índice de Gini não distingue países mais ricos ou mais pobres, mas sim os que apresentam maior concentração de renda e aqueles que conseguem distribuir melhor sua riqueza entre a população. O ranking do Banco Mundial de 2023, por exemplo, inclui o Nepal, um dos países mais pobres da Ásia, entre os mais igualitários, com Gini de 0,30, à frente da Áustria (0,31). É um caso típico de igualdade na pobreza.

O Brasil ocupa a segunda metade do ranking de Gini, o que coloca o País entre as nações mais desiguais, malgrado ser a oitava maior economia do mundo. Esse paradoxo – um país rico, mas incapaz de abrir vias seguras de desenvolvimento pessoal para milhões de seus cidadãos – está na raiz de muitos entraves ao crescimento nacional.

Além de ser moralmente condenável, a desigualdade renitente é um obstáculo econômico. Países profundamente desiguais tendem a crescer menos e a viver ciclos de instabilidade política e social, uma realidade que, a despeito dos ganhos que representa para alguns, impõe custos elevadíssimos à sociedade como um todo.

Rito republicano não é enfeite

O Estado de S. Paulo

Ainda em quarentena, Roberto Campos Neto, ex-BC, é anunciado como executivo do Nubank

O Nubank anunciou que Roberto Campos Neto, que até recentemente era presidente do Banco Central (BC), foi convidado para integrar a diretoria e o Conselho de Administração da empresa. No comunicado, o banco informou que Campos Neto se disse “ansioso por essa mudança de carreira e por liderar as equipes do Nubank”. David Vélez, fundador e CEO do Nubank, deu as boas-vindas dizendo que Campos Neto tem sido “um dos principais pensadores do mundo sobre o uso da tecnologia em sistemas financeiros”.

A questão é que Campos Neto ainda está em quarentena, período em que autoridades que deixaram o governo não podem ter qualquer atividade profissional que represente conflito de interesses ou que enseje o uso de informações privilegiadas.

Em seu comunicado, o Nubank informou que Campos Neto só será efetivado como executivo do banco em 1.º de julho, quando termina o prazo legal de quarentena, mas isso não muda a essência do problema. Está claro que Campos Neto e Nubank estabeleceram alguma relação num período em que isso não deveria acontecer.

A quarentena existe justamente para evitar suspeitas como essa, razão pela qual não é mera formalidade. É, antes de tudo, uma questão de respeito aos princípios republicanos. Para alguns cargos, a quarentena é dispensável; para outros, exige consulta à Comissão de Ética Pública; e para determinados grupos a interdição é absolutamente obrigatória. É o caso da diretoria do Banco Central, cuja quarentena, além de estar prevista na lei de 2013 que dispõe sobre conflito de interesses, é corroborada pela lei que instituiu a autonomia do BC.

Diz o artigo 10, inciso III, da Lei 179/2021 que é vedado aos diretores do Banco Central “participar do controle societário ou exercer qualquer atividade profissional direta ou indiretamente, com ou sem vínculo empregatício, junto a instituições do Sistema Financeiro Nacional após o exercício do mandato, exoneração a pedido ou demissão justificada, por um período de seis meses”. Ou seja, não importa o motivo da saída: o afastamento de atividades no setor financeiro é compulsório e para isso é mantida a remuneração da ex-autoridade durante todo o prazo legal.

O objetivo do recolhimento temporário é claro, haja vista que determinados cargos dão a seus ocupantes acesso a informações que não são de conhecimento público, algumas de extrema importância estratégica. A quarentena, por óbvio, não elimina o conhecimento, mas é um cuidado para que dados que possam representar um risco iminente para a isonomia do mercado sejam preservados e até percam importância ao longo do tempo.

Em lugar nenhum da legislação está dito com quem a ex-autoridade pública pode falar em seu período de quarentena, porque se presume que o espírito da lei seja claro: na dúvida, é melhor evitar contatos que possam sugerir qualquer forma de favorecimento ou relação inapropriada. Em outras palavras, Campos Neto deveria ter evitado a conversa com o Nubank em seu período de quarentena, ainda que fosse para falar de futebol.

Em resumo, a lei não manda ter pundonor, mas talvez devesse.

Segurança digital e o escândalo do INSS

Correio Braziliense

Se em Brasília há fragilidade na segurança digital, a pergunta se volta a como os dados são protegidos nos ambientes certamente mais frágeis de estados e municípios brasileiros

 O escândalo que envolve entidades que têm termo de cooperação técnica com o INSS marca o noticiário brasileiro nos últimos dias a partir de uma fraude que alcança desvios estimados em R$ 6 bilhões de aposentadorias e pensões, sem consentimento das vítimas. O caso  também chama a atenção para um ponto pouco discutido nos espaços públicos: a segurança digital. 

Sabe-se que parte das fraudes cometidas passou pelo acesso de golpistas a dados sensíveis de contribuintes. Em alguns casos, a trama se dava a partir do desconhecimento do beneficiário, que fornecia sua assinatura por ingenuidade. Mas, em outros, o vazamento de informações foi peça-chave do golpe. 

Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em junho do ano passado mostrou que nem todos os descontos do INSS foram aprovados pelos titulares dos benefícios. Na verdade, bastava o fornecimento de uma lista mensal de segurados, junto à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), sem a necessária verificação documental.

A Dataprev está vinculada, hoje, ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Em abril de 2024, o Ministério da Previdência Social reconheceu que houve vazamento de dados dos contribuintes em caso que ganhou o nome de Vazaprev. As cerca de 400 senhas de acesso ao sistema que caíram nas mãos dos criminosos permitiram a invasão de aproximadamente 60 dispositivos não reconhecidos à rede da Dataprev. A falha desviou cerca de R$ 1,4 bilhão dos aposentados e pensionistas entre janeiro de 2022 a agosto de 2023, segundo o TCU.

Esse e outros casos, como o monitoramento irregular feito pela chamada Abin paralela até 2022, escancaram a necessidade de um pente-fino nos órgãos públicos de gestão federal. Se em Brasília há fragilidade na segurança digital, a pergunta se volta a como os dados são protegidos nos ambientes certamente mais frágeis de estados e municípios brasileiros. 

Em um momento no qual prefeituras, estados e o próprio governo federal defendem a digitalização dos seus serviços, com a intenção de trazer comodidade ao cidadão ao diminuir a burocracia pública, a segurança dos dados da população precisa ser prioridade no desenvolvimento de qualquer interface. 

Quem perde, no fim das contas, é sempre o cidadão, sobretudo o mais fragilizado, caso de aposentados e pensionistas. Vale lembrar que a fraude com os recursos pagos pelo INSS durava anos. Se a educação digital plena é um sonho distante, diante de um país ainda com cerca de 11 milhões de analfabetos, é preciso garantir a segurança digital dos sistemas públicos. 

Quando restringiu o acesso ao CPF de candidatos a cargos públicos na última eleição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) justificou a falta de transparência com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Parte da retomada da confiança do brasileiro em suas instituições representativas passa por uma maior clareza sobre quem elas, de fato, devem representar. Os mais fragilizados e dependentes do Estado precisam ser prioridade na ordem do dia.

Uma trégua na guerra comercial

O Povo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad disse que o Brasil não vai escolher relações econômicas e políticas com a China ou Estados Unidos, mas buscar relações sólidas com ambos, pois o presidente Lula acredita no multilateralismo

A China e os Estados Unidos chegaram a um acordo para reduzir as tarifas, depois que a elevação atingiu níveis inéditos. É um acerto ainda temporário, mas suficiente para uma resposta positiva dos mercados em todo o mundo, ao abrir a perspectiva de encerrar uma guerra comercial, iniciada pelo presidente americano Donald Trump, tornando-se a principal preocupação de governantes de todo o mundo, devido ao seu potencial destrutivo.

Pelo que ficou acertado entre negociadores dos dois países, reunidos em Genebra, os Estados Unidos vão reduzir de 145% para 30% as tarifas adicionais sobre os produtos chineses; Pequim, por sua vez, vai baixar as taxas de importação de 125% para 10%. O acordo é provisório, com duração de 90 dias, quando novamente os dois países voltarão a se encontrar para dar continuidade às negociações.

É o início de conversas bilaterais que podem avançar para um acordo definitivo mais amplo, afastando o temor de uma escalada, com desdobramentos negativos para todas as nações, inclusive para os Estados Unidos. No entanto, o que se teme é a imprevisibilidade de Trump, que pode pôr tudo a perder com seu comportamento errático.

Mas o fato é que Trump estava encurralado pela reação negativa dos mercados; pressionado dentro do próprio país por empresários — que dependem de importações chinesas —; questionado por parlamentares e governadores de vários estados, além de movimentos populares que começam a se organizar. Essas foram as causas de seu recuo, ainda que ele nunca admitirá que sua tática de impor um tarifaço ao mundo está fazendo água.

Trump também foi obrigado a evitar bravatas, pois os chineses avisaram estar abertos ao diálogo, mas pediram "respeito" antes das negociações.

Portanto, o importante agora é continuar mantendo as crianças fora da sala — Trump e seu círculo íntimo — para que os adultos possam chegar a um denominador comum daqui a três meses.

Quanto ao Brasil, o governo faz bem ao ficar longe desse tiroteio, demonstrando que a China e os Estados Unidos são parceiros comerciais importantes. O maior símbolo dessa política pragmática é que, pouco antes da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país asiático, seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esteve nos Estados Unidos apresentando a executivos de tecnologia a política brasileira de atração de data centers.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu o tom do comportamento brasileiro quanto às relações internacionais. Em entrevista ao canal Uol, ele disse que o Brasil não pretende escolher ou privilegiar relações econômicas e políticas com a China ou Estados Unidos, mas sim buscar relações sólidas e cada vez mais amplas com ambos os parceiros, pois o presidente Lula acredita no multilateralismo.

Frente à conjuntura que se apresenta, sem dúvida, esse é o caminho correto para a diplomacia brasileira.

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