Valor Econômico
Requerimento de informações da Comissão de
Fiscalização e Controle da Câmara de abril de 2023 já levantava suspeita de
fraude
Cerca de 50 dias atrás, conta um líder da
oposição, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) alertou alguns
interlocutores no Congresso que um escândalo na Previdência Social estava para
eclodir e poderia abalar a República.
Paulinho da Força já havia apresentado reclamações a autoridades do governo, apontando que associações estavam descontando indevidamente recursos dos aposentados. Em resposta, relata, ouviu que o problema já havia sido resolvido. Insatisfeito com o retorno, também procurava integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU). Tentava, sem sucesso, que a análise do caso avançasse na Corte de Contas desde 2023.
Em abril daquele ano, a Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, presidida pela
oposição, aprovou um requerimento de informações para provocar oficialmente o
TCU sobre o tema. A intenção, aliás, era que o processo fosse remetido ao
ministro Aroldo Cedraz, pois ele já cuidava de casos envolvendo supostas
irregularidades praticadas na concessão de crédito consignado ofertado a
aposentados.
Quase dois anos depois, ainda existem nesse
requerimento algumas pistas que podem ser exploradas pela Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito (CPMI) cujo pedido de abertura foi protocolado na
segunda-feira (12).
De autoria de Gustinho Ribeiro
(Republicanos-SE), o documento apontava que chegara ao conhecimento da comissão
“um escandaloso caso de irregularidade” envolvendo o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), entidades sindicais e associativas, além de instituições
bancárias. E acrescentava que dele resultava um indevido desvio da
aposentadoria de milhões de pessoas para beneficiar, de forma ilícita, as
entidades sindicais envolvidas no suposto esquema.
Segundo o requerimento de informações, também
havia suspeitas de manipulação dos aposentados que procuram instituições
bancárias em busca de empréstimo consignado. No ato da contratação do crédito,
aposentados, sobretudo idosos com dificuldades de compreensão de determinadas
informações, eram induzidos a anuir com adesões a determinadas entidades
sindicais sob o argumento de que a medida seria “indispensável ou mais
vantajosa para a contratação do empréstimo consignado”.
Esta era uma mentira, claro, mas que
viabilizava a cobrança de anuidades por essas associações. Naquela época,
falava-se em venda casada e parceria suspeita entre instituições financeiras e
sindicais. A cifra citada era de R$ 1,5 bilhão em descontos indevidos.
De lá para cá, contudo, o caso ganhou um
contorno ainda mais grave. Há suspeitas de falsificação de assinaturas, por
exemplo. Segundo o próprio governo federal, o universo potencial alcançado
pelas fraudes é de R$ 6,3 bilhões. Não se sabe o valor exato do escândalo nem
de onde sairão todos os recursos para o ressarcimento das vítimas. O plenário
do TCU tem questionado, em acaloradas discussões, o motivo de o caso não ter
recebido a devida atenção.
A CPMI pode descobrir se houve algum
mecanismo dentro da máquina pública federal para beneficiar entidades
específicas. E apontar os eventuais responsáveis. Ex-dirigentes do INSS devem
ser chamados para explicações, além da antiga cúpula do Ministério da
Previdência Social. Uma pista a ser verificada é o ritmo de crescimento no
número de associados de cada uma das instituições citadas.
Em relação a uma delas, a pergunta inevitável
será se seus dirigentes promoveram internamente um irmão do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, inclusive sem a ciência de autoridades do Executivo e do
próprio Lula, para tentar uma blindagem das investigações que avançavam. Outro
caminho a ser percorrido pela oposição deve ser como o movimento social do
campo se insere nos atos apurados.
A CPMI tornou-se uma oportunidade única para
que adversários busquem o enfraquecimento de Lula antes do início da campanha à
reeleição. Se de fato instalada, a CPI Mista pode ocupar grande parte do
segundo semestre ou avançar sobre o calendário de 2026: seu requerimento de
criação pede que os trabalhos sejam realizados durante 180 dias.
Além disso, diz um líder da oposição, por se
tratar de um tema como a Previdência Social, esta comissão parlamentar de
inquérito tem a especificidade de ultrapassar os limites impostos pela
polarização política. Prova disso é a adesão de deputados e senadores do PSB,
aliado tradicional do PT e partido do campo progressista.
Acrescente-se a essa equação o fato de que o
escândalo alcança diretamente uma parcela mais pobre da população, nordestinos
e mulheres, segmentos do eleitorado majoritariamente favoráveis a Lula e que
asseguravam algum alívio ao presidente nas pesquisas de avaliação.
O governo deve insistir na argumentação de
que as fraudes tiveram início em administrações anteriores. Sustentará, também,
que coube à Controladoria-Geral da União (CGU) e à Polícia Federal (PF)
desmantelar o esquema em nome da atual gestão, e não da oposição.
É verdade. Mas, ainda assim a aposta de uma parte da oposição é que o Planalto enfrentará severas dificuldades para montar uma tropa de choque na CPMI. Outros adversários do PT discordam nesse ponto: “Sempre tem um pessoal fanático”, diz um deputado crítico ao governo que se prepara para o embate. O consenso, entre adversários e aliados, é que o governo ainda não conseguiu estancar a sangria provocada pelo escândalo.
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