quarta-feira, 14 de maio de 2025

Congresso inventa inimigos imaginários - Raphael Di Cunto

Folha de S. Paulo

Imunidade parlamentar vem desde a Monarquia, mas Legislativo perde a vergonha em defendê-la

A imunidade parlamentar existe desde a primeira Constituição brasileira. Em 1824, a Monarquia já determinava que deputados e senadores não seriam presos "por autoridade alguma", salvo com aval do próprio Legislativo ou se pegos em flagrante delito de pena capital.

Cada deputado e senador representa milhares de pessoas, e essas vozes não podem ser caladas por enfrentarem outras autoridades, criminosos ou o poderio financeiro. É uma prerrogativa valiosíssima, especialmente em relação à liberdade de opinião e em regimes de exceção, como na ditadura militar.

"Naqueles tempos se justificava a imunidade. Era a maneira de entrarmos numa dependência do Dops sabendo que de lá poderíamos sair", contou o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) na sessão da Câmara que alterou pela última vez a imunidade.

Era 2001, e o Congresso buscava melhorar sua imagem ao autorizar que parlamentares fossem processados por crimes comuns. Até então, era preciso autorização prévia do Legislativo —mas alguém deve ter perdido a chave da gaveta, já que os pedidos nunca saiam dali.

Atento à opinião pública, o Congresso se preocupava mais em ouvir a voz das ruas do que em mandar recadinhos para o STF sobre seu desconforto com a transparência do dinheiro público e com investigações contra suspeitos de condutas ilegais.

O cenário mudou pós-Lava Jato e renascimento da direita. Há quatro anos, a Câmara quis proibir a prisão por decisão individual dos ministros do STF e impedir operações nos gabinetes. Agora, 315 deputados votaram para trancar a ação contra um colega e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe.

O aumento da influência do PCC sobre o poder público desaconselha esses privilégios, mas não é preciso prever o futuro, basta lembrar do passado. Pelo menos quatro deputados já se envolveram, recentemente, em assassinatos, como Flordelis, Hildebrando Pascoal (o deputado da motosserra) e Chiquinho Brazão. É isso que o Congresso quer proteger?

 

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