Novo ‘penduricalho’ para juízes não faz nenhum sentido
O Globo
Justiça remota é necessária, mas não
justifica até 8 folgas a mais por mês para os magistrados
Não passa de desvario a resolução do Conselho
da Justiça Federal (CJF) de conceder até oito dias mensais de “licença
indenizatória” a magistrados que atuarem remotamente fora da própria
jurisdição. Na prática, ela poderá representar um aumento real de quase 27% na
remuneração mensal de cada juiz. O texto não exclui outra licença, paga por
acúmulo de funções. Aprovado em março pelo CJF, o texto com o benefício foi
publicado na semana passada no Diário Oficial da União. Trata-se de mais um dos
proverbiais “penduricalhos” a elevar os vencimentos da elite do funcionalismo
para além do teto constitucional (R$ 46.336, ou o equivalente ao salário de um
ministro do Supremo Tribunal Federal). Somente no ano passado, os auxílios e
indenizações recebidos acima desse limite chegaram a R$ 6,7 bilhões. Não há
justificativa para tamanho descalabro, reflexo de desconexão da realidade
fiscal do país.
É verdade que certas regiões sofrem com atrasos em decisões judiciais por não contar com o número necessário de magistrados para dar conta do acúmulo de processos. Portanto é mais que bem-vinda a iniciativa de usar a tecnologia para que os juízes possam atuar temporariamente noutras comarcas sem abandonar suas funções originais. O inaceitável é a resolução do CJF aproveitar uma demanda legítima da população por decisões mais ágeis para criar um novo “penduricalho” a engordar os vencimentos da elite do funcionalismo público.
No ano passado, o pagamento acima do teto por
magistrado foi de R$ 270 mil na média de todos os tribunais do país. De acordo
com estimativas, mais de 90% dos juízes recebem além do permitido pela
Constituição, em razão de uma interpretação generosa do Supremo, que permite
excluir do cálculo do teto a parcela dos vencimentos identificada como
“indenizatória”. Cabe ao Congresso disciplinar as verbas indenizatórias por
meio de legislação sensata — não o atual PL dos Supersalários, repleto de
exceções que perpetuariam os absurdos — para acabar com a farra dos
“penduricalhos”.
Um dos argumentos usados para justificar as
benesses concedidas ao juízes é a necessidade de atrair e reter talentos que,
de outra forma, ganhariam mais no setor privado. Ora, a levar tal raciocínio a
sério, então ele teria de ser estendido aos médicos do SUS ou às demais
carreiras. A elite dos servidores públicos usufrui benesses e regalias
inexistentes no setor privado, a começar por estabilidade no emprego e
condições generosas de aposentadoria. Todo benefício deve ter justificativa
razoável e caber nos limites fiscais.
Em vez disso, o Judiciário brasileiro é o
mais caro do mundo. Custa o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) —
não se gasta mais que 0,3% em países ricos e 0,5% nos emergentes. Em troca, a
população recebe da Justiça um serviço que está entre os de pior qualidade,
segundo o World Justice Project (o Brasil ocupa a vexatória 113ª posição na
Justiça Penal e a 77ª na Civil, entre 142 países, levando em conta fatores como
acesso e lentidão).
A prerrogativa de representantes da Justiça
de deliberar sobre questões envolvendo vencimentos dos próprios juízes cria
evidente conflito de interesses. Nada corrói mais a imagem do Judiciário do que
decisões tomadas em causa própria, como o novo “penduricalho”.
Falta transparência no programa de construção
de cisternas no Semiárido
O Globo
Mais de 85% da verba é redistribuída por ONG
associada ao PT. Boa parte vai para entidades ligadas ao partido
É lamentável que, no poder, o PT seja
suspeito dos mesmos desvios que costuma denunciar quando quem governa são seus
adversários. É o caso da concentração de 85% da verba para a construção de
cisternas, em regiões de famílias carentes, numa organização não governamental
dirigida por petistas, a Associação Um Milhão de Cisternas para o Semiárido
(P1MC), comandada por dois filiados ao partido desde 1987. A ONG recebeu do
governo R$ 640 milhões do total de R$ 756 milhões do programa, executado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social, de Wellington
Dias, ex-governador do Piauí e também filiado à legenda.
A construção desses reservatórios para
armazenar água nos períodos de chuva enfrenta percalços. Auditoria feita pela
Controladoria-Geral da União (CGU) em 205 deles, entregues entre 2020 e 2022,
constatou que 31% das instalações apresentavam defeito, vazamento ou
infiltração e que 10% nem podiam ser usadas, devido a rachaduras ou perda de
água. A auditoria também menciona a concentração de recursos numa única
entidade, embora considere que “os riscos existentes estão suficientemente
controlados”.
A ONG que concentra a maior parte dos
recursos alega ter sido escolhida por atender ao edital que privilegia
experiência na construção de cisternas. “A presença de lideranças sociais com
histórico político ou comunitário não fere a legalidade ou a legitimidade do
trabalho técnico desenvolvido. O processo é legal, auditável e impessoal”,
afirma a P1MC.
Mas, se fosse tão impessoal assim, a
distribuição dos recursos não privilegiaria tantas entidades dirigidas por
petistas. A P1MC não executa as obras diretamente, apenas repassa os recursos a
outras organizações que executam o serviço. Entre essas subcontratadas para
construir cisternas, levantamento
do GLOBO identificou 37 dirigidas por filiados ao PT. Elas receberam 34%
dos recursos transferidos pelo governo à P1MC.
A Cooperativa para o Desenvolvimento da
Agricultura Familiar do Piauí (Cootapi), dirigida por dois filiados ao PT que
trabalharam no governo de Dias no estado, recebeu R$ 9 milhões para entregar
775 cisternas. O Centro de Educação Comunitária Rural, dirigido pela
ex-assessora de um deputado estadual de Pernambuco, foi
subcontratado por R$ 6,4 milhões. Há indícios de que o programa de cisternas
também abriga candidatos petistas derrotados. O Instituto de Formação Cidadã,
em Guanambi (BA), e o Centro de Agroecologia do Semiárido, em Manoel Vitorino
(BA), ambos dirigidos por ex-candidatos a vereador, receberam R$ 3,4 milhões do
programa.
O governo Jair Bolsonaro deixou em segundo plano a construção de cisternas. Foram entregues pouco mais de 3 mil, ante média de 58 mil por ano até 2018. Ao assumir o ministério, Dias ordenou uma revisão dos contratos e a investigação de desvios no programa. É uma medida que continua recomendável e que ele deveria adotar em sua própria gestão.
Falta ainda clareza ao Brasil na disputa
geopolítica
Valor Econômico
O Brasil tenta manter-se independente das duas maiores economias do mundo, com sucesso duvidoso
A volta de Donald Trump à Presidência dos
Estados Unidos e sua tentativa de reaver o lugar hoje contestado de potência
hegemônica mundial podem encerrar a era do multilateralismo do pós-guerra. É
para isso que se preparam os demais países, como indicam as movimentações dos
principais atores da cena global, da China de Xi Jinping ao Brasil de Lula.
Trump vê no comércio com o maior mercado do mundo uma fonte de poder imbatível
e na força militar de seu país o atributo para preservá-lo e garantir seu domínio
global. A China intensificou o périplo pela região natural de sua influência
político-econômica, o Sudeste Asiático, enquanto se aproxima de países rivais,
com os quais tem disputas territoriais, como Japão e Coreia do Sul. O Brasil,
que só tem a ganhar com uma ordem multipolar, tenta o difícil e necessário jogo
da autonomia. A viagem de Lula à Rússia e à China indicou preferências, ainda
não oficialmente explícitas, por um eixo antidemocrático na disputa.
A guerra tarifária de Trump contra o mundo
tenta manter o poder americano como eixo da economia global. O “dia da
libertação” tentou coroar o desejo dos EUA de, no limite, ditarem a forma como
exigem ser tratados nas relações comerciais com os demais países, uma
demonstração explícita de poder. As ameaças de anexação de Groenlândia, Canadá
e Canal do Panamá reafirmam que os EUA ainda se reservam o direito de usar a
força para garantir seus interesses, como antes.
Para além das tarifas, os EUA estão em
frenesi diplomático, embora não contem com a expertise diplomática de outrora,
mas apenas com um bando de neófitos dedicados a agradar ao chefe. Pode dar tudo
errado, mas os alvos e os protagonistas são claros. Trump respeita regimes
fortes, como o da China, como rival à altura, e o da Rússia de Vladimir Putin
como potência nuclear.
Os primeiros passos da diplomacia trumpiana,
a paz na Ucrânia, não deram frutos, mesmo concedendo à Rússia o reconhecimento
da Crimeia, acrescido de anexos obtidos com a nova invasão. Trump dedicou-se
então ao Oriente Médio, onde seguiu, com nuances, a política do antecessor, Joe
Biden - apoio incondicional a Israel, mesmo diante da devastação de Gaza. Ele
conclui visita à região comprando com acordo trilionário o apoio da Arábia
Saudita, que flertava com a China, e fazendo agrados à nova liderança síria, aliada
dos sunitas do reino de Saud. Esses passos auxiliam sua ofensiva contra o Irã,
enfraquecido pelas derrotas do Hamas e do Hezbollah diante de Israel, e dos
houthis do Iêmen, após ataques americanos. Trump disse que o acordo para
interromper o processo de enriquecimento de urânio de Teerã está prestes a ser
concluído.
O chinês Xi Jinping pressentiu desde o
primeiro governo Trump, em 2017, que a tentativa de impedir a ascensão
tecnológica, econômica e militar de seu país passara a ser a estratégia
americana fundamental. Houve continuidade nas ações de Biden e Trump, que
mostrou muito mais agressividade e, ao contrário do antecessor, agilidade em
negociar. Há dez anos, a China concebeu o “Made in China 2025”, com metas para
atingir a vanguarda tecnológica, que deram alguns frutos desejados. O DeepSeek
mudou o jogo da infraestrutura de IA e dos supostos investimentos bilionários
para data centers, que só as big techs americanas teriam condições de fazer,
dominando a tecnologia.
Pequim recepcionou Lula e presidentes da
Comunidade de Estados da AL e do Caribe para firmar mais investimentos e
parcerias - só com o Brasil foram 20 acordos, com promessas de investimentos de
R$ 27 bilhões. Além de avanço significativo na América Latina, a China tem
larga penetração na África e tenta agora mostrar as vantagens, pós-Trump, de
uma aproximação com a União Europeia.
O Brasil tenta manter-se independente das
duas maiores economias do mundo, com sucesso duvidoso. O país tem com Pequim
uma relação antes descrita pelos economistas de esquerda como “colonial” -
exporta matérias primas e compra bens manufaturados. Não há a menor
possibilidade de isso ser revertido no curto prazo. Por outro lado, Pequim
tornou-se dependente das exportações de alimentos exportados pelo Brasil, se
Washington insistir em tarifas proibitivas. Não há outro fornecedor de soja à
altura do apetite do mercado chinês. Mas, como parceiro de China e Rússia no
Brics, o presidente Lula tem demonstrado alta deferência com seus aliados
autocráticos, algo evidente para o governo americano, mesmo que ele não seja
hostilizado.
Se a prioridade nas relações com a China se
justifica pela importância do intercâmbio comercial, isso não é verdadeiro com
a Rússia, onde Lula serviu de bibelô democrático entre ditadores de várias
partes do mundo na comemoração em Moscou dos 80 anos da derrota nazista. A
proposta de China e Brasil favorece Putin, que, mesmo após insistência de Lula,
ignorou seus apelos para comparecer às negociações de ontem com a Ucrânia na
Turquia.
As principais potências têm claros seus
objetivos estratégicos em um mundo em grande transformação. O Brasil não está
ainda consciente de seu papel nele e dos limites evidentes de suas ações.
Desmate em queda, degradação em alta
Folha de S. Paulo
Estudos mostram baixa na destruição de
florestas e enfraquecimento da amazônia; urge instituir plano para crise do
clima
Levantamento realizado pela rede MapBiomas,
divulgado na quinta-feira (15), mostra avanços importantes no combate ao desmatamento,
após uma quadra de retrocessos sob Jair
Bolsonaro (PL).
Desde o início da série histórica do estudo,
em 2019, o Brasil destruiu uma área florestal do tamanho da Coreia do Sul (9,9
milhões de hectares), sendo que 67% dela está na Amazônia Legal.
Entre
2023 e 2024, verificou-se queda de 32,4%, de 1,8 milhão de hectares para
1,2 milhão desmatado. Ademais, pela primeira vez nos últimos seis anos houve
redução ou estabilidade (caso da mata
atlântica) em todos os biomas.
A amazônia, que liderava em território
desmatado até 2022, quando atingiu 1,2 milhão de hectares, passou para o
segundo lugar em 2023 (454,2 mil hectares) e manteve a posição em 2024, com
377,7 mil —queda de 16,8%.
Já no cerrado, deu-se
o contrário. Logo atrás da amazônia em 2022 (662,1 mil hectares), foi a 1,1
milhão no ano seguinte e caiu para 652,1 mil em 2024.
Mesmo com redução de 41,2% desde 2023, o
bioma concentrou mais da metade (52,5%) da perda florestal em 2024, que foi
puxada pela região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia), responsável por 75% do seu desmatamento.
A pesquisa indica, contudo, que é possível
aliar agronegócio,
no qual o Brasil é referência global, e sustentabilidade —em Goiás, um dos
maiores produtores do setor, a queda foi de 75%.
A mata atlântica teve leve alta de 13,2 mil
hectares em 2023 para 13,4 mil no ano seguinte. Ressalte-se, aí, o papel
da mudança
climática. Em 2023, só 150 hectares foram destruídos por eventos extremos;
em 2024, esse número saltou para pouco mais de 3.000.
A crise do clima também
se relaciona a outro problema: a degradação, que enfraquece a floresta sem
destruí-la por completo. Nesse ponto, a amazônia sofre. Estudo conjunto
entre Inpe, USP e
instituições do Reino Unido e
dos Estados
Unidos apontou queda no desmatamento do bioma, de 54,2% entre 2022 e
2024, mas
alta de 163% da degradação florestal.
Aberturas de estradas e de garimpos, por
exemplo, elevam a incidência de sol e vento, ressecando a vegetação. Com altas
temperaturas e estiagens severas, florestas
ficam mais inflamáveis —foram registrados 140,3 mil focos de calor na
amazônia em 2024, o maio número desde 2007.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) ainda deve
um plano de mitigação (reduzir o impacto do aquecimento) e adaptação (criar
resiliência aos seus efeitos) para a crise do clima. Segundo a ONU, há déficit
global no financiamento do segundo aspecto, mas isso não exime o Brasil de
conduzir iniciativa efetiva nesse sentido.
Em relação ao desmate, é preciso perseverar
na curva descendente, levando em consideração diferenças regionais e de
atividade. Se 97% de toda área destruída desde 2019 se deve à agropecuária, 99%
da área devastada por garimpo situa-se
na amazônia.
Dúvidas quanto à desigualdade
Folha de S. Paulo
Distância entre ricos e pobres chega ao menor
nível desde 2012; dados são bem-vindos, mas método do IBGE é controverso
A experiência desde a década passada mostra
que a medição da distância entre pobres e ricos, exorbitante no Brasil, é mais
complexa do que parece. Deve-se ter isso em mente diante das recentes boas
notícias trazidas pelo IBGE nessa
seara.
De acordo com o instituto, a desigualdade
social atingiu no ano passado o menor patamar da série histórica iniciada em
2012, a partir de três diferentes indicadores considerados.
Apurou-se que em 2024 o rendimento médio
domiciliar per capita dos 10% mais ricos da população correspondeu
a 13,4 vezes o dos 40% mais pobres. A disparidade é escandalosa, mas ainda
assim representa um progresso ante o pico de 17,1 vezes de 2018. Quando se
considera o 1% mais rico, a diferença é de 36,2 vezes, bem abaixo do recorde de
48,9 vezes registrado em 2019.
Já o índice de Gini —que varia de 0,
distribuição totalmente igualitária de renda, a 1,
hipótese em que uma única pessoa teria toda a renda— caiu
a 0,506, ante 0,518 no ano anterior e 0,545 em 2018, maior cifra da
série. Os países menos desiguais do mundo, boa parte deles na Europa, têm
índices entre 0,250 e 0,350.
A diferença em relação a parâmetros
internacionais não é a única ressalva a ser feita aos resultados. A própria
metodologia de apuração é tema de debate.
O IBGE se baseia em pesquisas amostrais nas
quais os entrevistados informam seus rendimentos. Hoje é fato conhecido que tal
metodologia, embora possa ser eficaz na medição dos ganhos com o trabalho,
tende a subestimar os oriundos do capital, como juros, dividendos
e aluguéis. Assim, tanto pode fazer a desigualdade parecer menor como dar ideia
errada de sua tendência.
Desde os trabalhos do economista francês
Thomas Piketty, tornou-se comum a consulta a dados das declarações do Imposto de
Renda para mensurar de forma mais completa a disparidade. Com esse
critério, ela em geral aparece em alta no Brasil.
Mais recentemente, em 2021, um trabalho do
Insper aprofundou a análise ao levar em conta também rendas não monetárias dos
mais pobres, como o acesso a saúde e educação gratuitas,
o que reduziria a desigualdade.
As questões em torno de dimensão e trajetória da concentração de renda, sem dúvida pertinentes, não impedem que sejam bem-vindos os resultados do IBGE. Quando menos, eles mostram melhora substantiva do bem-estar material entre os mais pobres, graças ao emprego e aos benefícios sociais. O combate à iniquidade, porém, ainda tem longo caminho pela frente.
Um vexame na CPI das Bets
O Estado de S. Paulo
Enrolados por influenciadores profissionais,
senadores demonstram que o Congresso está despreparado para enfrentar um
problema de alto impacto social, mental e financeiro para o País
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das
Bets foi criada no Senado com o propósito de permitir aos parlamentares ajudar
o Brasil a investigar os serviços de apostas online, muitos deles operando de
forma irregular, e radiografar a atuação de influenciadores digitais na
promoção de jogos de azar. Aos poucos, porém, fica claro que a contribuição da
Casa nessa seara é de outra ordem: os senadores estão informando ao País o
tamanho do despreparo e da irresponsabilidade do Congresso para lidar com um tema
de implicações gravíssimas para o presente e o futuro da saúde mental,
financeira e social dos brasileiros.
Como se viu nesta semana, uma influenciadora
digital com mais de 100 milhões de seguidores em suas redes sociais serviu
entretenimento para quem quis e pôde ver, fazendo com que o mundo analógico dos
parlamentares fosse engolido de forma humilhante – e pedagógica também. Na
terça-feira, ao comparecer à CPI, a sra. Virginia Fonseca foi tietada por
senadores e funcionários da Casa. Um dos parlamentares, o senador Cleitinho
Azevedo (Republicanos-MG), chegou a interromper a sessão para tirar foto com a
tal influencer, convocada a prestar depoimento pela relatora da comissão,
Soraya Thronicke (Podemos-MS). Por sua vez, o presidente da CPI, senador Dr.
Hiran (PP-RR), fez piada sobre a beleza de Zé Felipe, companheiro de Virginia.
No ponto que realmente importa, a
influenciadora se defendeu, afirmando que não lucra com base nas perdas de seus
seguidores e que seus contratos nada têm de “anormal”. Como se sabe, o ponto
central da investigação gira em torno da suspeita de que influenciadores
estariam sendo remunerados não apenas pela publicidade em si, mas também com
base em cláusulas contratuais que preveem bônus proporcionais às perdas de seus
seguidores nas apostas – a chamada “cláusula da desgraça alheia”. Essa
possibilidade foi também negada pelo influenciador Rico Melquiades, presente à
CPI no dia seguinte à ida de Virginia Fonseca.
O diversionismo e o constrangimento vistos no
Senado – que, num misto de amadorismo e inépcia, converteu poderosos
influenciadores em ingênuos participantes de relações comerciais tradicionais –
seriam problemas menores se não fossem parte de uma tragédia maior. A
humilhação em praça pública foi, isso sim, um reflexo do despreparo do
Congresso para tratar do tema – ou do deliberado desinteresse do Legislativo
federal em tratar do problema de forma séria.
O Congresso, assim como o governo Lula da
Silva, já havia feito uma aposta de altíssimo risco: ao legalizar as apostas
online, fez ouvidos de mercador aos conhecidos riscos da jogatina, entre os
quais se incluem o vício, a lavagem de dinheiro, a ruína financeira de
famílias, as fraudes, o absenteísmo no trabalho, a violência doméstica e os
prejuízos no varejo – todos efeitos colaterais dos cassinos e jogos de azar
fartamente disponíveis no ambiente digital, acessíveis em qualquer lugar, a
qualquer minuto, enquanto jogadores são bombardeados por um arsenal
publicitário bilionário que recruta celebridades (vamos chamá-las assim) para
vender ilusões de ganho fácil.
Recente pesquisa do Ministério da Justiça e
Segurança Pública mostrou que mais de um terço dos apostadores brasileiros
sofre algum grau de transtorno relacionado ao vício em jogos. Adolescentes são
os mais vulneráveis. A Organização Mundial da Saúde estima que até 5,8% da
população preenche critérios para o diagnóstico de ludopatia, a compulsão pelo
jogo. Onipresentes, os jogos online agravam o problema.
Nas leis e regulações aprovadas, faltam
salvaguardas mais sólidas contra esses danos. A CPI poderia prestar-se a
corrigir tais falhas e ajudar o País a construir os devidos diques de proteção
contra os malefícios produzidos pelos serviços de apostas online, mas parece
longe disso. Enfrentar os riscos de uma crise nacional de ludopatia requer
muito mais do que piadas de mau gosto, produção de cenas destinadas a garantir
visualizações e likes nas redes sociais ou despreparo para inquirir
profissionais do ramo.
A ficha caiu
O Estado de S. Paulo
Ao afirmar a analistas financeiros que a
Petrobras pode cortar investimentos, Magda Chambriard cede a uma realidade que
contrasta com visão eleitoreira de Lula da Silva sobre a companhia
A presidente da Petrobras, Magda Chambriard,
foi direta ao informar que poderá rever os investimentos da companhia,
calculados em US$ 111 bilhões (em torno de R$ 622 bilhões, ao câmbio atual) em
cinco anos, diante do cenário adverso de petróleo em baixa e dólar em alta. “É
hora de apertar os cintos”, resumiu a executiva a um grupo de analistas do
mercado financeiro reunidos na conferência de apresentação dos resultados
trimestrais. Foi um sinal de austeridade que claramente desafia a agenda
eleitoreira do presidente Lula da Silva.
Sob o quinto mandato petista, o plano de
investimentos quinquenais da petroleira voltou ao patamar da centena de bilhões
de dólares, o que não ocorria desde a programação de 2015-2019, elaborada no
governo Dilma Rousseff, que previa US$ 130,3 bilhões. Uma cifra astronômica,
mas 40% inferior à do plano precedente (2014-2018), que, com US$ 220,6 bilhões,
dava a dimensão da estratégia traçada para a Petrobras nos governos do PT.
Na recente conferência com o mercado
financeiro, Magda Chambriard procurou adotar um tom de cautela e realismo que
parecia destinado a afastar fantasmas passados. Preocupada com o preço do
barril do petróleo, que em menos de um ano caiu de US$ 85 para cerca de US$ 65
(o tipo Brent, usado como referência pela companhia), a presidente da Petrobras
acenou com a possibilidade de reduzir projetos da companhia, inclusive
afirmando que, a partir de agora, palavras como “austeridade” e “simplificação”
estarão incorporadas ao seu discurso.
É um prudente recuo em relação ao
deslumbramento exibido pela sra. Chambriard na semana anterior, quando encerrou
seu discurso na Conferência de Tecnologia Offshore (OTC, na sigla em inglês),
em Houston (EUA), com um sonoro “let’s drill, baby!” (vamos perfurar,
bebê!). Na ocasião, a executiva falava sobre a intenção de produzir petróleo na
Margem Equatorial, mas o recurso a uma frase repetida pelo presidente
norte-americano, Donald Trump, para defender a exploração de petróleo na área
foi bastante inoportuno.
Este jornal considera legítima a campanha
para perfuração no bloco de petróleo adquirido em 2013 – com o aval prévio do
Ibama –, mas até para a empolgação há limites e a referência ao slogan
trumpista foi a pior forma encontrada por Chambriard para expressar seu
entusiasmo. Mesmo que impensado, o alinhamento ao presidente dos Estados
Unidos, que não perde oportunidade de demonstrar seu menosprezo pela proteção
do meio ambiente, prejudica e desqualifica o debate e a reputação da Petrobras.
Já o reconhecimento de que a manutenção de
projetos com custos altíssimos em meio à instabilidade econômica mundial pode
ser revista parece um retorno ao bom senso. Como qualquer relação de causa e
efeito, o nível gigantesco de investimentos em gestões lulopetistas multiplicou
a dívida da Petrobras, que em 2013 e 2014 virou a companhia de petróleo mais
endividada do mundo e em 2015 registrou mais de R$ 500 bilhões de dívida bruta
para um caixa em torno de RS$ 100 bilhões. Era o retrato da inconsequência nefasta
que o mau planejamento pode acarretar. Qualquer semelhança com a política de
“gasto é vida”, que marca os governos do PT, não é mera coincidência.
Embora a executiva não tenha feito menção a
políticas de governo que interferem nos projetos da empresa, é evidente o
interesse do Palácio do Planalto em investimentos dos quais a Petrobras já
havia se afastado, seja por não fazerem parte de seu escopo, seja em razão do
baixo retorno, como são os casos, por exemplo, da produção de fertilizantes e
da retomada de projetos nas áreas de refino e petroquímica.
Questionada se a austeridade defendida por
ela não poderia comprometer a agenda de Lula da Silva, a sra. Chambriard
desconversou, dizendo que a Petrobras está fazendo o mesmo que outras grandes
petroleiras. O problema é que, por aqui, a mão do governo sempre pesa sobre a
Petrobras, e é preciso saber se a presidente da empresa realmente conta com o
aval do presidente da República para colocar seus planos em prática.
O estranho ‘sumiço’ da Cracolândia
O Estado de S. Paulo
O ‘fluxo’ desapareceu. Mas não há razões para
crer que o problema esteja resolvido
A Cracolândia, ora vejam, teria “sumido”. Ao
menos na Rua dos Protestantes, no centro de São Paulo. Nos últimos dias, a via
tem permanecido sem a presença dos dependentes químicos que antes consumiam
drogas e praticavam assaltos abertamente nas adjacências, dia e noite.
À primeira vista, o alívio de moradores e
comerciantes da região, obviamente, enseja uma comedida celebração. Afinal, há
mais de 30 anos a metrópole exige uma solução definitiva para uma tragédia nas
áreas de saúde e segurança pública do Estado mais rico da Federação. Mas as
estranhas circunstâncias desse aparente “sumiço” da Cracolândia impõem cautela.
Há alguns anos, o chamado “fluxo” chegou a
reunir cerca de 2 mil dependentes químicos, que vagavam pelo centro da capital
paulista expondo toda a sua miséria física e psíquica. Até a semana passada,
cerca de 200 usuários ainda podiam ser vistos por lá. Desde o dia 10, porém,
esse número passou a cair, fato que despertou estranhamento na população, além
de um justificado receio de que o horror conhecido por todos volte a assombrar
a região central também de uma hora para outra.
Se os moradores e comerciantes antes
diretamente afetados pela presença da Cracolândia não conseguiram explicar o
que aconteceu, tampouco o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que
demonstrou surpresa ao tomar conhecimento de um episódio que, segundo ele,
ainda está “tentando entender”. Já o vice-prefeito, Ricardo Mello Araújo (PL),
atribuiu a aparente paz na região à retirada de mais de 120 usuários de drogas
das ruas, de forma voluntária, em operações realizadas há alguns dias.
Essa confusão discursiva do primeiro escalão
da administração municipal ilustra um quadro mais amplo de aparente descontrole
do poder público sobre o que acontece no coração da cidade de São Paulo, que há
tempo demasiado vive à mercê da atuação de traficantes de drogas ligados ao
Primeiro Comando da Capital (PCC).
Registre-se que a Polícia Civil, a Polícia
Militar e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) têm agido para estrangular
a entrada de drogas na região da Cracolândia. Forças a serviço da lei e da
Constituição, vale lembrar, também atuam contra supostas milícias que, segundo
o MP-SP, teriam sido formadas por guardas municipais que, em associação com o
crime organizado, mantêm aberta a chaga da Cracolândia. Some-se a isso a
operação policial que foi deflagrada há poucos dias na Favela do Moinho, um
“entreposto” do PCC no centro, segundo as autoridades, para coibir o tráfico –
além de remover parte dos moradores a fim de, alegadamente, transformar o
terreno num parque.
O busílis é que, até agora, nenhuma
autoridade esclareceu, com dados acima de qualquer suspeita, como se deu o
“sumiço” da Cracolândia. Resultou de políticas públicas ou pode ter sido
determinado pelo PCC, em nome dos interesses criminosos da facção? O fato é que
não é razoável assumir, com base no que se sabe até o momento, que essa
tranquilidade será duradoura.
A rigor, a Cracolândia não desapareceu. Se tanto, apenas se dispersou. Fingir o contrário é tergiversar sobre uma mazela social que clama, há décadas, por respostas sérias e duradouras do Estado.
Mais um ponto de preocupação para a Anvisa
Correio Braziliense
Chegada de nova caneta emagrecedora exige
fiscalização e monitoramento constantes das farmácias para que o acesso a esses
medicamentos seja controlado, minimizando riscos e quaisquer ilicitudes
A comunidade médica e científica assiste com
cautela, desde ontem, à chegada de mais um medicamento às farmácias brasileiras
voltado para o emagrecimento. Embora inicialmente indicado para o tratamento do
diabetes tipo 2, Mounjaro (tirzepatida) vai para as prateleiras como peça
relevante para o controle crônico de peso, completando a tríade com dieta e
atividade física. A tirzepatida foi aprovada pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) em setembro de 2023, mas somente agora será
comercializada no Brasil, numa tentativa de evitar a descontinuação do produto
no mercado brasileiro.
Como seus concorrentes Ozempic e Wegovy,
Mounjaro é injetável, aplicado semanalmente, e estreia com um preço salgado: a
partir de R$ 1,4 mil. Uma das diferenças, porém, é que entra no mercado
brasileiros com regras mais rígidas para a comercialização. A Anvisa aprovou em
abril uma medida que torna obrigatória a retenção da receita médica para a
compra de medicamentos à base de análogos do GLP-1 (Glucagon-like Peptide-1, um
hormônio produzido naturalmente pelas células do intestino durante a
alimentação e que ajuda a reduzir os níveis de açúcar no sangue e a controlar a
obesidade). Incluem-se nesse critério os três remédios citados acima.
Com essa decisão, que passa a vigorar após 60
dias da publicação no Diário Oficial da União (DOU), a agência visa
restringir o uso indiscriminado dos fármacos fora das indicações aprovadas em
bula. Atualmente, mesmo a venda sob prescrição médica sendo obrigatória, o que
se vê é que os produtos são frequentemente adquiridos sem orientação especializada,
inclusive, em plataformas on- line.
Com a retenção obrigatória da receita, as
autoridades pretendem ainda conter o contrabando desses medicamentos — a
exemplo de recentes apreensões em aeroportos brasileiros de canetas
emagrecedoras adquiridas no exterior, burlando as normas de vigilância sanitária
e desrespeitando as regras de armazenamento, como temperatura específica, sob
risco de perda de eficácia.
Fato é que esse tipo de medicação, embora aja
efetivamente no que se espera do ponto de vista médico, proporcionando rápido
emagrecimento, pode causar efeitos colaterais se usada sem acompanhamento de um
especialista e de maneira prolongada, especialmente em pacientes com outras
enfermidades e entre aqueles preocupados unicamente com os efeitos estéticos.
Há de se ressaltar que as canetas emagrecedoras são indicadas para o tratamento
de obesidade, com pesquisas e observações clínicas indicando benefícios contra
outras doenças, como cardíacas e hepáticas.
Com mais uma opção no mercado brasileiro, caberá à Anvisa a fiscalização e o monitoramento constantes das farmácias para que o acesso a esses medicamentos seja controlado, minimizando riscos e quaisquer ilicitudes. Quanto à inclusão dessa classe de remédios no Sistema Único de Saúde (SUS), trata-se de um capítulo à parte, ainda sem data prevista, mas que merece debate aprofundado, passando por questões como acesso democrático aos avanços na medicina e promoção aos cuidados com a saúde para além de intervenções farmacológicas.
O perigo das facções na política
O Povo
Enquanto um episódio ganha destaque, centenas
de outros continuam a se desenvolver, em uma rede criminosa que se espalha
perigosamente, ameaçando a própria democracia
Desde algum tempo, observa-se que as facções
abriram uma nova frente para a prática de crimes. Elas expandiram suas
atividades para as cidades do interior, onde, aparentemente, há mais facilidade
para se infiltrarem na política eleitoral, servindo de trampolim para a eleição
de vereadores e até de prefeitos.
No poder, esses candidatos, eventualmente
eleitos, defenderão interesses criminosos, deixando o prejuízo para os
moradores. Se antes essas organizações do crime buscavam somente eleger seus
"representantes" — o que continuam buscando —, agora escalaram,
passando ao estágio de tentar eleger diretamente integrantes orgânicos dessas
facções. Um caso, com repercussão nacional, envolveu a ex-prefeita de João Dias
(RN), com ela e a família investigados por, supostamente, integrarem uma
organização criminosa.
Situações assim se repetem, especialmente no
Nordeste, incluindo o Ceará, como se observa na edição desta quinta-feira, onde
anota este jornal: "Mais de 40 presos e 98 denunciados por interferir nas
eleições em Caucaia", cidade da Região Metropolitana de Fortaleza. A
Polícia Civil chegou a esses suspeitos após investigar uma série de atentados
contra candidatos na campanha municipal de 2024.
Três dos candidatos a prefeito foram vítimas
de atentados. Uma caminhada em apoio à candidatura de Naumi Amorim (PSD),
vencedor da disputa, foi alvo de disparos de arma de fogo. O mesmo aconteceu
durante um ato da candidata Emília Pessoa (PSDB). Waldemir Catanho (PT) teve um
dos carros de sua campanha atingido por tiros. A candidata a vereadora Marluce
Ramos (PSD) também foi vítima dos criminosos, que dispararam contra uma
manifestação em apoio à sua candidatura, deixando três pessoas feridas.
Durante a campanha eleitoral de 2024, O POVO
mostrou como é cada vez mais profunda a interferência de grupos criminosos em
eleições municipais. Em matéria de 21/11/2024, o jornal informa que as facções
atuam em diversas cidades, utilizando-se de "intimidações",
"ameaças", "compra de votos" e "ataques a políticos
eleitores", para impor um sistema criminoso. O jornal ainda chama a
atenção para o Comando Vermelho "como o principal grupo criminoso atuando
em solo cearense no período eleitoral".
É preciso reconhecer que o Ministério Público e as polícias têm procurado agir com rigor e rapidez nas investigações, com o objetivo de frear a influência das organizações criminosas na política. No entanto, enquanto um episódio ganha destaque, centenas de outros continuam a se desenvolver, em uma rede criminosa que se espalha perigosamente, ameaçando a própria democracia.
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