sexta-feira, 16 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Novo ‘penduricalho’ para juízes não faz nenhum sentido

O Globo

Justiça remota é necessária, mas não justifica até 8 folgas a mais por mês para os magistrados

Não passa de desvario a resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF) de conceder até oito dias mensais de “licença indenizatória” a magistrados que atuarem remotamente fora da própria jurisdição. Na prática, ela poderá representar um aumento real de quase 27% na remuneração mensal de cada juiz. O texto não exclui outra licença, paga por acúmulo de funções. Aprovado em março pelo CJF, o texto com o benefício foi publicado na semana passada no Diário Oficial da União. Trata-se de mais um dos proverbiais “penduricalhos” a elevar os vencimentos da elite do funcionalismo para além do teto constitucional (R$ 46.336, ou o equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal). Somente no ano passado, os auxílios e indenizações recebidos acima desse limite chegaram a R$ 6,7 bilhões. Não há justificativa para tamanho descalabro, reflexo de desconexão da realidade fiscal do país.

É verdade que certas regiões sofrem com atrasos em decisões judiciais por não contar com o número necessário de magistrados para dar conta do acúmulo de processos. Portanto é mais que bem-vinda a iniciativa de usar a tecnologia para que os juízes possam atuar temporariamente noutras comarcas sem abandonar suas funções originais. O inaceitável é a resolução do CJF aproveitar uma demanda legítima da população por decisões mais ágeis para criar um novo “penduricalho” a engordar os vencimentos da elite do funcionalismo público.

No ano passado, o pagamento acima do teto por magistrado foi de R$ 270 mil na média de todos os tribunais do país. De acordo com estimativas, mais de 90% dos juízes recebem além do permitido pela Constituição, em razão de uma interpretação generosa do Supremo, que permite excluir do cálculo do teto a parcela dos vencimentos identificada como “indenizatória”. Cabe ao Congresso disciplinar as verbas indenizatórias por meio de legislação sensata — não o atual PL dos Supersalários, repleto de exceções que perpetuariam os absurdos — para acabar com a farra dos “penduricalhos”.

Um dos argumentos usados para justificar as benesses concedidas ao juízes é a necessidade de atrair e reter talentos que, de outra forma, ganhariam mais no setor privado. Ora, a levar tal raciocínio a sério, então ele teria de ser estendido aos médicos do SUS ou às demais carreiras. A elite dos servidores públicos usufrui benesses e regalias inexistentes no setor privado, a começar por estabilidade no emprego e condições generosas de aposentadoria. Todo benefício deve ter justificativa razoável e caber nos limites fiscais.

Em vez disso, o Judiciário brasileiro é o mais caro do mundo. Custa o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) — não se gasta mais que 0,3% em países ricos e 0,5% nos emergentes. Em troca, a população recebe da Justiça um serviço que está entre os de pior qualidade, segundo o World Justice Project (o Brasil ocupa a vexatória 113ª posição na Justiça Penal e a 77ª na Civil, entre 142 países, levando em conta fatores como acesso e lentidão).

A prerrogativa de representantes da Justiça de deliberar sobre questões envolvendo vencimentos dos próprios juízes cria evidente conflito de interesses. Nada corrói mais a imagem do Judiciário do que decisões tomadas em causa própria, como o novo “penduricalho”.

Falta transparência no programa de construção de cisternas no Semiárido

O Globo

Mais de 85% da verba é redistribuída por ONG associada ao PT. Boa parte vai para entidades ligadas ao partido

É lamentável que, no poder, o PT seja suspeito dos mesmos desvios que costuma denunciar quando quem governa são seus adversários. É o caso da concentração de 85% da verba para a construção de cisternas, em regiões de famílias carentes, numa organização não governamental dirigida por petistas, a Associação Um Milhão de Cisternas para o Semiárido (P1MC), comandada por dois filiados ao partido desde 1987. A ONG recebeu do governo R$ 640 milhões do total de R$ 756 milhões do programa, executado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, de Wellington Dias, ex-governador do Piauí e também filiado à legenda.

A construção desses reservatórios para armazenar água nos períodos de chuva enfrenta percalços. Auditoria feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 205 deles, entregues entre 2020 e 2022, constatou que 31% das instalações apresentavam defeito, vazamento ou infiltração e que 10% nem podiam ser usadas, devido a rachaduras ou perda de água. A auditoria também menciona a concentração de recursos numa única entidade, embora considere que “os riscos existentes estão suficientemente controlados”.

A ONG que concentra a maior parte dos recursos alega ter sido escolhida por atender ao edital que privilegia experiência na construção de cisternas. “A presença de lideranças sociais com histórico político ou comunitário não fere a legalidade ou a legitimidade do trabalho técnico desenvolvido. O processo é legal, auditável e impessoal”, afirma a P1MC.

Mas, se fosse tão impessoal assim, a distribuição dos recursos não privilegiaria tantas entidades dirigidas por petistas. A P1MC não executa as obras diretamente, apenas repassa os recursos a outras organizações que executam o serviço. Entre essas subcontratadas para construir cisternas, levantamento do GLOBO identificou 37 dirigidas por filiados ao PT. Elas receberam 34% dos recursos transferidos pelo governo à P1MC.

A Cooperativa para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar do Piauí (Cootapi), dirigida por dois filiados ao PT que trabalharam no governo de Dias no estado, recebeu R$ 9 milhões para entregar 775 cisternas. O Centro de Educação Comunitária Rural, dirigido pela ex-assessora de um deputado estadual de Pernambuco, foi subcontratado por R$ 6,4 milhões. Há indícios de que o programa de cisternas também abriga candidatos petistas derrotados. O Instituto de Formação Cidadã, em Guanambi (BA), e o Centro de Agroecologia do Semiárido, em Manoel Vitorino (BA), ambos dirigidos por ex-candidatos a vereador, receberam R$ 3,4 milhões do programa.

O governo Jair Bolsonaro deixou em segundo plano a construção de cisternas. Foram entregues pouco mais de 3 mil, ante média de 58 mil por ano até 2018. Ao assumir o ministério, Dias ordenou uma revisão dos contratos e a investigação de desvios no programa. É uma medida que continua recomendável e que ele deveria adotar em sua própria gestão.

Falta ainda clareza ao Brasil na disputa geopolítica

Valor Econômico

O Brasil tenta manter-se independente das duas maiores economias do mundo, com sucesso duvidoso

A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e sua tentativa de reaver o lugar hoje contestado de potência hegemônica mundial podem encerrar a era do multilateralismo do pós-guerra. É para isso que se preparam os demais países, como indicam as movimentações dos principais atores da cena global, da China de Xi Jinping ao Brasil de Lula. Trump vê no comércio com o maior mercado do mundo uma fonte de poder imbatível e na força militar de seu país o atributo para preservá-lo e garantir seu domínio global. A China intensificou o périplo pela região natural de sua influência político-econômica, o Sudeste Asiático, enquanto se aproxima de países rivais, com os quais tem disputas territoriais, como Japão e Coreia do Sul. O Brasil, que só tem a ganhar com uma ordem multipolar, tenta o difícil e necessário jogo da autonomia. A viagem de Lula à Rússia e à China indicou preferências, ainda não oficialmente explícitas, por um eixo antidemocrático na disputa.

A guerra tarifária de Trump contra o mundo tenta manter o poder americano como eixo da economia global. O “dia da libertação” tentou coroar o desejo dos EUA de, no limite, ditarem a forma como exigem ser tratados nas relações comerciais com os demais países, uma demonstração explícita de poder. As ameaças de anexação de Groenlândia, Canadá e Canal do Panamá reafirmam que os EUA ainda se reservam o direito de usar a força para garantir seus interesses, como antes.

Para além das tarifas, os EUA estão em frenesi diplomático, embora não contem com a expertise diplomática de outrora, mas apenas com um bando de neófitos dedicados a agradar ao chefe. Pode dar tudo errado, mas os alvos e os protagonistas são claros. Trump respeita regimes fortes, como o da China, como rival à altura, e o da Rússia de Vladimir Putin como potência nuclear.

Os primeiros passos da diplomacia trumpiana, a paz na Ucrânia, não deram frutos, mesmo concedendo à Rússia o reconhecimento da Crimeia, acrescido de anexos obtidos com a nova invasão. Trump dedicou-se então ao Oriente Médio, onde seguiu, com nuances, a política do antecessor, Joe Biden - apoio incondicional a Israel, mesmo diante da devastação de Gaza. Ele conclui visita à região comprando com acordo trilionário o apoio da Arábia Saudita, que flertava com a China, e fazendo agrados à nova liderança síria, aliada dos sunitas do reino de Saud. Esses passos auxiliam sua ofensiva contra o Irã, enfraquecido pelas derrotas do Hamas e do Hezbollah diante de Israel, e dos houthis do Iêmen, após ataques americanos. Trump disse que o acordo para interromper o processo de enriquecimento de urânio de Teerã está prestes a ser concluído.

O chinês Xi Jinping pressentiu desde o primeiro governo Trump, em 2017, que a tentativa de impedir a ascensão tecnológica, econômica e militar de seu país passara a ser a estratégia americana fundamental. Houve continuidade nas ações de Biden e Trump, que mostrou muito mais agressividade e, ao contrário do antecessor, agilidade em negociar. Há dez anos, a China concebeu o “Made in China 2025”, com metas para atingir a vanguarda tecnológica, que deram alguns frutos desejados. O DeepSeek mudou o jogo da infraestrutura de IA e dos supostos investimentos bilionários para data centers, que só as big techs americanas teriam condições de fazer, dominando a tecnologia.

Pequim recepcionou Lula e presidentes da Comunidade de Estados da AL e do Caribe para firmar mais investimentos e parcerias - só com o Brasil foram 20 acordos, com promessas de investimentos de R$ 27 bilhões. Além de avanço significativo na América Latina, a China tem larga penetração na África e tenta agora mostrar as vantagens, pós-Trump, de uma aproximação com a União Europeia.

O Brasil tenta manter-se independente das duas maiores economias do mundo, com sucesso duvidoso. O país tem com Pequim uma relação antes descrita pelos economistas de esquerda como “colonial” - exporta matérias primas e compra bens manufaturados. Não há a menor possibilidade de isso ser revertido no curto prazo. Por outro lado, Pequim tornou-se dependente das exportações de alimentos exportados pelo Brasil, se Washington insistir em tarifas proibitivas. Não há outro fornecedor de soja à altura do apetite do mercado chinês. Mas, como parceiro de China e Rússia no Brics, o presidente Lula tem demonstrado alta deferência com seus aliados autocráticos, algo evidente para o governo americano, mesmo que ele não seja hostilizado.

Se a prioridade nas relações com a China se justifica pela importância do intercâmbio comercial, isso não é verdadeiro com a Rússia, onde Lula serviu de bibelô democrático entre ditadores de várias partes do mundo na comemoração em Moscou dos 80 anos da derrota nazista. A proposta de China e Brasil favorece Putin, que, mesmo após insistência de Lula, ignorou seus apelos para comparecer às negociações de ontem com a Ucrânia na Turquia.

As principais potências têm claros seus objetivos estratégicos em um mundo em grande transformação. O Brasil não está ainda consciente de seu papel nele e dos limites evidentes de suas ações.

Desmate em queda, degradação em alta

Folha de S. Paulo

Estudos mostram baixa na destruição de florestas e enfraquecimento da amazônia; urge instituir plano para crise do clima

Levantamento realizado pela rede MapBiomas, divulgado na quinta-feira (15), mostra avanços importantes no combate ao desmatamento, após uma quadra de retrocessos sob Jair Bolsonaro (PL).

Desde o início da série histórica do estudo, em 2019, o Brasil destruiu uma área florestal do tamanho da Coreia do Sul (9,9 milhões de hectares), sendo que 67% dela está na Amazônia Legal.

Entre 2023 e 2024, verificou-se queda de 32,4%, de 1,8 milhão de hectares para 1,2 milhão desmatado. Ademais, pela primeira vez nos últimos seis anos houve redução ou estabilidade (caso da mata atlântica) em todos os biomas.

A amazônia, que liderava em território desmatado até 2022, quando atingiu 1,2 milhão de hectares, passou para o segundo lugar em 2023 (454,2 mil hectares) e manteve a posição em 2024, com 377,7 mil —queda de 16,8%.

Já no cerrado, deu-se o contrário. Logo atrás da amazônia em 2022 (662,1 mil hectares), foi a 1,1 milhão no ano seguinte e caiu para 652,1 mil em 2024.

Mesmo com redução de 41,2% desde 2023, o bioma concentrou mais da metade (52,5%) da perda florestal em 2024, que foi puxada pela região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), responsável por 75% do seu desmatamento.

A pesquisa indica, contudo, que é possível aliar agronegócio, no qual o Brasil é referência global, e sustentabilidade —em Goiás, um dos maiores produtores do setor, a queda foi de 75%.

A mata atlântica teve leve alta de 13,2 mil hectares em 2023 para 13,4 mil no ano seguinte. Ressalte-se, aí, o papel da mudança climática. Em 2023, só 150 hectares foram destruídos por eventos extremos; em 2024, esse número saltou para pouco mais de 3.000.

A crise do clima também se relaciona a outro problema: a degradação, que enfraquece a floresta sem destruí-la por completo. Nesse ponto, a amazônia sofre. Estudo conjunto entre InpeUSP e instituições do Reino Unido e dos Estados Unidos apontou queda no desmatamento do bioma, de 54,2% entre 2022 e 2024, mas alta de 163% da degradação florestal.

Aberturas de estradas e de garimpos, por exemplo, elevam a incidência de sol e vento, ressecando a vegetação. Com altas temperaturas e estiagens severas, florestas ficam mais inflamáveis —foram registrados 140,3 mil focos de calor na amazônia em 2024, o maio número desde 2007.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda deve um plano de mitigação (reduzir o impacto do aquecimento) e adaptação (criar resiliência aos seus efeitos) para a crise do clima. Segundo a ONU, há déficit global no financiamento do segundo aspecto, mas isso não exime o Brasil de conduzir iniciativa efetiva nesse sentido.

Em relação ao desmate, é preciso perseverar na curva descendente, levando em consideração diferenças regionais e de atividade. Se 97% de toda área destruída desde 2019 se deve à agropecuária, 99% da área devastada por garimpo situa-se na amazônia.

Dúvidas quanto à desigualdade

Folha de S. Paulo

Distância entre ricos e pobres chega ao menor nível desde 2012; dados são bem-vindos, mas método do IBGE é controverso

A experiência desde a década passada mostra que a medição da distância entre pobres e ricos, exorbitante no Brasil, é mais complexa do que parece. Deve-se ter isso em mente diante das recentes boas notícias trazidas pelo IBGE nessa seara.

De acordo com o instituto, a desigualdade social atingiu no ano passado o menor patamar da série histórica iniciada em 2012, a partir de três diferentes indicadores considerados.

Apurou-se que em 2024 o rendimento médio domiciliar per capita dos 10% mais ricos da população correspondeu a 13,4 vezes o dos 40% mais pobres. A disparidade é escandalosa, mas ainda assim representa um progresso ante o pico de 17,1 vezes de 2018. Quando se considera o 1% mais rico, a diferença é de 36,2 vezes, bem abaixo do recorde de 48,9 vezes registrado em 2019.

Já o índice de Gini —que varia de 0, distribuição totalmente igualitária de renda, a 1, hipótese em que uma única pessoa teria toda a renda— caiu a 0,506, ante 0,518 no ano anterior e 0,545 em 2018, maior cifra da série. Os países menos desiguais do mundo, boa parte deles na Europa, têm índices entre 0,250 e 0,350.

A diferença em relação a parâmetros internacionais não é a única ressalva a ser feita aos resultados. A própria metodologia de apuração é tema de debate.

O IBGE se baseia em pesquisas amostrais nas quais os entrevistados informam seus rendimentos. Hoje é fato conhecido que tal metodologia, embora possa ser eficaz na medição dos ganhos com o trabalho, tende a subestimar os oriundos do capital, como juros, dividendos e aluguéis. Assim, tanto pode fazer a desigualdade parecer menor como dar ideia errada de sua tendência.

Desde os trabalhos do economista francês Thomas Piketty, tornou-se comum a consulta a dados das declarações do Imposto de Renda para mensurar de forma mais completa a disparidade. Com esse critério, ela em geral aparece em alta no Brasil.

Mais recentemente, em 2021, um trabalho do Insper aprofundou a análise ao levar em conta também rendas não monetárias dos mais pobres, como o acesso a saúde e educação gratuitas, o que reduziria a desigualdade.

As questões em torno de dimensão e trajetória da concentração de renda, sem dúvida pertinentes, não impedem que sejam bem-vindos os resultados do IBGE. Quando menos, eles mostram melhora substantiva do bem-estar material entre os mais pobres, graças ao emprego e aos benefícios sociais. O combate à iniquidade, porém, ainda tem longo caminho pela frente.

Um vexame na CPI das Bets

O Estado de S. Paulo

Enrolados por influenciadores profissionais, senadores demonstram que o Congresso está despreparado para enfrentar um problema de alto impacto social, mental e financeiro para o País

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets foi criada no Senado com o propósito de permitir aos parlamentares ajudar o Brasil a investigar os serviços de apostas online, muitos deles operando de forma irregular, e radiografar a atuação de influenciadores digitais na promoção de jogos de azar. Aos poucos, porém, fica claro que a contribuição da Casa nessa seara é de outra ordem: os senadores estão informando ao País o tamanho do despreparo e da irresponsabilidade do Congresso para lidar com um tema de implicações gravíssimas para o presente e o futuro da saúde mental, financeira e social dos brasileiros.

Como se viu nesta semana, uma influenciadora digital com mais de 100 milhões de seguidores em suas redes sociais serviu entretenimento para quem quis e pôde ver, fazendo com que o mundo analógico dos parlamentares fosse engolido de forma humilhante – e pedagógica também. Na terça-feira, ao comparecer à CPI, a sra. Virginia Fonseca foi tietada por senadores e funcionários da Casa. Um dos parlamentares, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), chegou a interromper a sessão para tirar foto com a tal influencer, convocada a prestar depoimento pela relatora da comissão, Soraya Thronicke (Podemos-MS). Por sua vez, o presidente da CPI, senador Dr. Hiran (PP-RR), fez piada sobre a beleza de Zé Felipe, companheiro de Virginia.

No ponto que realmente importa, a influenciadora se defendeu, afirmando que não lucra com base nas perdas de seus seguidores e que seus contratos nada têm de “anormal”. Como se sabe, o ponto central da investigação gira em torno da suspeita de que influenciadores estariam sendo remunerados não apenas pela publicidade em si, mas também com base em cláusulas contratuais que preveem bônus proporcionais às perdas de seus seguidores nas apostas – a chamada “cláusula da desgraça alheia”. Essa possibilidade foi também negada pelo influenciador Rico Melquiades, presente à CPI no dia seguinte à ida de Virginia Fonseca.

O diversionismo e o constrangimento vistos no Senado – que, num misto de amadorismo e inépcia, converteu poderosos influenciadores em ingênuos participantes de relações comerciais tradicionais – seriam problemas menores se não fossem parte de uma tragédia maior. A humilhação em praça pública foi, isso sim, um reflexo do despreparo do Congresso para tratar do tema – ou do deliberado desinteresse do Legislativo federal em tratar do problema de forma séria.

O Congresso, assim como o governo Lula da Silva, já havia feito uma aposta de altíssimo risco: ao legalizar as apostas online, fez ouvidos de mercador aos conhecidos riscos da jogatina, entre os quais se incluem o vício, a lavagem de dinheiro, a ruína financeira de famílias, as fraudes, o absenteísmo no trabalho, a violência doméstica e os prejuízos no varejo – todos efeitos colaterais dos cassinos e jogos de azar fartamente disponíveis no ambiente digital, acessíveis em qualquer lugar, a qualquer minuto, enquanto jogadores são bombardeados por um arsenal publicitário bilionário que recruta celebridades (vamos chamá-las assim) para vender ilusões de ganho fácil.

Recente pesquisa do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostrou que mais de um terço dos apostadores brasileiros sofre algum grau de transtorno relacionado ao vício em jogos. Adolescentes são os mais vulneráveis. A Organização Mundial da Saúde estima que até 5,8% da população preenche critérios para o diagnóstico de ludopatia, a compulsão pelo jogo. Onipresentes, os jogos online agravam o problema.

Nas leis e regulações aprovadas, faltam salvaguardas mais sólidas contra esses danos. A CPI poderia prestar-se a corrigir tais falhas e ajudar o País a construir os devidos diques de proteção contra os malefícios produzidos pelos serviços de apostas online, mas parece longe disso. Enfrentar os riscos de uma crise nacional de ludopatia requer muito mais do que piadas de mau gosto, produção de cenas destinadas a garantir visualizações e likes nas redes sociais ou despreparo para inquirir profissionais do ramo.

A ficha caiu

O Estado de S. Paulo

Ao afirmar a analistas financeiros que a Petrobras pode cortar investimentos, Magda Chambriard cede a uma realidade que contrasta com visão eleitoreira de Lula da Silva sobre a companhia

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, foi direta ao informar que poderá rever os investimentos da companhia, calculados em US$ 111 bilhões (em torno de R$ 622 bilhões, ao câmbio atual) em cinco anos, diante do cenário adverso de petróleo em baixa e dólar em alta. “É hora de apertar os cintos”, resumiu a executiva a um grupo de analistas do mercado financeiro reunidos na conferência de apresentação dos resultados trimestrais. Foi um sinal de austeridade que claramente desafia a agenda eleitoreira do presidente Lula da Silva.

Sob o quinto mandato petista, o plano de investimentos quinquenais da petroleira voltou ao patamar da centena de bilhões de dólares, o que não ocorria desde a programação de 2015-2019, elaborada no governo Dilma Rousseff, que previa US$ 130,3 bilhões. Uma cifra astronômica, mas 40% inferior à do plano precedente (2014-2018), que, com US$ 220,6 bilhões, dava a dimensão da estratégia traçada para a Petrobras nos governos do PT.

Na recente conferência com o mercado financeiro, Magda Chambriard procurou adotar um tom de cautela e realismo que parecia destinado a afastar fantasmas passados. Preocupada com o preço do barril do petróleo, que em menos de um ano caiu de US$ 85 para cerca de US$ 65 (o tipo Brent, usado como referência pela companhia), a presidente da Petrobras acenou com a possibilidade de reduzir projetos da companhia, inclusive afirmando que, a partir de agora, palavras como “austeridade” e “simplificação” estarão incorporadas ao seu discurso.

É um prudente recuo em relação ao deslumbramento exibido pela sra. Chambriard na semana anterior, quando encerrou seu discurso na Conferência de Tecnologia Offshore (OTC, na sigla em inglês), em Houston (EUA), com um sonoro “let’s drill, baby!” (vamos perfurar, bebê!). Na ocasião, a executiva falava sobre a intenção de produzir petróleo na Margem Equatorial, mas o recurso a uma frase repetida pelo presidente norte-americano, Donald Trump, para defender a exploração de petróleo na área foi bastante inoportuno.

Este jornal considera legítima a campanha para perfuração no bloco de petróleo adquirido em 2013 – com o aval prévio do Ibama –, mas até para a empolgação há limites e a referência ao slogan trumpista foi a pior forma encontrada por Chambriard para expressar seu entusiasmo. Mesmo que impensado, o alinhamento ao presidente dos Estados Unidos, que não perde oportunidade de demonstrar seu menosprezo pela proteção do meio ambiente, prejudica e desqualifica o debate e a reputação da Petrobras.

Já o reconhecimento de que a manutenção de projetos com custos altíssimos em meio à instabilidade econômica mundial pode ser revista parece um retorno ao bom senso. Como qualquer relação de causa e efeito, o nível gigantesco de investimentos em gestões lulopetistas multiplicou a dívida da Petrobras, que em 2013 e 2014 virou a companhia de petróleo mais endividada do mundo e em 2015 registrou mais de R$ 500 bilhões de dívida bruta para um caixa em torno de RS$ 100 bilhões. Era o retrato da inconsequência nefasta que o mau planejamento pode acarretar. Qualquer semelhança com a política de “gasto é vida”, que marca os governos do PT, não é mera coincidência.

Embora a executiva não tenha feito menção a políticas de governo que interferem nos projetos da empresa, é evidente o interesse do Palácio do Planalto em investimentos dos quais a Petrobras já havia se afastado, seja por não fazerem parte de seu escopo, seja em razão do baixo retorno, como são os casos, por exemplo, da produção de fertilizantes e da retomada de projetos nas áreas de refino e petroquímica.

Questionada se a austeridade defendida por ela não poderia comprometer a agenda de Lula da Silva, a sra. Chambriard desconversou, dizendo que a Petrobras está fazendo o mesmo que outras grandes petroleiras. O problema é que, por aqui, a mão do governo sempre pesa sobre a Petrobras, e é preciso saber se a presidente da empresa realmente conta com o aval do presidente da República para colocar seus planos em prática.

O estranho ‘sumiço’ da Cracolândia

O Estado de S. Paulo

O ‘fluxo’ desapareceu. Mas não há razões para crer que o problema esteja resolvido

A Cracolândia, ora vejam, teria “sumido”. Ao menos na Rua dos Protestantes, no centro de São Paulo. Nos últimos dias, a via tem permanecido sem a presença dos dependentes químicos que antes consumiam drogas e praticavam assaltos abertamente nas adjacências, dia e noite.

À primeira vista, o alívio de moradores e comerciantes da região, obviamente, enseja uma comedida celebração. Afinal, há mais de 30 anos a metrópole exige uma solução definitiva para uma tragédia nas áreas de saúde e segurança pública do Estado mais rico da Federação. Mas as estranhas circunstâncias desse aparente “sumiço” da Cracolândia impõem cautela.

Há alguns anos, o chamado “fluxo” chegou a reunir cerca de 2 mil dependentes químicos, que vagavam pelo centro da capital paulista expondo toda a sua miséria física e psíquica. Até a semana passada, cerca de 200 usuários ainda podiam ser vistos por lá. Desde o dia 10, porém, esse número passou a cair, fato que despertou estranhamento na população, além de um justificado receio de que o horror conhecido por todos volte a assombrar a região central também de uma hora para outra.

Se os moradores e comerciantes antes diretamente afetados pela presença da Cracolândia não conseguiram explicar o que aconteceu, tampouco o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que demonstrou surpresa ao tomar conhecimento de um episódio que, segundo ele, ainda está “tentando entender”. Já o vice-prefeito, Ricardo Mello Araújo (PL), atribuiu a aparente paz na região à retirada de mais de 120 usuários de drogas das ruas, de forma voluntária, em operações realizadas há alguns dias.

Essa confusão discursiva do primeiro escalão da administração municipal ilustra um quadro mais amplo de aparente descontrole do poder público sobre o que acontece no coração da cidade de São Paulo, que há tempo demasiado vive à mercê da atuação de traficantes de drogas ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

Registre-se que a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) têm agido para estrangular a entrada de drogas na região da Cracolândia. Forças a serviço da lei e da Constituição, vale lembrar, também atuam contra supostas milícias que, segundo o MP-SP, teriam sido formadas por guardas municipais que, em associação com o crime organizado, mantêm aberta a chaga da Cracolândia. Some-se a isso a operação policial que foi deflagrada há poucos dias na Favela do Moinho, um “entreposto” do PCC no centro, segundo as autoridades, para coibir o tráfico – além de remover parte dos moradores a fim de, alegadamente, transformar o terreno num parque.

O busílis é que, até agora, nenhuma autoridade esclareceu, com dados acima de qualquer suspeita, como se deu o “sumiço” da Cracolândia. Resultou de políticas públicas ou pode ter sido determinado pelo PCC, em nome dos interesses criminosos da facção? O fato é que não é razoável assumir, com base no que se sabe até o momento, que essa tranquilidade será duradoura.

A rigor, a Cracolândia não desapareceu. Se tanto, apenas se dispersou. Fingir o contrário é tergiversar sobre uma mazela social que clama, há décadas, por respostas sérias e duradouras do Estado.

Mais um ponto de preocupação para a Anvisa

Correio Braziliense

Chegada de nova caneta emagrecedora exige fiscalização e monitoramento constantes das farmácias para que o acesso a esses medicamentos seja controlado, minimizando riscos e quaisquer ilicitudes

A comunidade médica e científica assiste com cautela, desde ontem, à chegada de mais um medicamento às farmácias brasileiras voltado para o emagrecimento. Embora inicialmente indicado para o tratamento do diabetes tipo 2, Mounjaro (tirzepatida) vai para as prateleiras como peça relevante para o controle crônico de peso, completando a tríade com dieta e atividade física. A tirzepatida foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em setembro de 2023, mas somente agora será comercializada no Brasil, numa tentativa de evitar a descontinuação do produto no mercado brasileiro. 

Como seus concorrentes Ozempic e Wegovy, Mounjaro é injetável, aplicado semanalmente, e estreia com um preço salgado: a partir de R$ 1,4 mil. Uma das diferenças, porém, é que entra no mercado brasileiros com regras mais rígidas para a comercialização. A Anvisa aprovou em abril uma medida que torna obrigatória a retenção da receita médica para a compra de medicamentos à base de análogos do GLP-1 (Glucagon-like Peptide-1, um hormônio produzido naturalmente pelas células do intestino durante a alimentação e que ajuda a reduzir os níveis de açúcar no sangue e a controlar a obesidade). Incluem-se nesse critério os três remédios citados acima.

Com essa decisão, que passa a vigorar após 60 dias da publicação no Diário Oficial da União (DOU), a agência visa restringir o uso indiscriminado dos fármacos fora das indicações aprovadas em bula. Atualmente, mesmo a venda sob prescrição médica sendo obrigatória, o que se vê é que os produtos são frequentemente adquiridos sem orientação especializada, inclusive, em plataformas on- line. 

Com a retenção obrigatória da receita, as autoridades pretendem ainda conter o contrabando desses medicamentos — a exemplo de recentes apreensões em aeroportos brasileiros de canetas emagrecedoras adquiridas no exterior, burlando as normas de vigilância sanitária e desrespeitando as regras de armazenamento, como temperatura específica, sob risco de perda de eficácia.

Fato é que esse tipo de medicação, embora aja efetivamente no que se espera do ponto de vista médico, proporcionando rápido emagrecimento, pode causar efeitos colaterais se usada sem acompanhamento de um especialista e de maneira prolongada, especialmente em pacientes com outras enfermidades e entre aqueles preocupados unicamente com os efeitos estéticos. Há de se ressaltar que as canetas emagrecedoras são indicadas para o tratamento de obesidade, com pesquisas e observações clínicas indicando benefícios contra outras doenças, como cardíacas e hepáticas. 

Com mais uma opção no mercado brasileiro, caberá à Anvisa a fiscalização e o monitoramento constantes das farmácias para que o acesso a esses medicamentos seja controlado, minimizando riscos e quaisquer ilicitudes. Quanto à inclusão dessa classe de remédios no Sistema Único de Saúde (SUS), trata-se de um capítulo à parte, ainda sem data prevista, mas que merece debate aprofundado, passando por questões como acesso democrático aos avanços na medicina e promoção aos cuidados com a saúde para além de intervenções farmacológicas.  

O perigo das facções na política

O Povo

Enquanto um episódio ganha destaque, centenas de outros continuam a se desenvolver, em uma rede criminosa que se espalha perigosamente, ameaçando a própria democracia

Desde algum tempo, observa-se que as facções abriram uma nova frente para a prática de crimes. Elas expandiram suas atividades para as cidades do interior, onde, aparentemente, há mais facilidade para se infiltrarem na política eleitoral, servindo de trampolim para a eleição de vereadores e até de prefeitos.

No poder, esses candidatos, eventualmente eleitos, defenderão interesses criminosos, deixando o prejuízo para os moradores. Se antes essas organizações do crime buscavam somente eleger seus "representantes" — o que continuam buscando —, agora escalaram, passando ao estágio de tentar eleger diretamente integrantes orgânicos dessas facções. Um caso, com repercussão nacional, envolveu a ex-prefeita de João Dias (RN), com ela e a família investigados por, supostamente, integrarem uma organização criminosa.

Situações assim se repetem, especialmente no Nordeste, incluindo o Ceará, como se observa na edição desta quinta-feira, onde anota este jornal: "Mais de 40 presos e 98 denunciados por interferir nas eleições em Caucaia", cidade da Região Metropolitana de Fortaleza. A Polícia Civil chegou a esses suspeitos após investigar uma série de atentados contra candidatos na campanha municipal de 2024.

Três dos candidatos a prefeito foram vítimas de atentados. Uma caminhada em apoio à candidatura de Naumi Amorim (PSD), vencedor da disputa, foi alvo de disparos de arma de fogo. O mesmo aconteceu durante um ato da candidata Emília Pessoa (PSDB). Waldemir Catanho (PT) teve um dos carros de sua campanha atingido por tiros. A candidata a vereadora Marluce Ramos (PSD) também foi vítima dos criminosos, que dispararam contra uma manifestação em apoio à sua candidatura, deixando três pessoas feridas.

Durante a campanha eleitoral de 2024, O POVO mostrou como é cada vez mais profunda a interferência de grupos criminosos em eleições municipais. Em matéria de 21/11/2024, o jornal informa que as facções atuam em diversas cidades, utilizando-se de "intimidações", "ameaças", "compra de votos" e "ataques a políticos eleitores", para impor um sistema criminoso. O jornal ainda chama a atenção para o Comando Vermelho "como o principal grupo criminoso atuando em solo cearense no período eleitoral".

É preciso reconhecer que o Ministério Público e as polícias têm procurado agir com rigor e rapidez nas investigações, com o objetivo de frear a influência das organizações criminosas na política. No entanto, enquanto um episódio ganha destaque, centenas de outros continuam a se desenvolver, em uma rede criminosa que se espalha perigosamente, ameaçando a própria democracia.

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