Folha de S. Paulo
Episódio na China, com jeito de 'gossip'
político, recoloca a discussão sobre função de maridos e mulheres de autoridade
política
O vazamento
de um suposto constrangimento causado pela primeira-dama Janja da
Silva em jantar com o líder chinês Xi Jinping acabou
por expor um pouco do ambiente palaciano de desavenças e intrigas do
governo Lula.
Não há novidade nesse jogo de rasteiras pelas
costas, disputas e armadilhas no mundo do poder.
O episódio, até bastante ameno, desperta contudo algumas questões, a começar pela discussão sobre qual seria o papel público do "primeiro-cônjuge", digamos assim, já que mulheres casadas também exercem funções de liderança de governo e Estado, e o mesmo vale para o arco-íris de gêneros e orientações —só para citar um exemplo próximo, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é gay assumido e casado.
O ponto principal nessas situações deveria
ser a separação republicana entre esfera pública e privada. O apropriado seria
que a família presidencial, marido, mulher, filhos, mantivesse distância da
manifestação pública naquilo que ela possa ter de governamental. O casamento ou
o parentesco não transformam ninguém em interlocutor ou representante oficial
para assuntos de governo.
Não se trata de ser cidadão de primeira ou
segunda classe, trata-se de usar os canais adequados para se manifestar. Que
exerçam sua cidadania e suas atividades em território nítido.
É verdade que muito depende de protocolos,
dos assuntos, da ocasião… No caso em pauta, não se sabe ao certo o que
aconteceu e exatamente que regras formais e culturais presidiam e orientavam as
intervenções dos presentes no jantar oferecido por Xi Jinping e sua esposa.
Segundo diplomatas consultados pela Folha, é
rígido o protocolo que rege as visitas de Estado na China, em que
tudo se passaria sob estrita formalidade.
Pessoas que já interagiram nesses tipos de
recepção afirmam que há pouco espaço para improvisação, e situações que fogem
do previamente combinado seriam malvistas.
No encontro, Janja teria errado o tom?
Deslizado no timing? Causou constrangimento de fato ou houve um exagero no
relato vazado
a jornalistas? Afinal, isso tem alguma relevância, além de recolocar o
assunto da definição de funções?
Ao que tudo indica estamos no terreno mundano
do "gossip" politiqueiro. Com um agravante: o vazamento só poderia
ter ocorrido por intermédio de alguma autoridade presente.
O responsável não precisaria em tese ter
entrado em contato com jornalistas, poderia ter comentado com alguém e este
alguém ter soprado —com isso, após checagens, a história poderia ser contada.
Não se sabe.
Lula, em entrevista, mostrou irritação com a
quebra de confiança e afirmou
que ele, não Janja, levantou o tema TikTok. Ela
teria feito um comentário a seguir sobre conteúdos condenáveis veiculados pela
plataforma.
Janja é vítima de preconceitos? Em alguns
casos sim, mas também já deu motivos para questionamentos. Por exemplo: já
mandou um "foda-se" público para Elon Musk (por mais que ele
mereça) e fez no início da gestão de Lula uma denúncia
redondamente equivocada a respeito do sumiço de móveis no Alvorada, em
programa de TV, jogando a culpa nos Bolsonaros.
São casos que pelo menos dão margem a
explorações políticas. Não deveria, além de tudo, ser função da primeira-dama
atirar no pé do governo do marido.
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