domingo, 10 de abril de 2016

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

"Serenidade, firmeza e decisão dentro da Constituição.

Chegou a hora de dar um basta nisso tudo. Não dá mais para ter dúvidas. Por mais penoso que seja interromper um mandato, mais penoso é ver o Brasil se esfacelar."

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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República, Folha de S. Paulo, 9/4/2016.

Contra impeachment, Dilma negocia cargos com poder sobre R$ 38 bilhões

• Em busca de votos contra o afastamento, governo tenta atrair apoios com nomeações para vagas estratégicas na administração

Ricardo Brito, Victor Martins - O Estado de S. Paulo

/ BRASÍLIA - As mudanças n0 segundo escalão do governo, em busca de votos para brecar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, envolveram a negociação de cargos que podem movimentar até R$ 38 bilhões em recursos do Orçamento deste ano, dos quais R$ 6,2 bilhões são investimentos. Chamado de “repactuação” da base pelo governo e de “balcão de negócios” pela oposição, o processo se acelerou após rompimento oficial do PMDB com Dilma e às vésperas da votação do afastamento da petista pelo plenário da Câmara.

A estratégia do governo é fidelizar apoios ou ao menos garantir abstenções na votação no plenário da Câmara de partidos médios e pequenos como PP, PROS, PDT e PTN, ou até mesmo dentro do próprio PMDB – sigla do vice-presidente Michel Temer, cujos aliados trabalham para levá-lo ao Palácio do Planalto também com a promessa de cargos. Mesmo com o contingenciamento no orçamento, que proíbe temporariamente o uso de parte dos recursos de investimento, os órgãos de segundo escalão têm sido cobiçados pelas siglas.

Até o momento, as legendas que mais perderam influência foram o PMDB e o PTB, do relator do impeachment na Câmara, o deputado Jovair Arantes (GO). As mudanças no segundo escalão devem ser intensificadas até o dia 15 de abril, data em que começará a ser votado no plenário da Câmara o pedido de abertura do impeachment contra Dilma.

Na minirreforma, o governo tem atuado para limar ou retirar dos cargos aliados de Temer e do ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, único dos sete ministros da legenda que respeitou a decisão da direção partidária de entregar imediatamente os cargos que ocupavam no governo federal.

O governo retirou, por exemplo, uma diretoria da Conab e postos de escalões inferiores no Ministério da Agricultura, todos eles ligados a Temer, cadeiras que ainda estão vagas. Também preferiu privilegiar uma parte do PMDB da Câmara que ainda lhe pode render votos: retirou Vinicius Renê Lummertz Silva do cargo de presidente do Embratur e colocou Gilson Lira. Com esse movimento, o governo tira a influência dos cinco deputados da bancada peemedebista de Santa Catarina (favoráveis ao impeachment) e fica com um indeciso, um parlamentar da Paraíba: o deputado Veneziano é padrinho do presidente interino da Embratur, enquanto Lummertz é ligado aos catarinenses.

A cúpula do PP, sigla que já ganhou a diretoria-geral do Dnocs e tenta, futuramente, assumir o Ministério da Saúde, promete dar entre 25 e 30 votos de uma bancada de 51 deputados para manter a presidente no cargo. Contudo, o placar do impeachment publicado diariamente pelo Estado aponta que 24 são declaradamente favoráveis ao afastamento de Dilma e apenas nove são contrários. Ainda que os oito indecisos e seis que não quiseram responder se pronunciem futuramente a favor da petista, ela não terá o apoio prometido pelo PP.

A oposição protesta contra essas nomeações do segundo escalão, que considera ser um balcão de negócios. No fim de março, dois senadores pediram que a Procuradoria-Geral da República investigue Dilma e o ministro do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner, por oferecerem cargos em troca de votos. Para o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), os deputados não vão se vender por cargos em um governo que está para cair por conta da pressão das ruas. “É um suicídio”, sentenciou.

Negociação. Para os governistas, a negociação tem dado certo. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), disse que após a convenção do PMDB ocorreu um movimento inverso ao da esperada debandada. “As negociações estão se intensificando com vários partidos da base, acho que hoje o impeachment está mais longe”, avaliou. “O governo está com todas as condições de construir uma maioria em torno de 200 votos na Câmara.”

Além da negociação de cargos que controlam somas expressivas de dinheiro, estão em jogo postos sem atrativos financeiros e que envolvem outros interesses, a exemplo da influência de diretorias em agências reguladoras.

A presidente Dilma indicou, por exemplo, o ex-senador Luiz Otávio para a direção-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para agradar o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e pai do ministro dos Portos, Hélder Barbalho. Na bancada peemedebista do Pará, dos três deputados, dois se mostram indecisos e um não declarou posição, conforme levantamento do Estado.

Governo tenta negociar votos contra impeachment com cargos

Juristas enxergam ‘desvio de finalidade’ em trocas de cargos

• Especialistas em direito afirmam que nomeações com objetivo de barrar o impeachment afrontam o interesse público

Gustavo Aguiar, Pedro Venceslau, Gilberto Amendola e Gabriela Caesar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As denúncias de que o governo criou um balcão de negócios no Congresso para comprar os votos de deputados contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff configuram desvio de finalidade, segundo juristas consultados pelo Estado. De acordo com Modesto Carvalhosa, autor de livros sobre a corrupção no Brasil, o PT adotou a prática desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

“A prática não surpreende. Desde o tempo do mensalão, está provado que essa é a maneira de governar, é esse método de comprar os deputados, à base de dinheiro”, afirmou o jurista. Para ele, o governo tem até estratégia: convencer deputados cujos eleitores estejam distantes do debate público e que, por isso, não mudariam de opinião sobre o parlamentar caso ele votasse a favor de Dilma.

Em artigo publicado do blog do jornalista Fausto Macedo, no Estadão.com.br, Hamilton Dias de Souza, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP e membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), sustenta que “não há interesse público que legitime tal manobra. Toda ela é pautada por interesses essencialmente particulares e partidários atrelados à manutenção e continuidade de um projeto de poder. O interesse não é público, é único e exclusivo da presidente e do partido da situação.”

Segundo ele, se for comprovado que as nomeações não estão amparadas pelo interesse público, fica caracterizado “desvio de finalidade” da presidente.

Para Carvalhosa, “a ida de Lula ao Ceará demonstra a tentativa de comprar votos”. “O governo deve estar procurando deputados eleitos por um Brasil profundo formado por gente que não tem opinião crítica sobre o impeachment. Esse deputado não vai ser afetado se votar a favor do governo.”

Para Carvalhosa, a atuação pregressa do deputado será a maior prova sobre sua posição no impeachment, e votos que destoarem muito do perfil de cada congressista poderão ser questionados.

Princípios. Para o jurista Ives Gandra, a troca de cargos por votos contra o impeachment fere quatro dos cinco princípios fundamentais da administração pública presentes no artigo 37 da Constituição de 1988: moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência. O quinto princípio é a publicidade. “Se for comprovado que o cidadão ganhou cargos ou dinheiro para votar contra o impeachment ou se ausentar, isso será um verdadeiro mensalão da Dilma. Trata-se de um desvio brutal de finalidade do poder público.”

Segundo Ives Gandra, esse processo pode resultar em um novo pedido de impeachment da presidente caso ela consiga barrar pedido assinado por Miguel Reale Júnior, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo. “O fato é grave e configura um desvio de finalidade. Se ela escapar desse pedido, outros poderão ser abertos em função disso.”

Crise. O jurista Miguel Reale Jr., coautor do pedido de impeachment, diz que a compra por apoio está acontecendo somente do lado do governo. “Trata-se de um outro crime de responsabilidade, um crime contra a moralidade administrativa. Mais um motivo para ser a favor do impeachment.”

Para ele, o governo está agindo deliberadamente na compra de apoio: “Estão dando cargos e liberando emendas em um momento de crise. Em um momento em que não se pode ter novos gastos, estão comprometendo um orçamento que já não podem cumprir”.

Assediados, partidos do ‘centrão’ ainda não fecharam questão

• PP, PR e PSD estão divididos entre apoiar Dilma ou Temer sob a expectativa de que haja ‘fatos novos’ na semana

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

/ BRASÍLIA - Partidos do chamado “centrão” – PP, PR e PSD – ainda não fecharam todas as portas para o vice-presidente Michel Temer (PMDB). Lideranças dessas siglas admitem que poderão despejar votos em favor do impeachment caso “fatos novos” ocorram nesta semana durante a reta final para o início da votação do pedido de afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Um caso emblemático é o do PP. O presidente da legenda, senador Ciro Nogueira (PI), anunciou na quarta-feira que o partido decidiu ficar na base do governo, sinalizando que a grande parte dos 47 deputados poderá votar contra o impeachment. Contudo, a aliados próximos, Ciro revelou que “tudo pode mudar”, pois o ambiente é de ainda “muita instabilidade”.

Nos últimos dias, o Palácio do Planalto deu como certa a adesão da trinca ao governo. O ministro do Gabinete Pessoal da Presidência da República, Jaques Wagner, chegou a afirmar que “o impeachment será enterrado”. No Congresso, no entanto, a avaliação geral é de que “o jogo ainda não acabou”.

Uma nova delação premiada ou a deflagração de mais uma etapa da Operação Lava Jato são fatos que vão interferir no ânimo dos deputados. “A Câmara, muitas vezes, age de forma mais emocional que racional”, avaliou o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que está em quinto mandato e já anunciou voto contra o impeachment.
Barros é filiado ao PP há 19 anos e conhece bem as idiossincrasias do partido. “Em qualquer governo, o PP sempre vai querer ser governo”, disse.

O PR vive situação similar. O partido apoia o governo do PT desde 2003, quando ainda se chamava PL. De lá para cá, apesar de alguns desentendimentos, o partido permanece na base aliada. Em 2012, a bancada do PR no Senado anunciou rompimento com o governo após a demissão de Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes.

Na bancada da Câmara, nunca houve esse risco. Apesar de ter sido condenado por envolvimento no mensalão, o deputado Valdemar Costa Neto (SP) é ainda a principal liderança da sigla e defende o voto contra o impeachment. Contudo, há divisões na bancada. O próprio líder Maurício Quintella (PR-AL) se diz “indeciso”.

O PSD, do ministro Gilberto Kassab (Cidades), está dividido entre salvar e afastar Dilma. Kassab foi prefeito de São Palo eleito pelo oposicionista DEM. Em 2011, no entanto, ele resolveu criar o PSD para se aproximar do governo Dilma Rousseff.

Apesar de ocupar um cargo na Esplanada dos Ministérios, Kassab é muito afinado com o senador José Serra (PSDB-SP), um dos principais interlocutores de Temer em Brasília. Em São Paulo (seu Estado de origem), Kassab atua contra o PT.

Marina Silva defende que parlamentares do Rede votem pelo impeachment de Dilma

• Durante palestra em Chicago, nos EUA, a ex-senadora também pediu urgência na cassação da chapa Dilma/Temer no TSE

Altamiro Silva Junior- O Estado de S. Paulo

CHICAGO - A ex-senadora e líder do Rede Sustentabilidade, Marina Silva, defendeu hoje que seu partido vote a favor do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Apesar de defender uma posição do partido, Marina Silva afirmou que haverá liberdade de votação no plenário. Em rápida entrevista a jornalistas antes de fazer palestra em Chicago (EUA), na noite deste sábado, Marina também pediu urgência ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que a chapa que elegeu a presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer seja cassada.

No início da semana, a candidata à presidência derrotada na última eleição afirmou que o processo de impeachment "cumpre com a legalidade, mas não com a finalidade". Para ela, a saída de Dilma e Temer via TSE "é o caminho ético".

Naquela oportunidade, o Rede ainda não havia declarado um posicionamento sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Hoje, a posição favorável ao impeachment foi oficializada por Marina.

Questionada sobre a divisão de seu partido para a votação do impeachment de Dilma, Marina disse que "talvez só o PT hoje esteja unido" e que o PSDB está completamente desunido. "Trabalhamos com um consenso progressivo", disse ela.

A ex-senadora disse também que, no plenário da Câmara, a tendência é que a bancada seja liberada, mas ela pessoalmente defende o voto a favor do impeachment. "O meu entendimento é que o impeachment não se fabrica, ele se explicita do ponto de vista político. Quanto mais ele se explicita, mais a necessidade de julgamento do TSE", disse ela aos jornalistas. "A minha posição é que o partido decida pela admissibilidade do impeachment e a liberação da bancada no voto no plenário", afirmou.

Ao pedir urgência ao TSE, outro caminho que representaria a mudança da presidência, Marina evidencia a contrariedade diante da possibilidade de a presidente petista ser substituída pelo vice Michel Temer, do PMDB. Para a ex-senadora, é difícil imaginar que "um (partido) seja punido e o outro seja ungido o bastião da redenção", caso o impeachment de Dilma seja aprovado. "O Brasil precisa de coerência, não podemos ter dois pesos e duas medidas. O julgamento do TSE é mais efetivo pois ele não é apenas político, mas é baseado nos autos", ponderou.

O TSE, segundo a ex-senadora, "precisa ter o sentido de urgência para a crise que o Brasil está vivendo e buscar o caminho mais efetivo". "A delação premiada agora da Andrade Gutierrez disse que o dinheiro do petrolão era dividido igualmente entre o PT e o PMDB. Portanto, ambos são irmãos siameses, ambos são faces da mesma moeda, ambos há 12 anos ganharam juntos com esses recursos ilícitos em suas campanhas", afirmou Marina.

Pesquisa. Questionada sobre a pesquisa do Datafolha para a corrida presidencial de 2018, que mostra Marina na liderança junto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-senadora disse que "pesquisas são registros do momento" e que "não fica ligada" a esses levantamentos. "A gente está vivendo uma das piores crises do nosso País e eu acho que o mais importante é ficar atento ao que a população está dizendo em relação àquilo que ela não quer", disse Marina. "E o que ela não quer é inflação alta, não quer essa corrupção, não quer juros altos, não quer a falta de perspectiva e de esperança. A sociedade está dizendo fartamente."

Marina fez palestra em evento da Universidade de Chicago, que reuniu 300 pessoas e foi organizado pela Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior (Brasa, na sigla em inglês). Ela falou da necessidade de combate à corrupção e de sustentabilidade.

O mensalão do Impeachment

O mensalão de Dilma

• Sem qualquer freio moral e com dinheiro do Orçamento, o Planalto volta a comprar apoio parlamentar num último esforço para livrar a presidente do impeachment. Dois parlamentares do PSB teriam recebido oferta de R$ 2 milhões em troca do voto pró-Dilma

Marcelo Rocha e Mel Bleil Gallo – IstoÉ

No derradeiro esforço para tentar salvar o mandato da presidente Dilma Rousseff, o governo reeditou nos últimos dias, sem qualquer pudor, uma prática já condenada pelo Supremo: a de usar dinheiro público para comprar apoio político no Congresso. De maneira escancarada, o Planalto passou a negociar emendas e cargos, e até dinheiro, com deputados que se dispuserem a votar contra o impeachment da petista. O modo de operar remete ao escândalo do mensalão, o esquema de compra de votos durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com uma diferença fundamental. O mensalão clássico consistiu no pagamento de parlamentares a partir do desvio de verbas públicas e da lavagem de dinheiro por meio de agências de publicidade. Agora, o dinheiro negociado com os deputados de forma escancarada vem direto do Orçamento – ou seja, do seu e dos nossos impostos. “São práticas terríveis e o PT repete tudo de novo”, lamentou o ex-deputado Roberto Jefferson, o principal delator do mensalão, em entrevista a ISTOÉ.

De tão ostensivos, o assédio aos parlamentares e as propostas indecentes formuladas por emissários do Planalto fizeram corar de vergonha parlamentares que nunca se notabilizaram propriamente pela probidade ou por suas reputações ilibadas, como o deputado Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor. Há outro componente agravante no feirão a céu aberto promovido pelo governo: ele mostra que o PT vira as costas para a sociedade no momento em que o País vive uma crise político-econômica sem precedentes na história recente. Enquanto a presidente Dilma determina o contigenciamento de verbas para a Educação, e paralisa programas como o financiamento estudantil no exterior, uma das bandeiras do segundo mandato de Dilma, R$ 50 bilhões em emendas são oferecidas para quem se dignar a votar contra o impeachment. O governo também não parece se preocupar com a existência de quatro surtos de doenças no País, como a gripe H1N1, que já fez 47 vítimas só este ano. Enquanto diretores do instituto Butantã reclamam de falta de recursos federais para a produção de vacinas contra o zika vírus, por exemplo, o critério de escolha do futuro ministro da Saúde e do presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) se orienta pelo número de votos contra o afastamento da presidente que os aspirantes às vagas são capazes de oferecer. Ou seja, no vale-tudo para se manter no poder, o Planalto não se constrange em comprometer o presente e o futuro do País.

Na quarta-feira 6, ao mesmo tempo em que o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) lia as 128 páginas do relatório que concluiu pela admissibilidade do pedido de impeachment contra a presidente, os defensores do Planalto tentavam conquistar votos pró-Dilma nos corredores da Câmara. Às claras. Assim se deu, por exemplo, quando o deputado André Abon (PP-AP) abordou o colega Sílvio Costa (PTdoB-PE), vice-líder do governo. “Tudo certo?”, perguntou Costa. “Falta assinar”, disse Abdon. “Então, está tudo resolvido”, afirmou o vice-líder. Costa é dos encarregados de negociar, no varejo, votos para tentar derrubar, no plenário, o pedido de impeachment da presidente. ISTOÉ perguntou a Costa se o assunto com Abdon era o voto contra o afastamento da chefe do Executivo. O parlamentar não titubeou. “É claro”, respondeu sem detalhar, no entanto, o que fora negociado. O pernambucano é quem anota as adesões e dissidências num papelzinho que carrega no bolso do paletó. “Posso ver o placar?”, indagou a reportagem. “Tá de brincadeira, meu líder?!” Em meio ao balcão de negócios que tomou conta dos corredores do poder em Brasília, há suspeitas de práticas nada republicanas. Ao longo da semana, circulou a informação de que os deputados Heitor Schuch e José Stédille, ambos do PSB do Rio Grande do Sul, teriam sido abordados por aliados do Palácio do Planalto com oferta de dinheiro para apoiar a presidente. A bancada do PSB se reuniu para cobrar explicações. Eles negaram. Um deputado de um partido da base aliada, no entanto, assegurou à ISTOÉ que a oferta foi feita. O valor: R$ 2 milhões pelo voto pró-Dilma.

Na nova modalidade do mensalão, o principal operador não tem cargo, ao contrário de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e Delúbio Soares, então tesoureiro do PT. Atua como um agente estranho ao Estado, mas em nome do Estado, e fazendo promessas de algo que, ao menos oficialmente, não poderia entregar. Esse papel é exercido pelo ex-presidente Lula, com as ajudas providenciais de Jaques Wagner e do ministro Ricardo Berzoíni.. Após ter sua nomeação para a Casa Civil barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, o petista transformou uma suíte de um hotel de luxo em Brasília numa espécie de QG do mensalão do impeachment. Durante as conversas, não se perde um minuto de prosa para discutir políticas públicas ou projetos para o andamento do País. No local, onde ele tem recebido uma romaria de políticos, o samba é de uma nota só: os votos pró-Dilma. O toma la, da cá, que nos governos anteriores era promovido com uma roupagem mais republicana, agora é embalado pelo mais puro pragmatismo político. Quem oferece mais votos sai com a promessa de um cargo num escalão mais alto. Daqueles com caneta, verba e tinta. Ou com uma emenda mais polpuda. Sem disfarçar, o ex-presidente Lula fala e age em nome do governo. Claro que nem tudo é escancarado. Duas precauções foram tomadas para evitar o flagrante das negociatas. Primeiro as câmeras do corredor do ex-presidente foram cobertas, impedindo o registro de quem circula no local – uma medida preventiva de quem possui experiência no assunto. Ainda está fresco na memória do PT as cenas filmadas dentro do quarto de um outro hotel em Brasília do ex-ministro José Dirceu negociando cargos com integrantes do alto escalão da República, antes de ser preso no escândalo do Petrolão. Outra medida adotada foi reservar as madrugadas para a intensificação das negociações. É o período onde o fluxo de parlamentares e ministros é mais intenso.

Nem sempre o fechamento do negócio é celebrado nas dependências do hotel localizado às margens do lago Paranoá em Brasília. Para obter o apoio do ministro dos Portos, Helder Barbalho (PMDB-PA), e de seu pai, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), Lula precisou alterar a rotina. Teve de visitar o paraense em sua própria residência, no dia seguinte à decisão do PMDB de deixar o governo. 

O esforço, ao menos para o PT, foi válido. Em jogo, estavam não apenas o eventual voto do senador, mas o de duas deputadas peemedebistas: sua esposa, Simone Morgado, e sua ex-mulher, Elcione Barbalho. O acordo foi fechado. A contrapartida oferecida pelo PT à família Barbalho é generosa: neste ano, Helder administrará um orçamento de aproximadamente R$ 3,2 bilhões para obras portuárias no Pará, estado do qual ele é pré-candidato a governador. Além disso, Jader conseguiu emplacar a indicação de seu antigo rival e hoje correligionário, o ex-senador e até então secretário-executivo da pasta comandada por Helder, Luiz Otávio Campos, para o comando da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Graças ao regalo obtido, Barbalho se tornou um dos mais ativos articuladores dentro do PMDB a favor de Dilma. Atua afinado com outro governista de carteirinha: o líder na Câmara, Leonardo Picciani. Sua sede desmedida por cargos lhe rendeu a alcunha de “rei do fisiologismo”.

Outro cacique do Senado que se dobrou às promessas de Lula foi o presidente nacional do Partido Progressista, Ciro Nogueira. Recentemente, ele foi alçado à condição de articulador oficial e, em incontáveis reuniões, levou ofertas a diversos aliados e indecisos. A negociação rendeu frutos ao governo: ele conseguiu postergar a decisão da bancada do partido – que conta com 51 deputados e seis senadores – sobre aderir ou não ao impeachment. Ciro é um dos mercadores pelo PP no balcão de negócios. Na Câmara, o PP conta com os préstimos de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já se posicionou declaradamente contra o impeachment. Exercem papel idêntico, só que pelo PR, o ministro de Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, e o ex-ministro e hoje deputado Alfredo Nascimento (PR-AM). São responsáveis pelo corpo-a-corpo com os parlamentares. Na retaguarda encontra-se o mensaleiro Valdemar Costa Neto, hoje de tornozeleira por estar na condicional, a quem cabe abençoar as decisões. Pelo PSD, quem arregimenta a tropa governista é o ministro das Cidades, Gilberto Kassab. Como o ex-prefeito de São Paulo não costuma dar um passo sequer sem combinar com seu padrinho político, o senador tucano José Serra, cabe a pergunta: de que lado estaria Serra neste momento? No PT, o mais aguerrido na busca por votos para Dilma é o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Além de cargos no governo, também estão em negociação a ocupação do comando de comissões estratégicas na Casa e relatorias importantes. Segundo um empresário que esteve na capital federal na última semana, a investida petista têm sido feita prioritariamente sobre deputados cuja base eleitoral fica localizada no interior do País. O Planalto dispõe de levantamentos mostrando que esses parlamentares são menos expostos às pressões do eleitorado. Por estarem mais presos às conveniências paroquiais, ficam mais suscetíveis às benesses do poder. Para estes, uma emenda ou cargo possuem um peso decisivo numa futura eleição.

As indecorosas pressões, no entanto, ainda não têm sido suficientes para reverter o placar ainda favorável ao impeachment. Pior: podem configurar mais um crime praticado por este governo – ou por representantes dele. Para o cientista político Bolívar Lamounier, Lula adota uma prática criminosa passível de prisão. Na última quarta-feira 7, Lamounier enviou ao procurador-¬geral da República, Rodrigo Janot, um ofício em que sugere a prisão preventiva do ex¬-presidente por “orquestrar e conduzir” a compra de votos de deputados federais. “Que se trata de uma prática criminosa, não há dúvida”, afirmou. Para o estudioso, a investida de Lula é mais danosa ao erário do que as ações dos coronéis que transformaram municípios do interior do País em feudos eleitorais.“Justiça seja feita, por execráveis que fossem suas ações de aliciamento eleitoral, eles as praticavam com recursos próprios, não com cargos e verbas públicas, como ocorre atualmente nas dependências do hotel brasiliense”.

O afastamento da presidente ainda é o cenário mais provável. A oposição, no entanto, mantém a mobilização temendo eventuais baixas. Na quinta-feira 7, o mapa do impeachment produzido pelos parlamentares de oposição André Moura (PSC-SE) e Mendonça Filho (DEM-PE) contabilizava 353 votos pró-impeachment, 131 favoráveis ao governo e 29 indecisos – onze a mais do que o necessário. Já na Comissão Especial que decidirá nesta semana se o processo deve ou não seguir para o Plenário, o cálculo é de que a oposição tenha 38 votos – quatro a mais. Horas antes de fechar o relatório diário, Moura se reuniu com o vice-presidente Michel Temer (PMDB), em Brasília, a quem constantemente abastece com atualizações sobre a radiografia do voto. “O que nós observamos é que quando algum indeciso decide votar com o governo, é porque ele foi cooptado. Eles mesmos admitem isso. Mas quando eles apoiam o impeachment, é ideológico”, afirmou o líder do PSC.

Uma das principais baixas sofridas pelo governo, nos últimos dias, foi o afastamento do Partido Republicano Brasileiro (PRB). A sigla tem declarado apoio crescente ao impeachment e esteve em peso no ato que anunciou a adesão majoritária da bancada evangélica à causa, na última quarta-feira 6. Entre os representantes, estavam João Campos (PRB-GO), Rosângela Gomes (PRB-RJ) e Tia Eron (PRB-BA). O presidente nacional da sigla, Marcos Pereira (PRB-SP), conta que nem a oferta de dois ministérios de Dilma, intermediada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), foi capaz de devolver o partido à base. “Ficaríamos muito desmoralizados. Além disso, nós fizemos uma pesquisa em São Paulo e mais de 70% dos eleitores criticaram nosso apoio ao governo”, explicou Pereira. Outro problema enfrentado pelo Planalto, além da debandada de aliados às vésperas da votação em plenário, é o que se pode chamar de overbooking de cargos. É que entre os próprios parlamentares soube-se que o governo estava oferecendo um mesmo cargo para vários políticos. Como Dilma prometeu honrar os compromissos apenas depois da votação do impeachment na Câmara, o clima de desconfiança paira no ar. Dos dois lados do balcão. “Tem gente vendendo terreno no céu. Prometem o que não podem entregar”, afirmou à ISTOÉ um parlamentar que pediu para não ser identificado. Em meio às negociatas e traficâncias do poder, resta saber quem vai trair quem. Que a vítima da traição não seja o povo brasileiro.

Governo Dilma está fechando para balanço. Últimas boquinhas. Corra!

• Para evitar sua liquidação do governo, presidente faz uma liquidação de cargos e abre uma estupenda queima de estoque, oferecendo posições ao baixo clero da Câmara

Rodrigo Rangel, Robson Bonin e Daniel Pereira – Veja

Quando era candidata à reeleição, Dilma Rousseff disse que poderia "fazer o diabo" para vencer a sucessão presidencial. Disse e fez, arruinando as finanças do país. Agora, com o mandato ameaçado, ela recorre outra vez ao tinhoso - o tinhoso do fisiologismo, aquele que mercadeja emendas e cargos em ministérios e estatais por um punhado de votos, ou um único voto. Para escapar do impeachment, a faxineira ética de outrora passou a assediar congressistas dispostos a colocar seu "sim" ou "não" no mercado.

O baixo clero, formado pelos políticos mais inexpressivos do Congresso, está, naturalmente, em festa. É o caso do deputado José Maria Macedo Júnior, do PP do Ceará. Macedão, como é conhecido, é dono de uma empresa que fornece canos e tubulações para obras federais, inclusive para a transposição do Rio São Francisco, que lhe rendeu 50 milhões de reais em 2015. Apesar de exercer seu primeiro mandato na Câmara, ele foi alçado, na semana passada, à gloriosa condição de responsável pela indicação do novo diretor-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), que tem orçamento anual de mais de 1 bilhão de reais e cujos projetos atiçam a cobiça da firma... da firma... do próprio Macedão!

É isso: em troca de um único voto, o governo colocou o deputado-empresário nos dois lados do balcão de negócios. Deu resultado. Macedão, antes indeciso, agora fechou contra o impeachment. Com o desembarque do PMDB do consórcio governista, Dilma e o ex-pre¬si-den¬te Lula passaram a cortejar partidos de médio e pequeno portes e oferecer as benesses do poder aos integrantes do baixo clero, que se preocupam menos com a opinião pública e, por isso, têm mais facilidade para mudar de lado, principalmente quando convidados a participar do rateio de um butim suculento.

Calouro na Câmara, o deputado Francisco Chapadinha, do PTN, foi convidado a indicar o novo superintendente do Incra em Santarém, na região oeste do Pará, sua base eleitoral. De pronto, aceitou a proposta.

De pronto, trocou a condição de indeciso e passou a entoar o coro "Não vai ter golpe". De pronto, justificou-se a um colega: "Nunca ganhei nada. Agora que me ofereceram, não posso deixar de aceitar".

O esforço contra o impeachment conta com a ajuda de governadores amigos, que acertam com os deputados de seus respectivos estados a parte de cada um no queimão do governo.

61% defendem impeachment de Dilma, e 58, o de Temer

Maioria quer que Dilma e Temer saiam, mostra pesquisa Datafolha

Fernando Canzian – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Nova pesquisa Datafolha realizada na semana passada mostra que a maioria da população é favorável tanto ao impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) quanto de seu vice, Michel Temer (PMDB). Os brasileiros em sua maioria também apoiam a renúncia dos dois.

A taxa dos que defendem a renúncia de Dilma e de Temer é a mesma: 60%. Já o apoio ao impeachment de Dilma caiu de 68% no levantamento realizado nos dias 17 e 18 de março, para 61% nesta última pesquisa, feita nos dias 7 e 8 de abril.

A taxa dos que hoje defendem o impeachment de Temer é semelhante, de 58%. São contrários à saída do vice-presidente 28%, os indiferentes somam 5% e os que não opinaram, 9%.

Foi a primeira vez em que o Datafolha perguntou à população a respeito do apoio à renúncia e ao impeachment do vice-presidente da República.

Para o levantamento, foram realizadas 2.779 entrevistas em 170 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

A pesquisa também detectou uma redução, de 65% para 60%, no apoio à renúncia da presidente Dilma. As taxas dos que apoiam seu afastamento via o processo de impeachment ou pela renúncia voltaram para os patamares de fevereiro.

No caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente, 79% dos brasileiros são favoráveis à realização de uma nova eleição para a Presidência da República. Uma parcela de 16% é contrária, e 4% são indiferentes ou não opinaram a respeito.

O levantamento indica que, em março, quando o apoio à saída da presidente chegou ao patamar mais elevado, a população estava sob o impacto da maior manifestação contra o governo registrada até agora, quando cerca de 500 mil pessoas, segundo o Datafolha, protestaram contra Dilma e o PT na av. Paulista, em São Paulo.

Além da capital paulista, várias outras cidades tiveram manifestações no dia 13 de março. O campo da pesquisa no mês passado foi feito logo depois, nos dias 17 e 18.

Grampo e depoimento
Na véspera do início da pesquisa de março, também haviam sido divulgadas gravações entre Dilma e o ex-presidente Lula combinando a ida do petista para o governo como ministro da Casa Civil.

Dias antes, Lula havia sido levado para depor de forma coercitiva na Polícia Federal por suspeitas de ter sido beneficiado por empreiteiras envolvidas na Lava Jato na reforma de um sítio em Atibaia e de um apartamento tríplex em Guarujá (SP).

Já neste mês de abril, em especial nos últimos dias, o Palácio do Planalto e o ex-presidente Lula lançaram uma ofensiva para tentar convencer a população de que o impeachment seria um "golpe contra a democracia", tese também apoiada por vários segmentos políticos e algumas personalidades.

A reprovação ao governo Dilma recuou entre março e abril, e atualmente é avaliado como ruim ou péssimo por 63% dos brasileiros, ante 69% no último levantamento. Com o recuo, o percentual dos que desaprovam sua gestão volta ao patamar de fevereiro (64%).

Na consulta espontânea sobre qual o melhor presidente que o Brasil já teve, Lula foi citado por 40%, índice superior ao registrado em março (35%) e mais próximo também aos 37% apurados na pesquisa feita em fevereiro.

O índice atual, porém, segue distante do alcançado pelo petista em novembro de 2010, penúltimo mês de seu segundo mandato, quando era apontado por 71% como o melhor presidente da história brasileira.

O segundo colocado na pesquisa espontânea é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com 14%.

Lula monta 'QG' em hotel de Brasília para tentar salvar Dilma

Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em uma uma mesa redonda de cinco lugares na antessala do quarto 4050, no segundo piso de um hotel de luxo em Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta fechar os termos de um acordo para salvar o governo Dilma Rousseff.

Pessoas que participaram dessas conversas resumem o discurso vendido por Lula em uma frase: "O que você precisa para ficar com a gente?"

A pergunta é acompanhada da promessa de que os que forem fiéis a ele agora serão recompensados em uma nova fase do governo, que estará sob sua coordenação.

O ex-presidente afirma que vai mexer na condução da economia tão logo o governo consiga barrar o impeachment no plenário da Câmara e ajudará a restabelecer a interlocução do Executivo com o Congresso, uma das principais críticas dos parlamentares em relação à presidente.

Apesar da baixíssima popularidade de Dilma e de seu próprio desgaste pessoal, Lula se tornou o principal ativo da articulação política do Planalto desde que o processo de impedimento da petista se acelerou. No hotel, ele tem se reunido com presidentes e líderes de diversos partidos, além de deputados, senadores, governadores e até mesmo ministros de Estado.

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), por exemplo, esteve três vezes no hotel com Lula nos últimos dez dias. Após as conversas com o ex-presidente, o PP se tornou, junto com PR e PSD, parte do bloco para o qual o governo prometeu três dos seis ministérios hoje ocupados pelo PMDB.

Além de traçar a estratégia para conseguir os 172 votos necessários para derrubar o impeachment, Lula acompanha pessoalmente um mapa de potenciais votos dividido por Estados.

"Ele tem conversado com todo mundo, de vários partidos, com as pessoas com quem tem relação, porque tem gente que é só com ele. Ele é o Lula", disse à Folha o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), responsável direto pela articulação política do Planalto.

"Lula é uma referência dentro do governo ou fora dele, mas é claro que o preferimos dentro", completa.

A ressalva para o discurso de Lula diante dos aliados veio nesta quinta-feira (7), justamente quando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mudou sua avaliação e enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação da nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil.

Publicamente e até mesmo nos bastidores aliados e integrantes do governo afirmam que Lula não está tratando de cargos para convencer os deputados a votar contra o impeachment, mas tem feito toda a amarração política para "dar esperança" de que "as coisas vão mudar".

Para a oposição, a movimentação de Lula e dos governistas para angariar apoio a Dilma envolve mais do que cargos e verbas. Fala-se abertamente de compra de deputados por valores que variam entre R$ 400 mil por uma ausência e até R$ 2 milhões por um voto pró-governo. Nos corredores da Câmara, o assunto é corrente, mas até aqui não surgiu nenhum caso comprovado. O governo nega a prática.

Os dirigentes partidários contam que a tratativa de cargos é feita com Berzoini e com Jaques Wagner, que saiu da Casa Civil para abrir espaço a Lula e hoje é chefe de gabinete da Presidência.

Dia e noite
Para integrantes do governo e da base aliada, Lula pode perder força, visto que não há garantias de que o STF dará o aval para que ele ocupe a chefia da Casa Civil. Há, porém, quem ainda aposte na ascendência dele sobre o governo, mesmo de fora, e continue o périplo ao do hotel em que tem se hospedado.

O petista tem mantido uma rotina exaustiva nos três ou quatro dias por semana que tem passado em Brasília. Faz várias reuniões por dia, toma café da manhã, almoça e janta com aliados e, algumas vezes, ainda encontra Dilma.

Governo só bateu meta fiscal de 2013 porque 'pedalou'

Gustavo Patu – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ano eleitoral de 2014 mal havia começado quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, apressou-se em anunciar que havia sido cumprida a meta fixada para as contas do Tesouro Nacional no ano anterior.

Naquele 3 de janeiro, as dúvidas sobre a solidez orçamentária do governo já eram generalizadas entre os analistas. Mantega disse que estava antecipando os dados para "acalmar os que estavam nervosinhos".

Dados do Banco Central revelam hoje, no entanto, que a meta daquele ano só foi atingida devido às manobras conhecidas como pedaladas fiscais –que são a base do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Em outras palavras, gastos a cargo do Tesouro haviam desaparecido das estatísticas ao serem assumidos, na prática, por bancos federais e pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

De acordo com os dados oficiais de 2013, as receitas do governo superaram em R$ 76,6 bilhões as despesas com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimento –a Fazenda havia prometido uma poupança de R$ 73 bilhões.

Por determinação do Tribunal de Contas da União, o BC apurou o impacto das pedaladas nas contas públicas desde 2001. Os cálculos mostram que, sem o artifício, o superavit de 2013 não teria passado de R$ 62 bilhões.

Desde a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, há 16 anos, nunca houve descumprimento da meta estabelecida para o governo federal. Dado o ineditismo, há dúvidas sobre que sanções seriam aplicadas nesse caso.

As pedaladas ajudaram a administração petista a mascarar a intensidade da piora das contas do Tesouro –que, em 2014, se tornaram deficitárias e acabaram reprovadas pelo TCU, pela primeira vez desde 1937.

Deficit encoberto
As manobras também permitiram que o resultado do Tesouro acumulado em 2014 se mantivesse no azul até a reeleição de Dilma.

Ao final de setembro, às vésperas do primeiro turno, divulgou-se que um modesto superavit de R$ 1,6 bilhão havia sido obtido de janeiro a agosto; sem as pedaladas, haveria deficit de R$ 5,2 bilhões.

Ao final de outubro, após o segundo turno, o governo anunciou um deficit de R$ 19,4 bi até setembro (R$ 27,7 bi sem pedaladas) e assumiu que seria necessário alterar a meta de superavit fixada para o ano.

Os dados do BC mostram que os saldos do caixa do Tesouro –ou resultado primário no jargão orçamentário– praticamente não eram afetados pelas pedaladas antes do governo Dilma.

O Tesouro repassa dinheiro a seus bancos para a execução de políticas de governo –a Caixa Econômica Federal, por exemplo, realiza os pagamentos do Bolsa Família e do seguro-desemprego.

Quando os recursos transferidos são insuficientes, o banco se vale de recursos próprios, que devem ser ressarcidos depois pelo Tesouro. O Planalto argumenta que atrasos do gênero ocorreram em governos anteriores.

Entre 2001 e 2008, porém, os repasses pendentes não ultrapassavam a casa de 0,4% da receita do Tesouro. Essa proporção iniciou tendência de alta em 2009, quando o governo decidiu enfrentar os efeitos recessivos da crise internacional com a alta do crédito e do gasto público.

Os atrasos chegaram a 5,1% da receita em 2014, quando passaram a ser chamados de pedaladas. Para o TCU, o governo tomou crédito de seus bancos, o que é vedado pela legislação.

ELEIÇÕES E PEDALADA
Governo assumiu deficit após votação

Antes das eleições
Resultado fiscal no fim de setembro de 2014
R$ 1,6 bilhão é o superavit com pedaladas
R$ 5,2 bilhões é o deficit sem pedaladas

Após as eleições
R$ 19,4 bilhões é o deficit com pedaladas
R$ 27,7 bilhões é o deficit sem pedaladas

RECEITA E PEDALADA
Dívida acumulada com bancos federais e o FGTS

Entre 2001 e 2008
Não ultrapassa 0,4% da receita do Tesouro
Em 2014
Atinge 5,1% da receita do Tesouro

Combate à corrupção já enfrenta ataques

• Especialistas veem em propostas no Parlamento perigo para investigações

Mudanças em acordos de leniência com empresas infratoras, proibição de que presos façam delação premiada e alteração no prazo para concluir inquéritos são medidas que ameaçam combate a irregularidades, dizem analistas

Enquanto a Lava-Jato revela esquemas de corrupção no país, propostas sobre o tema proliferam no Congresso, mas, na visão de analistas, muitas podem ter o efeito contrário, travando investigações e amenizando punições, conta Cleide carvalho. Algumas já em vigor, como a medida provisória que modificou acordos de leniência com empresas infratoras, são criticadas por especialistas.

Risco de impunidade

• Especialistas alertam que projetos em curso no Congresso podem dificultar investigações

Cleide Carvalho - O Globo

-SÃO PAULO- Nos últimos dois anos, enquanto a Operação Lava-Jato revelava minúcias da corrupção no Brasil, inúmeros projetos foram apresentados ao Congresso para regular o tema. Em 2015, foram cerca de 200 proposições, cinco vezes a média dos últimos dez anos. O que se vê, no entanto, é que a preocupação com o assunto pode não resultar em maior resguardo da população brasileira. As propostas que tramitam com mais rapidez são justamente as que podem criar dificuldades para investigações ou embutem mecanismos que abrandam punições.

No total, 528 proposições que versam sobre corrupção tramitam pelas comissões da Câmara dos Deputados e do Senado sem que se transformem em leis capazes de moralizar a administração pública. Algumas estão no Congresso há uma década. Em 2005, Anselmo de Jesus, um agricultor que chegou à Câmara eleito pelo PT de Rondônia, decidiu cortar na própria carne. Apresentou uma proposta de emenda à Constituição que extingue o foro privilegiado para deputados e senadores. Em dez anos, recebeu um único parecer favorável, até hoje não votado.

— No Congresso, o mais fácil é fazer um projeto parar. Difícil é fazer andar — diz o deputado Mendes Thame (PV-SP), presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção.

Na contramão da proposta de Anselmo de Jesus, parlamentares passaram a discutir nas últimas semanas a ampliação do foro privilegiado a ex-ocupantes de cargos públicos, como presidentes da República. Incomodados com os dois anos de atuação da Lava-Jato, muitos parlamentares já defendem um prazo máximo de duração para as investigações. Um projeto de lei do senador Blairo Maggi (PR-MT), por exemplo, estabelece o prazo de 12 meses, prorrogável por igual período uma única vez, para a conclusão de inquérito. Se esse prazo já estivesse em vigor, muitos inquéritos abertos pela Lava-Jato seriam prejudicados.

Projetos que tramitam com rapidez têm gerado receios entre os adeptos de medidas duras contra a corrupção. No fim de março, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), determinou que o projeto de revisão do Código Penal, apresentado em 2010, passasse a tramitar em comissão especial, agilizando seu andamento. Mais de 80 projetos de lei já foram apensados — 44 deles apresentados depois do início da Lava-Jato. A corrida gera incertezas.

— A sociedade precisa ficar atenta. Chama atenção que mudanças importantes no Código Penal entrem na pauta de discussões neste momento conturbado — afirma Rodrigo Chemin, procurador da República no Paraná.

Para Chemim, o Brasil corre o risco de repetir o que aconteceu na Itália depois da Operações Mãos Limpas, quando os políticos passaram a mudar as leis para garantir a impunidade e evitar que continuassem a ser alcançados por investigações sobre pagamento de propinas.

Em 2014, quando a Polícia Federal cumpriu a primeira fase da Lava-Jato, o alvo ainda era a atuação de doleiros. O esquema de corrupção na Petrobras, com participação de partidos políticos e das maiores empreiteiras do país, só foi desvendado no decorrer das investigações. Até março, haviam sido instaurados 1.114 procedimentos investigatórios.

— É pelo Parlamento que pode começar a mudança para alcançar maior efetividade da legislação penal em crimes do colarinho branco; mas é também pelo Parlamento que o caminho inverso pode se concretizar, permitindo a perpetuação de modelos corruptos de fazer política — alerta Chemim.

Mendes Thame vê nas discussões do marco regulatório de bingos e cassinos no Brasil, hoje proibidos, uma facilitação da lavagem de dinheiro. O lobby, segundo Thame, é poderoso, ao sinalizar com empregos e investimentos internacionais:

— Éa maior lavanderia do mundo. De um lado, o dono do bingo simula perda. De outro, o dono da fortuna ilícita simula ganho e legaliza o dinheiro sujo — explica.

Para Thame, porém, nada é mais grave do que a tentativa do próprio governo de beneficiar as empreiteiras com uma medida provisória que muda as regras do acordo de leniência, permitindo que eles sejam negociados sem a participação do Ministério Público. A medida, que está em vigor mas precisa ser confirmada pelo Congresso até 29 de maio para não perder seus efeitos, também prevê que a celebração do acordo impede a continuação de ações de improbidade.

— Projetos tentam burocratizar as investigações, obrigando que o Ministério Público notifique o advogado do investigado a cada ato. Todos sabemos que a demora leva à impunidade — diz o promotor Roberto Livianu, do Ministério Público Democrático e do Instituto Não Aceito Corrupção.

Segundo Livianu, com a bandeira de moralizar o pagamento a servidores, o Executivo incluiu num projeto o corte de auxílios pagos a juízes e procuradores.

— É uma clara retaliação às investigações feitas pelo Ministério Público.

Propostas do MPF podem virar lei em um ano

• Mais de 2 milhões de assinaturas foram recolhidas em apoio a 10 medidas

- O Globo

-SÃO PAULO- Em apenas nove meses, a campanha “10 Medidas Anticorrupção", idealizada pelo Ministério Público Federal, obteve dois milhões de assinaturas para virar projeto de lei. Numa única proposta de iniciativa popular foram reunidas medidas para inibir a corrupção e punir o enriquecimento ilícito de agentes públicos.

O projeto de Lei 4.850/2016 reúne 20 propostas legislativas, divididas em 10 temas, e a previsão é que sua tramitação na Câmara dos Deputados, que ocorrerá em Comissão Especial, dure pelo menos um ano. A campanha foi coordenada pelo procurador da Operação LavaJato Deltan Dellagnol.

O deputado Mendes Thame (PV-SP), que subscreveu a proposta, explica que já existiam no Congresso muitos projetos de lei destinados a coibir a corrupção, que ficavam emperrados. Agora, segundo ele, a notoriedade dada à corrupção pela Operação Lava-Jato deve ajudar a mobilizar a sociedade para aprovação, como ocorreu com a Lei da Ficha Limpa.

Uma das novidades é a vinculação do tempo de pena ao volume de recursos envolvidos. Para valores até R$ 80 mil o tempo de pena varia de quatro a 12 anos. Para quantias entre R$ 80 mil e R$ 799 mil, a pena varia de sete a quinze anos de prisão. Se o valor for maior do que R$ 800 mil, a prisão será de 10 a 18 anos. Em casos de quantias superiores a R$ 8 milhões, a pena alcança entre 12 e 25 anos de reclusão.

O tratamento para altos valores seria o mesmo do crime hediondo.

A punição mínima para o crime de corrupção passa de dois para quatro anos.

O enriquecimento ilícito de agentes públicos também passaria a ser crime. Caso possua recursos incompatíveis com sua renda e que não possa comprovar a origem, o servidor público pode ser condenado a pena entre três a oito anos de prisão.

Segundo o promotor Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, a discussão centrada em torno do impeachmet tira o foco dos demais projetos em tramitação no Congresso Nacional.

Itália teve até decreto salva-ladrões

- O Globo

Estudioso da Operação Mãos Limpas, o procurador Rodrigo Chemim reuniu uma série de leis adotadas na Itália para livrar políticos de investigações e perpetuar a corrupção. A lista assusta e dá uma ideia de até onde políticos podem chegar em benefício próprio.

Num só decreto, o ministro da Justiça, Giovanni Conso, eliminou, em 1993, as penas do financiamento ilícito a partidos políticos e determinou a volta do sigilo das investigações, que havia sido eliminado do Código de Processo Penal italiano em 1988.

Em 1994, foi aprovado o Decreto Biondi, que ficou conhecido como “salvaladri” salva-ladrões. O decreto proibiu a prisão preventiva para crimes contra a administração pública e o sistema financeiro. No máximo, os acusados podiam ser colocados em prisão domiciliar. Segundo Chemim, o decreto foi tão escandaloso e deixou a população tão indignada que ficou em vigor apenas uma semana.

Assim como na Lava-Jato acusados contestam as provas vindas da Suíça, na Itália o primeiro ministro Sílvio Berlusconi chegou a aprovar uma lei que anulava todas as provas provenientes do exterior por cartas rogatórias. As provas teriam sido enviadas diretamente aos investigadores, sem passar antes pelo Ministro da Justiça. A medida, segundo Chemim, resultou numa forte insatisfação dos demais países envolvidos. Mais tarde, os tribunais concluíram que a lei contrariava convenções internacionais assinadas pela Itália.

Uma lei também suspendeu processos contra os presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado, do Conselho dos Ministros e da Corte Constitucional. Adotada em junho de 2003, ela acabou durando menos de um ano. Foi julgada inconstitucional.

Oposição:ato da Caixa reforça impeachment

A revelação de que a Caixa Econômica ignorou recomendação de seu Conselho de Administração contra “pedaladas” fortalece o processo de impeachment da presidente Dilma, defende a oposição.

Oposição acha que decisão da Caixa reforça processo

• Instituição ignorou recomendação interna contra ‘pedalada’; petista diz que grave seria não pagar programas sociais

Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- Parlamentares da oposição afirmam que a informação de que a Caixa ignorou em 2014 recomendação do seu próprio Conselho de Administração contra as operações chamadas de “pedaladas fiscais” reforça o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Do lado do governo, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) argumenta que mais grave teria sido se o banco público interrompesse o pagamento de programas sociais.

Reportagem do GLOBO de ontem, com base em atas sigilosas do Conselho de Administração da Caixa, mostra que o órgão recomendou, em 6 de junho de 2014, que o banco deixasse de pagar benefícios, diante da falta de definição jurídica sobre a legalidade das operações, uma vez que o governo estava atrasando os repasses. A direção ignorou a orientação e manteve o pagamento, com o argumento de que um parecer jurídico de 24 de junho daquele ano sustentava a legalidade. Esse parecer, porém, só foi submetido ao Conselho em 25 de setembro.

Coordenador do comitê pró-impeachment, o deputado Mendonça Filho (DEM-SE) diz que a informação reforça a gravidade das “pedaladas fiscais” e o uso pelo governo dos bancos públicos durante as eleições de 2014. Ele defendeu que o Ministério Público apure o caso.

— Houve uma conexão toda do uso político da Caixa para viabilizar a reeleição da presidente. Os programas sociais foram financiados ilegalmente, o que configura crime de responsabilidade e reforça a tese do impedimento. É mais uma informação relevante que deve ser levada em consideração no julgamento pelo Senado — disse Mendonça Filho.

Caixa destaca pareceres jurídicos favoráveis
O deputado Otavio Leite (PSDB-RJ), presidente do diretório estadual do PSDB, vai entrar amanhã com requerimentos de informação na Câmara pedindo que sejam enviadas à Casa cópias de todas as atas do Conselho de Administração da Caixa. Solicitará ainda uma comissão geral para que sejam ouvidos o então presidente da Caixa, Jorge Hereda, e o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele buscará ainda informações na Procuradoria da República do Distrito Federal.

— Essas informações se somam a um elenco gigantesco de provas de que houve improbidade administrativa no governo Dilma. Acho que está configurada uma prepotência administrativa, um vale-tudo fiscal. É mais uma prova de que o impeachment é indispensável — afirmou o tucano.

Em nota encaminhada ontem pela assessoria, a Caixa nega que ignorou recomendação do Conselho e reitera que pareceres jurídicos deram embasamento às operações. Segundo a nota, a análise jurídica do caso concluiu pela legalidade dos pagamentos, o que foi referendado por análises jurídicas posteriores da Procuradoria Geral do Banco Central, em 11 de agosto de 2014, e da Advocacia Geral da União, em 31 de março de 2015. Mas a nota deixa claro que a Caixa manteve os pagamentos sem que o caso voltasse a ser submetido ao Conselho para que a suspensão recomendada fosse revogada.

“Diante da grande relevância dos programas sociais, e havendo posicionamento jurídico favorável, a Caixa optou, por cautela, manter os pagamentos, a fim de preservar os direitos dos beneficiários dos programas sociais. Decisão esta que foi referendada por parecer técnico do Tribunal de Contas da União (TCU), no processo que analisa o caso, em 11/03/16”, diz a nota da CEF. “Destaque-se que até 2014 os pagamentos nunca haviam sido questionados pelo TCU, apesar de a prática ocorrer desde 1994. Desde então, a soma de todos os fundos relativos aos programas sociais manteve saldo médio positivo ao final de cada ano, sempre a favor da Caixa, que PAGOU remuneração à União por este saldo positivo”, completa a nota.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) ressalta que o caso não pode ser tratado no processo de impeachment porque esse restringe-se ao ano de 2015. Ele defende a atuação da Caixa afirmando que a instituição poderia ter provocado problema maior se parasse de pagar os programas sociais.

— Seria mais grave se a Caixa tivesse parado de pagar os programas sociais. Certamente o Conselho de Administração se pautava em uma recomendação do TCU, que não tem força legal. Como no final do ano houve o ajuste, a direção da Caixa agiu bem, ainda mais tendo em vista o mérito do pagamento — disse o petista.

STF não deve rever decisão sobre Dilma

A decisão do Congresso sobre o impeachment não deverá ser alterada pelo STF. Ministros da Corte querem evitar conflito de poderes.

Tendência no Supremo é não rever a decisão do Congresso

• Para ministros, Judiciário não deve interferir em temas do Legislativo

Carolina Brígido - O Globo

-BRASÍLIA- Se o Congresso Nacional condenar a presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment, o Supremo Tribunal Federal (STF) não deve rever o mérito da questão. Ou seja, a Corte não vai reavaliar se a presidente teve culpa, se as provas consideradas são válidas ou se as chamadas “pedaladas fiscais” configuram crime de responsabilidade.

O papel do tribunal será apenas o de analisar se a parte formal da tramitação do processo foi correta. Em caso negativo, seria a única possibilidade de reverter uma eventual condenação de Dilma.

Esse é o entendimento de ao menos quatro integrantes do tribunal que falaram reservadamente ao GLOBO. Na Corte, cresce a cada dia a tese de que o Judiciário não deve se intrometer nos assuntos do Legislativo quando o tema é impeachment. Isso por se tratar de um tipo de processo principalmente político, com regras e parâmetros de julgamento diferentes das ações que tramitam na Justiça.

Como os ministros podem julgar recurso do governo contra uma eventual condenação, muitos preferem não falar abertamente sobre o tema. Segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), um juiz não pode dar declaração pública sobre um tema que julgará no futuro. Mas alguns comentários recentes dão conta da posição dos integrantes do STF sobre o assunto. Exemplo disso é o ministro Luiz Roberto Barroso, que disse a deputados da comissão especial formada para analisar o impeachment que a decisão sobre o processo é de exclusividade do Congresso.

— O que os senhores decidirem na Câmara e, depois, o que o Senado decidir, é o que vai prevalecer. Quer dizer, o Supremo não tem nenhuma pretensão de juízos de mérito nessa matéria — disse Barroso a parlamentares em 28 de março.

Já o ministro Marco Aurélio Mello, que costuma ser voz dissonante no tribunal, deu a entender que o Supremo poderia revisitar o mérito do processo de impeachment no julgamento de recurso a uma eventual condenação.

— Pode (recorrer). O Judiciário é a última trincheira da cidadania. E pode ter um questionamento para demonstrar que não há fato jurídico, muito embora haja fato político, suficiente ao impedimento — disse Marco Aurélio em 30 de março.

Em dezembro do ano passado, o STF definiu um rito para o processo de impeachment no Congresso, estabelecendo prazos para a defesa e para a acusação, e a tramitação que o caso deve seguir. Isso foi feito com base na Constituição Federal, nos regimentos internos da Câmara e do Senado e na Lei do Impeachment.

O modelo que os ministros da Corte querem seguir é o de 1992, quando o então presidente Collor respondeu a processo no Congresso. Na época, o STF não se manifestou sobre o mérito do caso, só à questão formal de tramitação.

Se a Câmara admitir a acusação contra Dilma, o processo seguirá para o Senado e, lá será presidido pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski. A interlocutores, Lewandowski tem dito que quer deixar as questões políticas do impeachment exclusivamente a cargo do Congresso. Em reunião recente com parlamentares, o ministro deu um recado claro: não se pode reclamar de ativismo judicial quando o Congresso não consegue resolver as questões políticas e manda tudo para o STF solucionar, em forma de ações e recursos.

Marco Aurélio, no entanto, deixou claro em março que, na visão dele, o impeachment de Dilma não representaria solução para a crise política e econômica brasileira.

— Não interessa de início, ao Brasil, apear esse ou aquele chefe do Executivo nacional ou estadual. Porque, a meu ver, isso gera até mesmo muita insegurança. O ideal seria o entendimento entre os dois poderes (Executivo e Legislativo), como preconizado pela Constituição Federal, para combater-se a crise — argumentou o ministro.

‘Efeitos da crise ainda devem durar muito’

• Especialista em sistemas eleitorais, cientista político acredita que turbulências vão se estender e prevê dificuldades para os partidos, qualquer que seja o desfecho do impeachment: ‘Temos um encontro marcado com uma economia destruída’, afirma.

Marco Grillo - O Globo

O cientista político Jairo Nicolau diz que hoje não há no país uma força política capaz de promover a união nacional e prevê uma crise longa.

• O desgaste do PT inviabiliza um novo governo de esquerda no país?

Os partidos de esquerda têm conseguido, juntos, entre 20% e 25% das cadeiras da Câmara dos Deputados. A esquerda governa o país nestes 13 anos porque fez uma coalizão com as forças de centro e centro-direita. Essa aliança parece ter chegado ao fim. O PT perdeu quadros importantes e tem visto seu apoio na opinião pública desmanchar. Uma parte do espólio petista provavelmente vai ser capturada por outras legendas. Mas nenhuma delas parece ter a força e o magnetismo do PT no seu momento de crescimento. Outro fator é que as forças que se juntaram em defesa da presidente são muitos díspares, com diferenças que reaparecerão em breve. O PSOL fazia oposição cerrada ao governo. Meses atrás, um documento do PT fez duras críticas à condução econômica do governo.

• Em caso de impeachment, o PMDB é capaz de comandar um governo de união nacional?

Não tenho grandes ilusões com o dia seguinte à votação do pedido de impeachment no plenário da Câmara. Os desafios são gigantescos. Concentramos uma enorme energia nas discussões sobre o impedimento da presidente, e os temas fundamentais sumiram da agenda. Temos um encontro marcado com uma economia destruída e com a piora das condições de vida da população. Não creio que nenhuma das forças políticas tenha condição de promover um governo de união nacional, como já assistimos em outros países em momentos de crise. Vejo fortes semelhanças entre a base parlamentar de um eventual governo Temer e a de Itamar Franco (ex-presidente): PMDB, DEM, PSDB, PPS e pequenos partidos de centro-direita. A diferença é que Temer terá uma oposição de esquerda muito mais consistente no Legislativo e fora dele, comandada por Lula e Dilma. A mobilização contra o impedimento não vai parar, pelo menos até a decisão do Senado. Sem contar que as investigações da Lava-Jato estão longe do fim, e diversos líderes do PMDB estão sendo investigados pelo STF.

• Caso o impeachment não passe, qual será o futuro do PMDB?

O PMDB nunca esteve completo em nenhum governo. Sempre deu espaço para que lideranças individuais e diretórios estaduais não participassem e até fizessem oposição. Foi assim com o governo de Fernando Henrique, tem sido assim na era petista. Mas, depois dessa polarização a que estamos assistindo, creio que setores expressivos do partido não tenham como voltar para o governo.

• Em um cenário de impeachment, como ficará o PSDB?

O conflito PT versus PMDB tirou o protagonismo do PSDB no processo de impedimento. Diga-se de passagem, o partido nunca foi um grande entusiasta da ideia. Imagino que o PSDB estará na base de um eventual governo Temer. Não tem outro jeito. Mas o partido não tem força para condicionar esse apoio a qualquer compromisso eleitoral para 2018.

• Com qual coalizão Dilma poderá contar se ficar no poder?

A base da coalizão é essa que estamos vendo para bloquear o impeachment: PT, PCdoB, PDT, pequenos partidos de centro-direita e setores do PMDB. O governo recorreu às negociações individuais, à pequena política e às promessas de futura participação no governo para sobreviver. Até ao PTN, com 13 deputados, foi prometido um ministério. Com isso, o governo perdeu uma parte do centro mais tradicional e terá que se ancorar em setores mais pragmáticos da direita. Uma péssima troca.

• Essa base é suficiente para sustentar o governo?

Esses partidos, somados aos de esquerda, dão ao governo entre 150 e 200 votos na Câmara dos Deputados. O que garante a aprovação da legislação ordinária. Mas não podemos esquecer que, desde meados de 2014, o governo praticamente não conseguiu aprovar nada relevante no Congresso. Para piorar, o deputado Eduardo Cunha tem conseguido sobreviver e, se não for afastado, ainda deve ser um fator de desestabilização para o governo até acabar o seu mandato, em 31 de janeiro de 2017.

• O parlamentarismo seria uma boa solução para o país?

Não acredito que seja hora de trazer esse tema à discussão. Já tivemos a péssima experiência de 1961, de buscar na mudança do sistema de governo a solução de uma crise política. Ninguém foi iludido com uma característica fundamental do presidencialismo, que é o mandato fixo. Se os governos acabam antes do prazo, paciência. O parlamentarismo também tem problemas. A Bélgica levou mais de um ano em negociações parlamentares para formar um governo. Sem contar que governos altamente impopulares, como o de John Major (ex-primeiro-ministro inglês), não caíram, mesmo com a possibilidade de o voto de desconfiança ser utilizado.

• A antecipação das eleições para outubro seria uma boa solução?

Eleição para presidente somente se o TSE anular as eleições de 2014. A outra alternativa, a renúncia simultânea de Dilma e Temer, me parece uma quimera. Também não vejo base política ou legal para encurtar um mandato por meio de emenda constitucional.

• A presidente sempre foi criticada pelo isolamento. Faltou a ela fazer política?

Esta característica foi agravada pela incapacidade de ter um operador político, um ministro da Casa Civil, que comandasse as negociações com o Congresso.

• Há uma análise de que o funcionamento das instituições, mesmo na crise, é um sinal de amadurecimento do país. Concorda?

Só depois de passarmos esta tormenta é que conseguiremos fazer uma avaliação cuidadosa das instituições brasileiras. Tendo a concordar com a visão de que elas estão funcionando, mas algumas questões me preocupam. A primeira é o crescente divórcio entre o sistema representativo e a sociedade brasileira. Os primeiros sinais apareceram em 2013, se aprofundaram nas eleições de 2014, com a alta taxa de votos nulos e em branco para o Congresso e, mais recentemente, na rejeição aos partidos políticos. Acho que o sistema partidário que organizou a política pós-1988 vive uma crise sem precedentes. A segunda é o poder discricionário de algumas figuras individuais sobre instâncias coletivas das suas instituições. Por exemplo: o que o (presidente da Câmara) Eduardo Cunha tem feito para retardar os trabalhos da Comissão de Ética e para decidir sobre o impeachment; e algumas decisões solitárias de ministros do STF sobre temas fundamentais, como a posse do (ex-presidente) Lula no Ministério, ou o pedido de abertura de impeachment do Michel Temer.

• Há condições para que as pontes entre governo e oposição sejam refeitas, seja qual for o resultado do processo de impeachment?

O clima não está para isso, e a votação em plenário tenderá a esgarçar mais as relações. A tendência é que os efeitos da crise ainda durem muito.

"Estamos no limiar de uma transição" – Raimundo Santos

Entrevista concedida ao jornal Rural Semanal, 08/04/2016

• Como o senhor avalia o atual momento político do país, com a polarização entre grupos pró e contra o impeachment da presidente Dilma Roussef?

Raimundo Santos – Vivemos num tempo de águas turvas que tornaram a política, de práxis inteligível e terreno para a busca de entendimentos e soluções, em um lugar de exposição de obscuridades que ora ameaçam conduzir nossos passos. Há uma polarização criada por Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) para separar uns de outros, impondo que se tome um dos lados contrapostos no seu lema “nós e eles”. A larga difusão, por mais de uma década, desse tipo polarização tornou-se fonte de um sentimento de confronto desconhecido entre nós nas dimensões que vem assumindo. Ele se espalhou em áreas do tecido social, inclusive se estendeu nas mobilizações contra o governo.

Lula e o PT fazem de tudo para converter a pregação do “nós e eles” em tensão principal do país, como se o Brasil não fosse um país moderno. Os protestos de junho de 2013 vieram interditar essa visão simplificadora da vida nacional. Chamaram a atenção para o grande distanciamento existente entre a sociedade complexa que somos e o sistema político democrático. Esta é a questão fundamental que continua posta.

• A polarização se repetiu na campanha eleitoral de 2014?

Raimundo Santos – Ela não deixou prosperar tendências despolarizantes, como a de Marina Silva. Dilma e Aécio convergiram no trabalho pesado da sua desconstrução, com isso esvaziando o espaço de pluralização que a terceira candidatura competitiva tentava abrir.

De 2015 para cá, Lula e o PT enrijeceram sua mentalidade simplificadora, recusando-se a ver o alcance do que ocorria na sociedade em relação ao sistema político e o sentido geral renovador das manifestações de milhões de pessoas que saíram às ruas. Lamentavelmente, conseguiram levar movimentos sociais, partidos e correntes de esquerda para dentro da pregação do lema “nós e eles”.

• Movimentos favoráveis ao governo acusam os opositores de “golpismo”. O senhor, que é testemunha desses dois momentos históricos, acha que é razoável a comparação entre hoje e o contexto do golpe civil-militar de 1964?

Raimundo Santos – Lembrar 1964 estimula a discussão autocrítica a tempo de o PT se portar, neste instante conturbado, sobretudo no futuro próximo, como “esquerda positiva” – termo com o qual, no tempo de Jango, o líder trabalhista Santiago Dantas cobrava responsabilidade política das esquerdas de então. O governo Jango era um governo nascido, após a renúncia de Jânio Quadros e os acontecimentos da posse, em meio a compromissos firmados no quadro político da época. As esquerdas não só se radicalizaram, tensionando uma conjuntura muito instável, como combateram o próprio Jango. Elas denunciaram o que chamavam de “conciliação”, contribuindo e muito para o isolamento político do presidente às vésperas da sua destituição. Não se concentraram na denúncia e luta contra a conspiração golpista que avançava à luz do dia (ver a autocrítica do PCB feita, em 1967, nestes termos).

O outro ponto que a alusão oficialista ao passado destaca é a presença das classes médias no imediato pré-64. Esta referência pretende associar as camadas médias de agora a um conservadorismo que lhes seria próprio.

Nesta questão, é útil ir a 1964 para refletir sobre a pretensão das esquerdas de então de construir no Brasil uma sociedade homogênea. Esta visão definia a natureza do agir das esquerdas não dirigido ao conjunto da população, pois se orientava pela busca de uma ordem social hegemonizada. Ela exerceu papel negativo na questão das classes médias àquela época de Jango. Depois, durante a resistência política à ditadura, vários setores das esquerdas atuaram com a perspectiva da recuperação das liberdades democráticas. Neste contexto, a mobilização de segmentos das camadas médias, principalmente os do mundo da cultura e da intelectualidade, foi decisiva para generalizar no país o movimento de opinião pública contra o regime de 1964.

Há várias décadas os pecebistas abandonaram todo projeto de mudanças que implique simplificação social e política da vida nacional por considerá-lo contrário à complexidade da sociedade brasileira, moderna, de alta diferenciação social e econômica, possuidora de uma diversidade cultural que enriquece, dá vida e colorido à pluralidade e ao padrão de vida dos brasileiros na democracia política.

• Em caso de a presidente conseguir se livrar do impedimento, que rumos deveriam ser tomados por ela e sua equipe?

Raimundo Santos -- A situação é incerta nesta sexta-feira (8/4). Não se sabe o quanto vai durar esta situação, e como ela se desdobrará. Aprovado ou não o impeachment, o PT está colocado diante de um fato que terá de equacionar: não tem como levar adiante o seu projeto de poder, o que obriga realizar reflexão autocrítica sobre todo o período dos seus governos, na qual encontrará raízes do fracasso nas suas próprias concepções.

• O sr. acha que a sociedade brasileira está mais conservadora agora?

Raimundo Santos – Há carência de atores e líderes políticos lúcidos. Somos conduzidos pelos fatos. Mas nunca se discutiu tanta política como agora.

• E qual o papel dos heterogêneos grupos da chamada esquerda – desde partidos até sindicatos, passando por movimentos sociais autônomos que atuam nas esferas extraparlamentares (e que tiveram papel de destaque nas Jornadas de 2013, como o Movimento Passe Livre)?

Raimundo Santos -- É preciso insistir neste ponto dos protagonistas lúcidos: as esquerdas foram chamadas a posicionar-se como “esquerda positiva” em situações complexas. Citemos exemplos: elas atuaram responsavelmente após o suicídio de Getúlio, durante o governo de JK, na posse do vice-presidente João Goulart, embora durante o seu governo tivessem postura ambivalente em relação ao processo de reformismo político sob o regime democrático proposto nesse tempo. Mesmo em meio a divisões internas, parte das esquerdas militantes, mais especificamente o PCB, foi resoluta ao colocar no centro da resistência ao regime de 1964 a luta pelas liberdades democráticas, retificando a indecisão dos anos de Goulart. Estas esquerdas tiveram papel decisivo na frente democrática contra a ditadura liderada pelo MDB.

Hoje, estamos no limiar de uma transição para seguir adiante no caminho da Constituição de 1988 - e seus marcos progamáticos. As esquerdas estão chamadas, neste momento, a darem contribuição construtiva.
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Raimundo Santos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e organizador (e autor do ensaio introdutório) da coletânea O marxismo político de Armênio Guedes (Brasília: Fundação Astrogildo Pereira, dez. 2012).