segunda-feira, 26 de novembro de 2018

*Cristovam Buarque: Oposição à oposição

- O Globo

O novo governo ainda não tomou posse, e os derrotados tentam se aglutinar para ganhar a próxima eleição, em 2022. Não percebem que, mais do que Bolsonaro vencer a eleição de 2018, a população brasileira disse “não” aos que agora defendem unidade dos derrotados. Querem ganhar o próximo pleito com a mesma postura que apresentaram, com o mesmo discurso e a mesma falta de sintonia com o futuro.

O povo disse não a essas siglas que tentam se aglutinar sem fazer autocrítica, sem entender onde erraram, sem formular alternativas. Parecem acreditar que foi o povo quem errou, escolhendo outro candidato, e propor uma nova chance aos eleitores para acertarem em 2022. Dizem que o único errado é o PT, do qual agora se afastam depois de terem bajulado Lula ao longo de anos. Esquecem que, no primeiro turno, o PT teve mais votos que todos os candidatos das siglas que agora se dizem da esquerda não petista. E insistem na esquerda em nada diferente do que o eleitor repudiou em outubro. Não percebem o apego do povo ao país e seus símbolos, continuam falando para as comparações, de empresários e de trabalhadores, cujas reivindicações asfixiam as finanças públicas. Não entenderam o esgotamento gerencial e fiscal do Estado, nem assumem compromissos com responsabilidade fiscal e estabilidade monetária.

Se quiserem fazer oposição pelo bem do Brasil, esses partidos e líderes precisam começar a fazer oposição a si próprios: entender onde estão errando há décadas, formular uma proposta para o futuro do Brasil, definir como dar coesão e rumo ao país e a sua sociedade, dividida socialmente e improdutiva economicamente. Dizer em que esse caminho é antagônico ao do PT e ao do Bolsonaro e, por isso, oposição aos dois.

Fernando Gabeira: Mais médicos, menos fantasia

- O Globo

Organizações humanitárias mostram que estar ao lado dos mais fracos não é, unicamente, consequência da visão socialista

Os cubanos foram embora. O Programa Mais Médicos não existe mais, tal como foi criado no governo Dilma. Sou otimista quanto ao futuro do programa. Talvez possa ser feito de uma forma melhor.

Breve, a discussão ideológica ficará para trás, e então poderemos nos concentrar no que realmente interessa: a saúde de milhões de brasileiros.

A grande oportunidade que está diante de nós é a ida de milhares de jovens médicos brasileiros para o interior. As condições salariais são atraentes. O dinheiro ficaria no Brasil. Mas não é esse o principal ganho. O encontro de milhares de jovens da classe média urbana com os rincões do Brasil pode representar para eles um grande aprendizado.

Já houve grandes momentos históricos em que esse encontro se deu. Na Rússia, no século XIX, quando milhares de estudantes foram compartilhar o cotidiano dos camponeses. Havia muito romantismo, ideias revolucionárias, uma visão idealizada dos pobres do campo. Embora o resultado tenha sido revoluções esmagadas, foi um período rico para a própria cultura russa.

Aqui, no Brasil, as idealizações não são as mesmas. Minha impressão é que os brasileiros vão encontrar no interior surpresas positivas sobre as pessoas que vivem lá. Os russos se decepcionaram porque esperavam ver nos camponeses um reflexo de suas fantasias urbanas.

A ida dos médicos brasileiros teria o mesmo valor pedagógico que a carreira oferece aos militares: percorrer diferentes pontos do país, sentir a diversidade, acreditar mais ainda no potencial do Brasil.

Não há contraindicação ideológica. Ouso dizer mesmo para uma juventude de esquerda dos grandes centros: o choque cultural seria benéfico. Certamente, sairia mais realista.

Ana Maria Machado: Transparência e gentileza

- O Globo

Viver numa democracia pressupõe respeitar as urnas, os limites institucionais, o jogo de pesos e contrapesos entre os poderes. A alternância no governo, que agora teremos, configura uma troca de papéis e exige uma oposição que fiscalize e proponha alternativas masque saiba conviver com o desejo expresso da maioria. Hora de deixar para trás o “nós contra eles”. Mesmo se, como disse Ciro Gomes em relação ao PT, agora “eu sou o eles”. Ou, como se brincou por aí, tanto pediram #elenão que acabaram ganhando um Helenão. Ficaram cicatrizes. Por isso, o diálogo requer delicadeza.

Esse quadro acentua a importância de se expressar, opinar, perguntar, ouvir, analisar, corrigir, sugerir. Tentar entender. Abandonar melindres e a retórica de que a democracia corre risco se houver discordância. Admitir fatos. Reconhecer que a corrupção não foi invenção de juízes anti petistas. Que anova matriz econômica de Dilma foi um desastre na ponta do lápis, não na má vontade da mídia. Que a ONU nunca recomendou o registro da candidatura de Lula e que nosso Judiciário não desrespeitou essa pretensa determinação — foi só a opinião avulsa de dois peritos de um comitê.

Hora de baixara fervura. Ir além das redes sociais. Nisso, a relação do governo com a mídia é fundamental. Convém ser transparente. Não se pode barrar jornalistas em coletiva, nem usar verba de publicidade para chantagem. Para evitar curto-circuito em prejuízo do país, seria bom que o futuro governo seguisse o exemplo recente de Sergio Moro. Se todo mundo quer saber (e tem esse direito), o melhor é organizar uma entrevista coletiva, em vez de chutar a primeira frase que vem à cabeça de alguém acossado por microfones e celulares, entre jornalistas se acotovelando. Que se destine um espaço para esse encontro. Que cada um pergunte livremente e espere sua vez. Que o entrevistado responda com civilidade, desenvolva seu raciocínio, pese suas palavras.

Pode não alimentar a fogueira mas é mais útil a todos. Precisamos disso.

Cacá Diegues: O valor da lei

- O Globo

O que sei é que a Lei Rouanet é uma das mais acertadas regulações do financiamento público de cultura

Tenho recebido muitas mensagens sobre o último artigo que escrevi aqui, a propósito da Lei Rouanet. Felizmente, a maioria dessas mensagens se comporta de um jeito civilizado, compreensiva quanto à necessária existência daquela lei, embora proponha algumas mudanças.

Em geral, não tenho nada contra essas propostas de mudanças, acho até que elas são mesmo indispensáveis para que tudo funcione com mais justiça e mais correção. Para que as coisas sejam aperfeiçoadas. Mas tenho me poupado de dizer que mudanças, na minha opinião, são urgentes e quais as que não merecem nossa atenção por injustas, mesquinhas ou tolas. Mexer numa lei é coisa para profissional, e essa não é a minha profissão.

É preciso tomar muito cuidado quando se vai mexer num conjunto de regras fundamentais para a produção de alguma coisa essencial ao país, como é a cultura. Ouço dizer, por exemplo, que a Lei Rouanet devia servir somente aos principiantes, para ajudar afazer surgir novos grandes artistas brasileiros. Ótimo, boa ideia. Mas aí fico pensando em como se viraria, então, um pobre artista já consagrado que, na falta de um mercado viável, de preferência sólido, não tem outra fonte de recursos para a produção de sua arte. Quando autoridades responsáveis argumentam desse jeito, temos até o direito de pensar que se trata de uma forma de elas, as autoridades, tentarem evitar o confronto incontornável, resultado de uma eventual intervenção no mercado, para que esse não sirva apenas aos poderosos predadores da boa arte nacional.

Denis Lerrer Rosenfield: O novo governo

- O Estado de S.Paulo

Uma síntese de valores conservadores e liberais, democracia e exercício da autoridade

O governo de Jair Bolsonaro começa sob a égide do novo. O novo a ser entendido não como uma mudança qualquer de governo, mas como uma diferente forma de exercício do poder, fundamentado no exercício da autoridade. Novo também no que diz respeito a uma recuperação das ideias de direita, seja em sua vertente liberal ou conservadora, relegando a segundo plano a oposição direita/esquerda.

Nos últimos anos, o petismo e sua herança consistiram numa dança à beira do precipício. A inflação estourou, o desemprego atingiu mais de 12 milhões de trabalhadores, o PIB afundou, os juros ganharam as alturas, a criminalidade tomou conta das cidades e do campo e a insegurança, em todos os sentidos, se generalizou. Neste último ano eleitoral, Lula ainda tentou, mesmo condenado e preso, ser candidato a presidente da República, utilizando-se da mentira como forma de conquista do poder. Uma séria crise institucional esteve muito próxima.

Nas peripécias dos últimos meses, constatou-se que a democracia terminou por adotar a forma de uma defesa de privilégios, cujo melhor exemplo talvez seja a resistência dos estamentos estatais à reforma da Previdência, como se o jogo político devesse ficar à mercê do arbítrio dos que têm mais condições de exercer influência e pressão. A população de baixa renda e os desempregados carecem desses instrumentos de pressão.

A criminalidade, em expansão, mostrou igualmente as dificuldades de exercício da autoridade, como se combater a bandidagem fosse uma questão de direitos humanos. Da mesma maneira, questões educacionais foram fortemente submetidas ao politicamente correto, como se toda a sociedade devesse submeter-se ao que intelectuais esquerdistas apresentavam como “progressista”, seja lá o que isso signifique.

Cida Damasco: Família vende (quase) tudo

- O Estado de S.Paulo

Privatização ganha força. BB, Caixa, Eletrobrás e Petrobrás estão na mira

Não há quem duvide do papel das concessões e privatizações na política econômica do futuro governo. O compromisso com o liberalismo e a necessidade de ajuste fiscal a curtíssimo prazo tornam sua importância mais do que estratégica. Vital é o adjetivo apropriado. O perfil da equipe econômica, completada na semana passada, prova que o chefe Bolsonaro e seu superministro Paulo Guedes, até agora com carta branca, pretendem dobrar a aposta na privatização. Dois polos de poder cuidarão dessa tarefa: uma secretaria específica para desmobilização e desinvestimento sob o guarda-chuva de Guedes, que será entregue ao empresário Salim Mattar, dono da Localiza, e uma estrutura subordinada diretamente à Presidência, para tratar das concessões de infraestrutura.

É verdade que as previsões sobre desestatização divulgadas durante a campanha pecam pelo exagero, segundo economistas dos mais variados matizes. Primeiro, Guedes falou em se desfazer de todas as estatais – no total, são 144, sob controle direto e indireto da União –, depois Bolsonaro falou em sair de 100 delas e, já na boca das eleições, ambos cacifaram uma previsão de receita de R$ 2 trilhões com venda de participações nas empresas, de ativos e renovação de concessões.
Mas, mesmo considerando que a realidade vai derrubar alguns desses “sonhos”, está claro que levar adiante um programa parrudo de privatizações é indispensável para um governo que precisa reduzir o endividamento e, pelo menos num horizonte próximo, não tem como abater os gastos significativamente.

Marcus André Melo: Governabilidade e bancadas

- Folha de S. Paulo

Eleição crítica, relações Executivo-Legislativo nem tanto

Bolsonaro enfrenta desafios que resultam do fato que a dinâmica política sofreu abalo tectônico, mas as regras eleitorais —que têm efeito vertebrador sobre o sistema partidário— mudaram incrementalmente.

Explico: os efeitos plenos da reforma política aprovada em 2017 —redução brutal do número de partidos e seu fortalecimento— só se farão sentir em 2022. Ele terá que governar em ambiente institucional ultrafragmentado.

A especificidade do governo Bolsonaro é dada por sua natureza de transição, a qual se reflete nas relações Executivo-Legislativo. Temer sobreviveu sob fragmentação menor, mas utilizando-se de estratégias rejeitadas pelo eleitorado levando à eleição de Bolsonaro; uma “eleição crítica”, posto que inaugura novo sistema partidário.

A suposta opção pela interlocução com bancadas em vez de partidos é um imperativo que resulta da fragmentação. Mas o termo bancada é enganador além de analiticamente pobre.

Ele adquiriu relevância porque as principais iniciativas do novo governo podem ser agrupadas em torno de quatro blocos temáticos —reformas econômicas, agronegócio, segurança pública e questões comportamentais— que contam com o apoio de subconjuntos de parlamentares, agrupados nas bancadas dos três “Bs” e pró-mercado.

Celso Rocha de Barros: Para entender o que pensa Olavo de Carvalho

- Folha de S. Paulo

Suas ideias misturam temas tradicionais e leitura superficial da esquerda

Depois do DEM, Olavo de Carvalho é a força política que mais emplacou ministros no governo Bolsonaro. Que eu saiba, Carvalho não dispõe de dinheiro, tropas, ou votos no Congresso que justifiquem essa influência: o que faz sucesso entre os bolsonaristas são suas ideias. Esta coluna e a próxima serão sobre elas.

Tanto quanto sei, o próprio Carvalho sempre considerou o livro "O Jardim das Aflições" sua obra mais importante, mais do que suas coletâneas de artigos que viraram best-sellers. Minha edição é a de 2000.

Resumidamente, o livro é o seguinte: Carvalho assistiu a uma mesa sobre filosofia grega no célebre ciclo de debates sobre Ética organizado no Masp por Marilena Chauí, então secretária de Cultura de Luiza Erundina. Gostou de uma das palestrantes, mas achou a palestra sobre Epicuro, proferida por um professor de esquerda da USP, uma porcaria. Desconfiou que aquilo deveria ter algum grande significado histórico.

Foi para casa e escreveu uma refutação de Epicuro, que é a primeira parte do livro. Mas faltava entender: por que o PT resolveu promover Epicuro?

As suspeitas cresceram porque, pouco tempo depois do debate, a esquerda derrubou Collor discursando sobre, vejam só, Ética.

Certo, então a luta pela Ética era só estratégia política e, sim, parece discurso petista atual. Mas e o Epicuro?

Para dar a entender que Epicuro é muito importante para a esquerda, Carvalho tenta provar que as maluquices do Epicuro eram essencialmente iguais às do Marx.

Vinicius Mota: Uma crítica do autoritarismo

- Folha de S. Paulo

Ricardo Vélez Rodríguez, adepto do liberalismo clássico, analisou em livro a tradição despótica gaúcha que influenciou a ditadura Vargas

O futuro ministro Ricardo Vélez Rodríguez estreará na pasta da Educação mal conectado à massa de conhecimentos empíricos que se consolidou nas últimas décadas acerca dos principais problemas do ensino básico brasileiro e das terapias para enfrentá-los.

Poderá aproximar-se dela agora. Recursos intelectuais não lhe faltam, a julgar por um de seus trabalhos, “Castilhismo: uma Filosofia da República”. É uma boa resenha crítica sobre uma linhagem do autoritarismo nacional parida no Rio Grande do Sul no fim do século 19, batizada em alusão ao precursor Júlio de Castilhos (1860-1903).

O líder republicano gaúcho, formado em direito em São Paulo, fundou uma das mais influentes tradições políticas brasileiras. Repaginou o velho caudilhismo hispânico com a dicção do então emergente positivismo do francês Auguste Comte.

Leandro Colon: Lobby da toga

- Folha de S. Paulo

Lobby de magistrados cresce e STF não sinaliza fim de benefício injustificável

Sob o lobby escancarado do Judiciário, o presidente Michel Temer tem até quarta-feira (28) para decidir se sanciona ou veta o aumento de 16,38% nos salários dos juízes.

Se o bom senso e o zelo pelas contas públicas prevalecessem nos bastidores do poder em Brasília, o reajuste não teria passado a toque de caixa no Congresso —no Senado, em uma votação relâmpago, às pressas.

Político não gosta de ter problema com juiz e juiz sabe disso. Temer negociou em encontro noturno (prática nada incomum no atual governo) no Alvorada com os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux a aprovação da medida que, segundo estudo de técnicos legislativos, pode ter um impacto de R$ 4 bilhões por ano.

Em troca de engordar o contracheque dos juízes, haveria um compromisso do STF de enfim colocar em julgamento o fim do auxílio-moradia de R$ 4.377 mensais pago aos magistrados, mordomia injustificável a uma classe abastada, bem remunerada na realidade brasileira e que já desfruta de outras regalias.

Fernando Limongi: O Presidencialismo de delegação

- Valor Econômico

Bolsonaro encontra conforto quando delega a gestão

Continua a montagem do governo Bolsonaro. Boa parte das pastas já foi distribuída e o perfil do governo do capitão ganha nitidez.

Fiel à promessa de campanha, o presidente eleito evitou o que chama de 'toma-lá-dá-cá', recusando-se a 'comprar' apoio dos partidos, por meio da distribuição de pastas ministeriais.

Em editorial, "O Estado de S. Paulo" saudou o princípio adotado para compor o novo governo, decretando a morte do malsinado presidencialismo de coalizão, responsável por "uma parte considerável das desventuras nacionais".

A lógica nem sempre convive bem com a análise política. Pode ser que, no passado, a distribuição de pastas ministeriais visasse tão somente a 'compra' de apoio, numa troca de cargos por votos no Legislativo, sem base em compromissos programáticos.

Mesmo que esta fosse uma descrição acurada do modus operandi dos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer, dela não decorre a impossibilidade do Executivo negociar com partidos em bases programáticas.

Tal raciocínio assume o fisiologismo como característica intrínseca dos partidos brasileiros, sobretudo dos 'partidos de aluguel'. Obviamente, seguidores de Bolsonaro não podem comungar do juízo, pois teriam que incluir o 'programático' PSL.

A inconsistência lógica do raciocínio não para aí. Assume-se que excluir os partidos garantiria lisura à transação. Contudo, cargos podem ser loteados de diversas formas. Se os nomeados representam grupos de interesse ou bancadas setoriais, como a ministra da Agricultura, o mesmo tipo de troca escusa poderia estar por detrás da nomeação.

O realismo político recomenda a leitura da Constituição, onde está dito que leis são aprovadas mediante a maioria dos votos dos legisladores e, no caso de emendas constitucionais, como a reforma da Previdência, por maioria qualificada de 3/5. Assim, se o presidente eleito tem uma agenda política, e esta agenda pede a aprovação de leis, terá que contar com o apoio de uma maioria organizada e consistente no Legislativo.

Em última análise, a suposição de que esta maioria só pode ser obtida à base de fisiologismo nada tem a ver com o grupo com qual se negocia, se com partidos ou bancadas setoriais. Se levados a sério, argumentos deste tipo questionam a legitimidade dos interesses representados pelos parlamentares, das demandas que fazem. Em outras palavras, a crítica ao presidencialismo de coalizão não condena a coalizão ou os partidos, mas a representatividade do Legislativo.

No presidencialismo, de coalizão ou não, sem as concordâncias do Executivo e do Legislativo não se muda o status quo legal. Simples assim. Como o PSL só controla algo como 10% das cadeiras, para obter o apoio necessário para aprovar matérias o presidente terá que contar com votos dos demais partidos de centro e de direita.
A esquerda pode querer fazer uma oposição intransigente, mas não tem cadeiras suficientes para paralisar o governo, pois o PT e seus aliados, em contabilidade generosa, não controlam mais do que 20% das cadeiras.

O fato é que os resultados eleitorais foram francamente favoráveis a Bolsonaro. Nenhum dos presidentes que o antecedeu encontrou condições tão cômodas para implementar seus propósitos. O folclórico MDB, para dar só um exemplo, foi reduzido a pó de traque, isto é, não há partidos com força suficiente para 'chantagear' Bolsonaro.

Até o momento, Bolsonaro e sua equipe ignoraram completamente o Poder Legislativo. O caso do orçamento é paradigmático. A equipe de transição desconsidera o trabalho da CMO, responsável pela elaboração da lei orçamentária que o governo terá que executar no ano que vem. Coisas miúdas e mundanas, como o organograma ministerial, devem ser previstos pela lei. A despeito dos pedidos reiterados do relator da matéria, a equipe de transição não envia as diretivas à comissão.

Voltando ao presidencialismo de coalizão, não é difícil perceber que a competência não oferece um guia completo para todas as decisões presidenciais. Como mostra o caso do Ministério da Educação, a qualificação do indicado varia de acordo com a fonte escutada, se Viviane Senna, a bancada evangélica ou Olavo de Carvalho.

No caso, Bolsonaro quis abrir uma nova franquia do Posto Ipiranga. Como fez com Guedes e Moro, procurou apoio fora de seu círculo restrito para legitimar sua indicação. Entretanto, não foi possível encontrar para algum notável disposto a aderir integralmente ao seu programa para a educação. Sem alternativas, Bolsonaro voltou ao seu círculo íntimo, recrutando o novo ministro entre os ungidos por seu guru.

Para dizer o mesmo de outra forma, não são nada claros os critérios usados para aferir a competência de Ricardo Vélez Rodríguez ou Luiz Henrique Mandetta. No caso deste último, Bolsonaro esclareceu que o conhece há pouco e que não trocaram mais do que algumas poucas ideias. Ainda assim, mesmo contando com informações tão limitadas, Bolsonaro o guindou à posição de Marechal, confiando-lhe a missão de "provar a todos de que a saúde tem jeito com pessoas de bem e apoios dos mais variados."

No início da campanha, sempre que indagado, Bolsonaro não escondia sua falta de preparo e conhecimento sobre economia, educação e saúde. Em mais de uma oportunidade, como na sabatina da CNI, pediu ajuda e deixou claro que estava disposto a deixar que os interesses organizados assumissem a gestão das políticas setoriais.

Em suma, Bolsonaro constrói um governo balcanizado e compartimentalizado. É meio cada um para um si, sem a coordenação de uma liderança unificadora, autorizada a resolver os inevitáveis conflitos entre os titulares das pastas.

O presidente eleito encontra conforto quando delega a gestão. Por enquanto, este foi o modelo adotado para distribuir pastas ministeriais. Nasce o presidencialismo de delegação. Tem tudo para dar errado.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.

Angela Bittencourt: Bolsonaro ganha um "presentão" do TCU

- Valor Econômico

38 órgãos com 'alta' exposição a fraude gerem R$ 216 bilhões

Recessão, desemprego, desequilíbrio fiscal, serviços públicos deficientes, percepção de alto grau de corrupção e falta de confiança no Estado tornaram-se características de um Brasil que não traz orgulho para ninguém e têm consequências: favorecem desperdício, mau uso do dinheiro público, ineficiência do Estado, distorção na alocação de recursos, entraves econômicos, políticos e sociais, corroem a credibilidade das instituições e ainda estimulam o desprezo do cidadão pela lei.

Foi com esse retrato do Brasil que o presidente eleito Jair Bolsonaro saiu da visita ao Tribunal de Contas da União (TCU), na terça-feira passada. Com o retrato, Bolsonaro recebeu do presidente da Corte Raimundo Carreiro e ministros um "presentão" para quem dá início a uma nova gestão: o mapeamento do grau de exposição à fraude e corrupção a que o governo está exposto.

O mapeamento é resultado de uma auditoria operacional coordenada pela Secretaria de Relações Institucionais de Controle no Combate à Fraude e Corrupção (Seccor), órgão do TCU, em 287 instituições do Poder Executivo Federal com o objetivo de avaliar se os controles internos de prevenção e detecção a esses problemas estão compatíveis com o Poder Econômico e o Poder de Regulação desses órgãos e propor melhorias.

A relatora do processo dessa auditoria é a ministra Ana Arraes, futura vice-presidente do TCU, que passará ao comando do ministro José Múcio Monteiro. Ambos serão empossados em 1º de janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro receberá a faixa presidencial.

Ricardo Noblat: Por que não te calas, general!

- Blog do Noblat

Para atiçar os radicais

A essa altura, no limiar de um governo de ultradireita comandando por um capitão cercado por fardas da reserva e eleito com grande apoio dos quartéis, a quem pode interessar a ordem dada pelo Comandante do Exército, o general Eduardo Villas Boas, para que seus subordinados façam uma reanálise da Intentona Comunista que aconteceu há 83 anos?

Porque é disso que se trata. O Exército já estudou à exaustão o movimento deflagrado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1935 para depor o presidente Getúlio Vargas que chegara ao poder cinco anos antes por meio de uma revolução, e que logo em seguida se transformaria em ditador, assim governando até 1945. A Intentona é uma página virada da história. Os culpados foram punidos.

A ditadura militar de 1964, que durou 21 anos, é outra página virada, com a diferença de que os culpados por ela jamais foram punidos. Pelo contrário: beneficiaram-se de uma anistia para os chamados crimes de sangue. Os que à ditadura a se opuseram, esses foram presos, cassados, torturados e até mortos. Muitos acabaram proibidos de trabalhar. Outros escaparam para o exílio.

Villas Boas está a 40 dias de deixar o posto. Seu substituto já foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro. A desculpa que ofereceu para justificar seu ato bizarro foi o de evitar o derramamento de “sangue verde e amarelo” em “nome de uma ideologia diversionista”. Ideologia, por sinal, sepultada no berço onde nasceu, e que na China deu lugar a um capitalismo de Estado.

De onde o comunismo ainda pode se espraiar? Da Coreia do Norte? De Cuba que clama por uma reaproximação com os Estados Unidos? Da Venezuela bolivariana quebrada? O ato de Villas Boas, se não esconde outros objetivos, só servirá para acirrar o ânimo dos que enxergam fantasmas onde eles não existem, uma parcela tresloucada dos eleitores de Bolsonaro que defendem um Estado autoritário.

Marcus Pestana: Os desafios do governo Zema

- O Tempo (MG)

As eleições de 2018 foram totalmente atípicas. A sociedade brasileira deu um forte recado. A opção foi claramente por uma mudança radical. Critérios de escolha que sempre prevaleceram – história pessoal, experiência, legado, realizações passadas – de nada valeram. Os eleitores procuraram outsiders como resposta à crise econômica, ética e política instalada desde 2015.

Não só a onda Bolsonaro, apesar de o futuro presidente não ser exatamente um outsider, mas também a eleição de governadores novatos foram expressão desse forte sentimento que tomou conta de corações e mentes do eleitorado.

Em Minas, a virada foi surpreendente. Tudo indicava que teríamos a reprodução da polarização tradicional PT x PSDB. Mas a soma das intenções de votos dos candidatos de PT, PSDB e MDB nunca ultrapassou 55%. Ou seja, 45% do eleitorado estava querendo algo novo. Custou a localizar uma alternativa. E isso aconteceu na última semana antes do pleito, sobretudo após o debate da TV Globo e a divulgação das pesquisas nas últimas 72 horas.

O senador Antonio Anastasia é um dos melhores quadros da política brasileira, com grandes serviços prestados a Minas. Grande jurista, excepcional professor e gestor reconhecido, saiu com sua imagem intacta. A onda era de mudança, e o PSDB foi contaminado violentamente pelo clima geral de rejeição à chamada “velha política”. Felizmente, Minas continuará, por mais quatro anos, contando com o brilhantismo e a competência de Anastasia no Senado Federal.

Militares alinham-se à economia liberal

Por Andrea Jubé, Carla Araújo e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - No momento em que o país se prepara para um governo claramente liberal na economia, conduzida pelo time do futuro ministro Paulo Guedes, auxiliares do presidente eleito Jair Bolsonaro, com formação militar, já admitem um alinhamento com essa política econômica ortodoxa.

O "time de Chicago" deverá ganhar reforços: há mais dois nomes com a mesma formação no radar do futuro ministro: os economistas Roberto Fendt e Carlos Langoni. Até agora, são quatro os titulares da equipe econômica de transição com PhD em economia naquela universidade, incluindo Paulo Guedes. Quadros que ele, com bom humor, tem chamado de "Chicago Oldies".

Segundo um interlocutor de Guedes, o ministro tem no horizonte o nome do economista Roberto Fendt. Atual secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China, Fendt desponta como cotado para a presidência do banco do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). No ano que vem, caberá ao Brasil indicar o novo presidente da instituição, cargo hoje ocupado pela Índia.

A eventual escolha de um economista responsável pela interlocução com empresários chineses soaria oportuna após as declarações anti-China de Bolsonaro, que geraram mal estar entre o Brasil e um de seus principais parceiros comerciais.

O segundo nome na mira de Guedes para reforçar a equipe, também com PhD em Economia pela Universidade de Chicago, é Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central no governo de João Figueiredo e consultor e analista econômico.

Comandante do Exército determina análise sobre Intentona Comunista

Villas Bôas disse que medida tem objetivo de evitar derramamento de 'sangue verde e amarelo'

Bernardo Caram | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse neste domingo (25) ter determinado que seja feita uma análise sobre a Intentona Comunista, de 1935. O objetivo, segundo ele, é evitar derramamento de “sangue verde e amarelo”.

Intentona Comunista foi a tentativa de derrubar Getúlio Vargas da presidência da República em novembro de 1935.

“Determinei ao Exército que rememore a Intentona Comunista ocorrida há 83 anos”, afirmou, em postagem no Twitter. “Antecedentes, fatos e consequências serão apreciados para que não tenhamos, nunca mais, irmãos contra irmãos vertendo sangue verde e amarelo em nome de uma ideologia diversionista”.

Deflagrada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Intentona Comunista foi uma rebelião político-militar liderada pelos tenentistas, entre eles Luís Carlos Prestes – que antes havia criado a Aliança Nacional Libertadora.

Quando Vargas declarou a ANL ilegal, foram iniciados levantes em quartéis de Natal, Recife e Rio de Janeiro. A rebelião foi contida pelo governo, após batalhas que resultaram na morte de oficiais.

Anualmente, o Exército promove uma solenidade em homenagem aos mortos.

OAB cobra ‘comprometimento’ de Bolsonaro contra uso político do Ministério da Educação

Em nota pública divulgada neste domingo, 25, entidade máxima da Advocacia reage a declarações do futuro presidente, que criticou os exames de Ordem

Redação | O Estado de S. Paulo

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, defendeu neste domingo, 25, o exame da Ordem, após declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Bolsonaro afirmou que o exame, que é aplicado aos recém-formados em Direito, cria “boys de luxo” para escritórios de advocacia.

“O Exame de Ordem é um importante meio para aferir a qualidade do ensino do Direito. Trata-se de uma prática comum em inúmeros países do mundo, como Estados Unidos e Japão e em praticamente toda a Europa, que tem por objetivo preservar a sociedade de profissionais que não detenham conhecimento suficiente para garantir o resguardo de direitos fundamentais, como a liberdade, a honra e o patrimônio das pessoas”, disse Lamachia.

Bolsonaro citou o exame da Ordem ao se manifestar contra a ideia de seu indicado para o Ministério da Saúde, deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), de exigir a certificação de médicos brasileiros formados. “Ele (Mandetta) tá sugerindo o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos) até com uma certa periodicidade. Eu sou contra porque vai desaguar na mesma situação que acontece com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)“, afirmou o presidente eleito. 

“Nós não podemos formar jovens no Brasil, em cinco anos, no caso dos bacharéis de Direito, e depois submetê-los a serem advogados de luxo em escritórios de advocacia. Advogados de luxo não, boys de luxo de escritório de advocacia”, declarou Bolsonaro, que, neste domingo, participou de almoço na Escola de Educação Física do Exército, no bairro da Urca, na zona sul do Rio.

“É sempre importante esclarecer que o Exame de Ordem não tem número de vagas limitado, todos os que atingem a pontuação mínima podem vir a exercer a advocacia. A OAB busca constantemente o aperfeiçoamento dos cursos de direito no país, requerendo inclusive maior controle por parte do Ministério da Educação para a autorização de abertura de novas vagas, para que a qualidade do ensino não seja comprometida. Aliás, seria importante o comprometimento do futuro governo contra o uso político do MEC que tem patrocinado ao longo dos últimos anos um verdadeiro estelionato educacional ao autorizar o funcionamento de faculdades de direito sem qualificação, contrariando pareceres da OAB e os interesses de toda a sociedade”, afirmou Lamachia.

Incertezas a distância: Editorial | Folha de S. Paulo

MEC permite que parte da carga do ensino médio seja preenchida com atividades não presenciais

O Ministério da Educação homologou neste novembro um conjunto de normas que regulamentam pontos da reforma do ensino médio aprovada no ano passado.

Consta, dentre os tópicos ratificados pelo MEC, as regras que irão nortear o aprendizado a distância —uma das novidades instituídas pela lei de 2017. Definiu-se que poderão ser cumpridos fora da sala de aula até 20% da carga horária do ensino médio diurno, 30% do noturno e 80% do EJA (Ensino de Jovens e Adultos).

Cabe agora aos conselhos estaduais de educação determinar como tais diretrizes serão aplicadas nas unidades da Federação.

Tal procedimento terá grande importância, pois, a depender de como for implementada, a proposta tem potencial para aprofundar, em vez de mitigar, deficiências do ensino médio —vale lembrar, a etapa com o pior desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e a maior taxa de evasão.

O principal problema do documento reside na maneira como é definido o ensino a distância: este, afirma o texto, poderá ocorrer por meios digitais ou não.

Na prática, isso abre brecha para que atividades tão díspares como ações comunitárias, excursões, trabalhos escolares, feiras de ciências e campeonatos esportivos, entre outras, terminem sendo utilizadas por escolas para completar a carga horária obrigatória.

O foro dos juízes: Editorial | O Estado de S. Paulo

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu respeitar o que diz a Constituição e não alterou a regra de foro privilegiado para desembargadores de Tribunais de Justiça e juízes do Tribunal Regional Federal (TRF), Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Mesmo que não tenha relação com o cargo, eventual crime cometido por alguma dessas autoridades continuará sendo julgado pelo STJ, como define a Carta Magna.

Durante o julgamento, foram expostos argumentos de grande sensatez para a existência de foro especial por prerrogativa de função. Foi lembrado, por exemplo, que, sem foro privilegiado, desembargadores seriam julgados por juízes de primeiro grau, o que afetaria a hierarquia e a imparcialidade do sistema Judiciário.

“Imaginemos a situação de um juiz em começo de carreira que recebe a tarefa de processar e eventualmente condenar o presidente ou o corregedor do seu tribunal, ambos com poderes para puni-lo administrativamente, promovê-lo ou removê-lo. O juiz é um ser humano como qualquer outro e é próprio da natureza humana temer pelo futuro de uma carreira ou de um cargo”, afirmou o ministro Herman Benjamin.

Por 10 votos a 3, a Corte Especial do STJ entendeu que o foro por prerrogativa de função não configura um privilégio. Trata-se, na realidade, de uma regra que protege o próprio Poder Judiciário ao dar condições para que os magistrados exerçam seu trabalho de forma livre e independente.

Acordo com Chile é referência para abertura comercial: Editorial | O Globo

É positiva a aproximação entre o Brasil e os EUA, mas torna-se essencial explorar outras fronteiras

Com mais de 208 milhões de consumidores, o mercado doméstico é chave para atração de investimentos, de pesquisa e de inovação tecnológica. Paradoxalmente, remontam aos anos 90 do século passado as últimas iniciativas governamentais de caráter abrangente para dinamizá-lo.

É auspicioso, portanto, que o futuro governo se comprometa com o estímulo à competição empresarial, antítese das práticas monopolistas, da ineficiência produtiva e das condutas antiéticas.

Faz sentido que o projeto de abertura comercial seja realizado de forma “gradual e segura”, como indicou o vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, na semana passada —mas que isto não sirva de pretexto para adiares ta abertura. Não seria racional desmontara estrutura industrial construída e operante, mesmo estando em obsolescência tecnológica, com baixa produtividade e prisioneira de uma teia burocrática construída, em parte, sob inspiração de empresários dependentes da benemerência estatal. Mas também não se pode recuar nesta política.

Nomeações para AGU e CGU ajudam a consolidar leniência: Editorial | Valor Econômico

Até certo ponto surpreendentes, as escolhas do presidente eleito Jair Bolsonaro para a Controladoria-Geral da União e para a Advocacia-Geral da União foram bem recebidas no meio jurídico e também no setor privado. De perfil técnico e pouco conhecidos do público, Wagner Rosário (CGU) e André Mendonça (AGU) trabalham juntos desde meados de 2016 e terão agora um horizonte de mais quatro anos para, entre outras coisas, consolidarem a aplicação da Lei Anticorrupção (12.846/13).

A legislação entrou em vigor em pleno terremoto da Operação Lava-Jato, com o papel de garantir o ressarcimento dos cofres públicos e a punição dos responsáveis pelos desvios. Porém, com um texto repleto de brechas e cercado de críticas, a lei emperrou em duas barreiras principais: as atribuições dos órgãos envolvidos e a forma mais adequada para sancionar os corruptos.

Entrou em cena o acordo de leniência, que tem como objetivo maior garantir o retorno de recursos desviados e, ao mesmo tempo, evitar que empresas quebrem por erros de conduta de seus executivos ou acionistas. Quase todas as principais empreiteiras envolvidas na Lava-Jato manifestaram interesse no acordo, mas nem todas estavam, de fato, dispostas a mudar suas práticas.

Morre aos 77 anos Bernardo Bertolucci, diretor de 'O Último Tango em Paris'

Cineasta italiano recebeu uma Palma de Ouro honorária em 2011 no Festival de Cannes pelo conjunto de sua obra

AFP, AP e EFE | O Estado de S. Paulo

ROMA - O cineasta italiano Bernardo Bertolucci, conhecido por filmes como O Último Tango em Paris e Os Sonhadores, morreu em Roma aos 77 anos, anunciou a imprensa italiana nesta segunda-feira, 26.

A emissora italiana RAI disse que Bertolucci morreu em sua casa, cercado por sua família.

Os filmes do diretor frequentemente exploraram as relações sexuais entre personagens presos em crises psicológicas, como em O Último Tango. O autoproclamado marxista também não se privou de temas políticos e ideológicos, como em O Conformista (1970), o qual alguns críticos consideram sua obra-prima.

Apesar de trabalhar com estrelas do cinema americano e internacional, Bertolucci sempre defendeu sua própria maneira de fazer cinema contra o que ele chamava de pressão da indústria cinematográfica dos EUA. Ele manteve sucesso crítico durante boa parte de sua carreira, atravessando as controvérsias que o seu trabalho sexualmente provocativo causou, além de alguns fracassos de público.

"Quando se trata de cinema comercial, tenho o estranho prazer de sentir que sou de outra tribo, um infiltrado", disse ao Corriere Della Serra em 1990.

Música: Evocação Número 1 - Bloco da Saudade

Poesia: Manuel Bandeira: Evocação do Recife

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.