- Folha de S. Paulo
Suas ideias misturam temas tradicionais e leitura superficial da esquerda
Depois do DEM, Olavo de Carvalho é a força política que mais emplacou ministros no governo Bolsonaro. Que eu saiba, Carvalho não dispõe de dinheiro, tropas, ou votos no Congresso que justifiquem essa influência: o que faz sucesso entre os bolsonaristas são suas ideias. Esta coluna e a próxima serão sobre elas.
Tanto quanto sei, o próprio Carvalho sempre considerou o livro "O Jardim das Aflições" sua obra mais importante, mais do que suas coletâneas de artigos que viraram best-sellers. Minha edição é a de 2000.
Resumidamente, o livro é o seguinte: Carvalho assistiu a uma mesa sobre filosofia grega no célebre ciclo de debates sobre Ética organizado no Masp por Marilena Chauí, então secretária de Cultura de Luiza Erundina. Gostou de uma das palestrantes, mas achou a palestra sobre Epicuro, proferida por um professor de esquerda da USP, uma porcaria. Desconfiou que aquilo deveria ter algum grande significado histórico.
Foi para casa e escreveu uma refutação de Epicuro, que é a primeira parte do livro. Mas faltava entender: por que o PT resolveu promover Epicuro?
As suspeitas cresceram porque, pouco tempo depois do debate, a esquerda derrubou Collor discursando sobre, vejam só, Ética.
Certo, então a luta pela Ética era só estratégia política e, sim, parece discurso petista atual. Mas e o Epicuro?
Para dar a entender que Epicuro é muito importante para a esquerda, Carvalho tenta provar que as maluquices do Epicuro eram essencialmente iguais às do Marx.
Não, Carvalho: a humanidade como sujeito não funciona igual ao indivíduo como sujeito (p. 118), porque entre os indivíduos há o mundo material; toda filosofia do Marx é construída sobre a categoria "trabalho", a interação homem x natureza por excelência, e sobre como os problemas do trabalho fraturam a interação social. Marx tem suas culpas, mas o pós-modernismo não é uma delas, de modo que, não, ele não forma um todo com a Programação Neurolinguística e a filosofia New Age (p. 123-128).
Depois de uma discussão sobre como o pensamento moderno foi danificado pelo abandono do referencial religioso, chegamos à parte realmente interessante: as páginas sobre a história do Ocidente como tentativa de reconstruir o Império Romano sem a religião estatal romana.
Tudo isso desemboca na formação do Império Americano, em que a maçonaria desempenha várias das funções de uma casta sacerdotal.
Aqui começa a desandar.
Para Carvalho, a era democrática é a era do segredo (p. 244), das sociedades e organizações secretas; a soberania popular democrática é, em boa medida, uma farsa.
Ninguém discute que a maçonaria foi importante, em especial quando formar sociedades políticas não-secretas era bem arriscado. Mas Carvalho espera que aceitemos, sem demonstração, que sociedades secretas são ainda mais relevantes nas sociedades de massas. A eleição de FHC, por exemplo, é descrita como consequência de sua adesão à maçonaria, não ao Plano Real (p. 237).
Enfim, o pensamento de Carvalho é uma mistura de temas católicos e conservadores tradicionais, reflexos de sua experiência com misticismo e sociedades secretas e uma leitura muito superficial dos autores de esquerda.
Vamos ver se vocês adivinham o que fez mais sucesso com os bolsonaristas.
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Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Um comentário:
Fraco. MAM
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