segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Marcus André Melo: Governabilidade e bancadas

- Folha de S. Paulo

Eleição crítica, relações Executivo-Legislativo nem tanto

Bolsonaro enfrenta desafios que resultam do fato que a dinâmica política sofreu abalo tectônico, mas as regras eleitorais —que têm efeito vertebrador sobre o sistema partidário— mudaram incrementalmente.

Explico: os efeitos plenos da reforma política aprovada em 2017 —redução brutal do número de partidos e seu fortalecimento— só se farão sentir em 2022. Ele terá que governar em ambiente institucional ultrafragmentado.

A especificidade do governo Bolsonaro é dada por sua natureza de transição, a qual se reflete nas relações Executivo-Legislativo. Temer sobreviveu sob fragmentação menor, mas utilizando-se de estratégias rejeitadas pelo eleitorado levando à eleição de Bolsonaro; uma “eleição crítica”, posto que inaugura novo sistema partidário.

A suposta opção pela interlocução com bancadas em vez de partidos é um imperativo que resulta da fragmentação. Mas o termo bancada é enganador além de analiticamente pobre.

Ele adquiriu relevância porque as principais iniciativas do novo governo podem ser agrupadas em torno de quatro blocos temáticos —reformas econômicas, agronegócio, segurança pública e questões comportamentais— que contam com o apoio de subconjuntos de parlamentares, agrupados nas bancadas dos três “Bs” e pró-mercado.

Bancadas temáticas não são reconhecidas no regimento da Câmara. Só as frentes parlamentares são regulamentadas. Mas a dinâmica dos trabalhos legislativos é inteiramente partidária desde as regras de formação de comissões e subcomissões, da mesa diretora e encaminhamento de votações, de votação (se nominal, simbólica, destaques, recursos) ao regime de tramitação de proposições legislativas.

Na 55ª legislatura (2015-2018), foram protocoladas na Câmara 363 frentes parlamentares. Só em 2018, 25 foram criadas: contra a privatização da Petrobras, em defesa das distribuidoras da Eletrobras etc. Assim a hiperfragmentação chegou também às frentes e bancadas temáticas: para cada três deputados há duas frentes protocoladas.

O funcionamento parlamentar partidário reduz custos de transação no mercado político, mas quando a fragmentação passa dos limites, torna-se também problemática.

Há de fato um conflito potencial entre o funcionamento parlamentar e o apoio político suprapartidário, que não deve ser subestimado dadas as preferências comuns nos temas comportamentais e econômicos. O governo só é tóxico para uma parcela minoritária dos parlamentares e em temas que importam em custos concentrados. Aquele apoio —para além de qualquer bancada— deverá garantir no primeiro ano de governo sustentação para a aprovação da agenda do governo. Mas não para estabilizá-lo politicamente.
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Marcus André Melo é professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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