- Valor Econômico
Bolsonaro encontra conforto quando delega a gestão
Continua a montagem do governo Bolsonaro. Boa parte das pastas já foi distribuída e o perfil do governo do capitão ganha nitidez.
Fiel à promessa de campanha, o presidente eleito evitou o que chama de 'toma-lá-dá-cá', recusando-se a 'comprar' apoio dos partidos, por meio da distribuição de pastas ministeriais.
Em editorial, "O Estado de S. Paulo" saudou o princípio adotado para compor o novo governo, decretando a morte do malsinado presidencialismo de coalizão, responsável por "uma parte considerável das desventuras nacionais".
A lógica nem sempre convive bem com a análise política. Pode ser que, no passado, a distribuição de pastas ministeriais visasse tão somente a 'compra' de apoio, numa troca de cargos por votos no Legislativo, sem base em compromissos programáticos.
Mesmo que esta fosse uma descrição acurada do modus operandi dos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer, dela não decorre a impossibilidade do Executivo negociar com partidos em bases programáticas.
Tal raciocínio assume o fisiologismo como característica intrínseca dos partidos brasileiros, sobretudo dos 'partidos de aluguel'. Obviamente, seguidores de Bolsonaro não podem comungar do juízo, pois teriam que incluir o 'programático' PSL.
A inconsistência lógica do raciocínio não para aí. Assume-se que excluir os partidos garantiria lisura à transação. Contudo, cargos podem ser loteados de diversas formas. Se os nomeados representam grupos de interesse ou bancadas setoriais, como a ministra da Agricultura, o mesmo tipo de troca escusa poderia estar por detrás da nomeação.
O realismo político recomenda a leitura da Constituição, onde está dito que leis são aprovadas mediante a maioria dos votos dos legisladores e, no caso de emendas constitucionais, como a reforma da Previdência, por maioria qualificada de 3/5. Assim, se o presidente eleito tem uma agenda política, e esta agenda pede a aprovação de leis, terá que contar com o apoio de uma maioria organizada e consistente no Legislativo.
Em última análise, a suposição de que esta maioria só pode ser obtida à base de fisiologismo nada tem a ver com o grupo com qual se negocia, se com partidos ou bancadas setoriais. Se levados a sério, argumentos deste tipo questionam a legitimidade dos interesses representados pelos parlamentares, das demandas que fazem. Em outras palavras, a crítica ao presidencialismo de coalizão não condena a coalizão ou os partidos, mas a representatividade do Legislativo.
No presidencialismo, de coalizão ou não, sem as concordâncias do Executivo e do Legislativo não se muda o status quo legal. Simples assim. Como o PSL só controla algo como 10% das cadeiras, para obter o apoio necessário para aprovar matérias o presidente terá que contar com votos dos demais partidos de centro e de direita.
A esquerda pode querer fazer uma oposição intransigente, mas não tem cadeiras suficientes para paralisar o governo, pois o PT e seus aliados, em contabilidade generosa, não controlam mais do que 20% das cadeiras.
O fato é que os resultados eleitorais foram francamente favoráveis a Bolsonaro. Nenhum dos presidentes que o antecedeu encontrou condições tão cômodas para implementar seus propósitos. O folclórico MDB, para dar só um exemplo, foi reduzido a pó de traque, isto é, não há partidos com força suficiente para 'chantagear' Bolsonaro.
Até o momento, Bolsonaro e sua equipe ignoraram completamente o Poder Legislativo. O caso do orçamento é paradigmático. A equipe de transição desconsidera o trabalho da CMO, responsável pela elaboração da lei orçamentária que o governo terá que executar no ano que vem. Coisas miúdas e mundanas, como o organograma ministerial, devem ser previstos pela lei. A despeito dos pedidos reiterados do relator da matéria, a equipe de transição não envia as diretivas à comissão.
Voltando ao presidencialismo de coalizão, não é difícil perceber que a competência não oferece um guia completo para todas as decisões presidenciais. Como mostra o caso do Ministério da Educação, a qualificação do indicado varia de acordo com a fonte escutada, se Viviane Senna, a bancada evangélica ou Olavo de Carvalho.
No caso, Bolsonaro quis abrir uma nova franquia do Posto Ipiranga. Como fez com Guedes e Moro, procurou apoio fora de seu círculo restrito para legitimar sua indicação. Entretanto, não foi possível encontrar para algum notável disposto a aderir integralmente ao seu programa para a educação. Sem alternativas, Bolsonaro voltou ao seu círculo íntimo, recrutando o novo ministro entre os ungidos por seu guru.
Para dizer o mesmo de outra forma, não são nada claros os critérios usados para aferir a competência de Ricardo Vélez Rodríguez ou Luiz Henrique Mandetta. No caso deste último, Bolsonaro esclareceu que o conhece há pouco e que não trocaram mais do que algumas poucas ideias. Ainda assim, mesmo contando com informações tão limitadas, Bolsonaro o guindou à posição de Marechal, confiando-lhe a missão de "provar a todos de que a saúde tem jeito com pessoas de bem e apoios dos mais variados."
No início da campanha, sempre que indagado, Bolsonaro não escondia sua falta de preparo e conhecimento sobre economia, educação e saúde. Em mais de uma oportunidade, como na sabatina da CNI, pediu ajuda e deixou claro que estava disposto a deixar que os interesses organizados assumissem a gestão das políticas setoriais.
Em suma, Bolsonaro constrói um governo balcanizado e compartimentalizado. É meio cada um para um si, sem a coordenação de uma liderança unificadora, autorizada a resolver os inevitáveis conflitos entre os titulares das pastas.
O presidente eleito encontra conforto quando delega a gestão. Por enquanto, este foi o modelo adotado para distribuir pastas ministeriais. Nasce o presidencialismo de delegação. Tem tudo para dar errado.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.
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