A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu respeitar o que diz a Constituição e não alterou a regra de foro privilegiado para desembargadores de Tribunais de Justiça e juízes do Tribunal Regional Federal (TRF), Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Mesmo que não tenha relação com o cargo, eventual crime cometido por alguma dessas autoridades continuará sendo julgado pelo STJ, como define a Carta Magna.
Durante o julgamento, foram expostos argumentos de grande sensatez para a existência de foro especial por prerrogativa de função. Foi lembrado, por exemplo, que, sem foro privilegiado, desembargadores seriam julgados por juízes de primeiro grau, o que afetaria a hierarquia e a imparcialidade do sistema Judiciário.
“Imaginemos a situação de um juiz em começo de carreira que recebe a tarefa de processar e eventualmente condenar o presidente ou o corregedor do seu tribunal, ambos com poderes para puni-lo administrativamente, promovê-lo ou removê-lo. O juiz é um ser humano como qualquer outro e é próprio da natureza humana temer pelo futuro de uma carreira ou de um cargo”, afirmou o ministro Herman Benjamin.
Por 10 votos a 3, a Corte Especial do STJ entendeu que o foro por prerrogativa de função não configura um privilégio. Trata-se, na realidade, de uma regra que protege o próprio Poder Judiciário ao dar condições para que os magistrados exerçam seu trabalho de forma livre e independente.
O Poder Judiciário conseguiu ver pleno sentido no foro privilegiado de seus membros. No entanto, o mesmo Judiciário não soube respeitar o foro por prerrogativa de função para os membros do Legislativo. Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de questão de ordem na Ação Penal 937, em vez de aplicar aos deputados federais e senadores o foro previsto na Constituição, criou uma regra alternativa.
Seguindo a proposta do ministro Luís Roberto Barroso, o plenário do Supremo Tribunal Federal limitou, por maioria de votos, o alcance do foro privilegiado, estabelecendo que a prerrogativa dos parlamentares da Câmara e do Senado só deveria valer para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo. Como se sabe, tais condições não estão previstas na Constituição.
O art. 102 da Carta Magna estabelece que cabe ao STF, entre outras atribuições, “processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”. Além de assumir uma função que não lhe compete – não cabe ao STF alterar as regras constitucionais –, a Suprema Corte, com a decisão proferida em maio, provocou grande insegurança jurídica, já que a nova sistemática para competência é manifestamente frágil e suscita questionamentos. Como definir com precisão se um crime foi ou não praticado “em função do cargo”?
Da mesma forma que existem argumentos sensatos que corroboram o foro privilegiado para desembargadores e juízes do TRF, TRT e TRE, há também razões para que as ações penais comuns contra deputados federais e senadores sejam julgadas pelo STF. Não é bom para o regime democrático, por exemplo, que membros do Congresso Nacional estejam sujeitos a eventuais pressões de juízes de primeira instância.
A Constituição de 1988 zela para que cada um dos Três Poderes possa atuar de forma livre e autônoma. E é exatamente por isso que há na Carta Magna prerrogativas de foro para membros do Executivo, Legislativo e Judiciário. Ao fazer uma aplicação seletiva da Carta Magna, a depender do Poder que está envolvido no caso, o Judiciário interfere no princípio da separação dos Poderes, introduzindo desequilíbrios no funcionamento do Estado. Não cabe à Justiça discriminar ou privilegiar seja quem for. A Constituição deve ser aplicada integralmente a todos, sem exceções.
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