quarta-feira, 27 de março de 2019

Opinião do dia: Jan-Werner Mueller*

• A democracia liberal está em perigo por causa da ascensão desses líderes populistas?

"Especialmente após a eleição de Trump, havia uma tendência a se homogeneizar todos os casos, mas isso é um engano. As pessoas diziam que ocorreria nos Estados Unidos um processo igual ao que aconteceu na Turquia e na Hungria, mas há diferenças importantes. Para chegar ao poder, os populistas partilham certas formas de agir. Mas para serem bem-sucedidos no governo, as circunstâncias locais pesam. Essa é a resposta pedante. Talvez a resposta menos pedante seja dizer que o perigo é aumentado pelo fato de que alguns desses atores podem aprender um com o outro. Depois do fim da Guerra Fria, houve uma ilusão de que as democracias têm uma vantagem epistemológica em relação aos regimes autoritários, porque as democracias aprendem com os erros, enquanto os sistemas autoritários seriam estúpidos.

Todos terminariam como a União Soviética. Nós estamos aprendendo que essa “internacional” de líderes populistas autoritários gerou um conhecimento de governar que pode ser aprendido. Essas técnicas de como reduzir o pluralismo da mídia, de como intimidar a sociedade civil podem ser desenvolvidas, sem necessariamente reproduzir as imagens das ditaduras do século 20 que nós conhecemos. Uma coisa que precisa ser dita é: sim, nós, os democratas, aprendemos com a história. Mas os autoritários também. Eles também aprenderam a exercer um grande controle sobre as sociedades sem ser opressores. Há pessoas que viajam para a Hungria e voltam de lá, dizendo: “Está tudo bem, não parece que estamos numa espécie de país fascista”.

*Jan-Werner Mueller, cientista político alemão, autor de 'What is Populism?', veio ao Brasil e concedeu entrevista ao O Estado de S.Paulo/ Aliás, 24/3/2019

Bruno Boghossian: Ecos de 1964

- Folha de S. Paulo

Ao repetir métodos de sua vida parlamentar, presidente ignora peso da faixa

O Jair Bolsonaro dos anos 1990 prometia fechar o Congresso se chegasse ao poder. Dizia ser favorável a uma nova ditadura, propunha que o Palácio do Planalto se tornasse local de testes para a bomba atômica e argumentava que o país só mudaria se passasse por uma guerra civil. “Se vão morrer alguns inocentes, tudo bem. Tudo quanto é guerra morre inocente”, afirmou.

Por mais de duas décadas, aquele deputado ganhou holofotes ao amplificar uma ira popular contra a classe política. Bolsonaro acumulava votos ao proteger os interesses militares e agregava a sua plataforma uma defesa da ditadura no Brasil para animar seu eleitorado na caserna.

O “sindicalista” agitador virou presidente da República, mas preservou métodos do passado. O discurso de Bolsonaro transbordou dos quartéis, mas ele ainda tenta mobilizar sua tropa ao flertar com soluções autoritárias e lançar provocações para legitimar o regime militar.

Nos últimos dias, o presidente determinou que as unidades das Forças Armadas comemorem os 55 anos do golpe de 1964. A ordem foi vista como um ultraje proposital para desviar atenções, atiçar opositores e instigar apoiadores aguerridos. Seria lamentável se Bolsonaro fosse só deputado. O adjetivo ganha dimensão ao subir a rampa do Planalto.

Mesmo que se trate de uma afronta barata, a tentativa de dar novas tintas a um regime autoritário é incompatível com o papel de um presidente. Não pode, portanto, se tornar política de governo numa democracia.

Bolsonaro patrocina a subversão de valores ao convocar uma celebração oficial para um regime que fechou o Congresso, prendeu opositores e usou tortura e mortes como métodos de repressão.

Nos primeiros anos de carreira, Bolsonaro disse na Câmara ser favorável a um regime de exceção. “Sou a favor, sim, de uma ditadura, desde que esse Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”, afirmou. Talvez ele ainda não tenha sentido o peso da faixa presidencial.

Bernardo Mello Franco: Bolsonaro agora quer brigar com a História

- O Globo

Segundo o porta-voz do governo, Bolsonaro ‘não considera’ que houve golpe em 1964. É constrangedor que ele precise explicar a divergência do chefe com os livros de História

O presidente Jair Bolsonaro não se contenta em fabricar crises no presente. Ele também quer brigar com o passado, como indica a ordem para que os militares comemorem os 55 anos do golpe de 1964.

O porta-voz do Planalto, Otávio do Rêgo Barros, tentou justificar a iniciativa. “O presidente não considera o 31 de março de 1964 um golpe militar”, disse. É constrangedor que o general precise explicar uma divergência do chefe com os livros de História.

A data festejada por Bolsonaro marca o aniversário de um típico golpe de Estado. Com tanques nas ruas, os militares derrubaram um presidente legítimo e mergulharam o país num regime de exceção.

A ditadura fechou o Congresso, censurou a imprensa e perseguiu opositores. Deixou um saldo de 434 mortos e desaparecidos, além de milhares de torturados e exilados. São fatos do passado, que devem ser lembrados para que não se repitam.

Rosângela Bittar: Ilusionismo

- Valor Econômico

Bolsonaro está blefando no pôquer da reforma

Quem tem razão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ou o presidente da República, Jair Bolsonaro? Não é difícil apontar, depende dos interesses que formam o ponto de vista. Sim, são antagônicos, com linguagens e gestos diferentes um do outro. Mas, principalmente, sua diferença no momento é que o primeiro quer a reforma da Previdência e prometeu ao seu eleitorado da elite financeira realizá-la; o segundo não quer a reforma da Previdência também para agradar ao seu eleitorado, da elite do funcionalismo. Mas faz de conta que apoia. É um blefe alto, para a bolsa não cair e o dólar não subir, além de evitar que a equipe econômica peça o boné por falta de condições de fazer o crescimento.

Eis a equação do tumulto. Por isso a crise política e por isso a sensação de vazio, falta de comando, de ação de governo, que persiste há semanas.

Maia não tem dito nada demais. A essência do seu argumento é óbvia, a de que a formação de maioria no Congresso é tarefa do presidente da República e não do presidente da Câmara, por isso não precisa ficar ouvindo desaforos. Afirma que o presidente deve trabalhar em vez de ficar tuitando. Estava ficando com todo o desgaste para ajudar alguém que não quer ser ajudado, esta a síntese. Levando carão até mesmo do ministro da Justiça, Sergio Moro, que quer o pacote criminal tramitando junto com a Previdência o que, para Rodrigo, só prejudica a Previdência.

E levando bordoada de filho do presidente. Enquanto Maia se explica, a resposta lhe vem atravessada por mensagem na rede de um dos três membros da CUT particular de Bolsonaro, o vereador Carlos: "As pessoas que querem Bolsonaro longe das redes sociais sabem que é isso que o conecta com o povo, foi isso que garantiu sua eleição. O querem fraco e sem apoio popular pois assim conseguiriam chantageá-lo". Chama Rodrigo Maia de chantagista e o acusa de não querer o sucesso do governo.

Os generais também criticam o desgoverno, mas o vereador acusa só os políticos, mais fracos nessa arena eleitoral que não se transforma nunca em governo.

*Elio Gaspari: O pesadelo do sono de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo / O Globo

Bill Clinton tomou jeito, mas a soneca de Churchill era sagrada

Foi o presidente Jair Bolsonaro quem contou. Durante uma de suas internações os médicos conferiram a qualidade do seu sono e registraram 89 breves alterações por hora. Nas suas palavras: "Um recorde. Os médicos disseram: 'Como é que você consegue raciocinar?'".

Sono é assunto sério. Donald Trump diz que dorme de quatro a cinco horas por dia num quarto onde tem três televisões. Talvez isso explique muita coisa. Os primeiros meses da Presidência de Bill Clinton foram uma calamidade. Irritava-se, não conseguia prestar atenção nos outros. Era a noite maldormida. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill regulava com o horário de Trump, mas sua soneca da tarde era sagrada.

Em dezembro do ano passado Bolsonaro sentiu-se mal porque se confundiu com os medicamentos e teve uma sonolência. Dormindo pouco, ou mal, ele compromete seu desempenho nas horas em que fica acordado, sobretudo se tiver um celular à mão. Nesse caso, o disparador de mensagens produz no meio político o efeito letal do revólver que mantém ao alcance mesmo quando está na cama.

Desde que entrou no Planalto, Bolsonaro descumpre uma das normas que regem o funcionamento do prédio. Ele se destina a diminuir o tamanho dos problemas. Alguns presidentes, como Fernando Henrique Cardoso e Lula, foram amortecedores de encrencas e crises. Nos seus 16 anos de poder a crise entrava no palácio e saía menor. Outros, como Dilma Rousseff e João Figueiredo, foram propagadores de dificuldades. Ambos perderam o controle de seus governos.
À primeira vista, Bolsonaro continua em campanha. Isso explica que vá a Washington condenar o "antigo comunismo" e que tenha obrigado o presidente chileno, Sebastián Piñera, a considerar "infelizes" algumas de suas opiniões. Campanha é assim mesmo, quanto mais tensão se puser na mesa, melhor, sobretudo numa disputa como a eleição brasileira do ano passado.

Cristiano Romero: Forças ocultas?

- Valor Econômico

Ninguém entendeu ainda o que pretende Jair Bolsonaro

A forma como o presidente Jair Bolsonaro está lidando com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deve ser parte de uma estratégia ainda não compreendida pelos melhores observadores da cena política em Brasília. Ou não, o que torna tudo ainda mais nebuloso e preocupante, uma vez que Maia não integra as fileiras da oposição ao governo, muito pelo contrário. Número 2 da República, o presidente da Câmara se comprometeu com a articulação para a aprovação das mudanças nas regras de aposentadoria - a reforma das reformas - e de projetos relevantes, como o que dá autonomia legal ao Banco Central.

Convidado para um encontro com Maia e Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro decidiu desmoralizar o anfitrião (o presidente da Câmara) ao levar 20 ministros, anulando assim o caráter "petit comité" da reunião. Nas redes sociais, Bolsonaro deu a ideia de que Maia o convidou para oferecer apoio em troca de cargos. Foi um golpe de marketing de resultado pífio e perigoso.

A carreira política de Maia tomou impulso quando ele se elegeu presidente da Câmara no período 2017-2018, um momento extremamente delicado da vida nacional. Dilma Rousseff foi afastada em maio de 2016 - e impedida, em caráter definitivo, de ficar no cargo em agosto daquele ano - em meio a uma das mais graves crises econômicas da história do país, ruína da qual a nação ainda não se recuperou. Impeachment de presidentes eleitos é sempre um processo traumático numa democracia.

No presidencialismo de coalizão, modelo político que grassa no Brasil na ausência de partidos fortes, presidentes da República dependem sobremaneira, para governar, dos presidentes da Câmara e do Senado Federal, especialmente do primeiro. A deposição de Dilma mostrou isso com clareza. A então presidente tentou, em vão, impedir a ascensão ao comando da Câmara do deputado Eduardo Cunha, e este lhe deu o troco - usou uma das prerrogativas do cargo, a decisão monocrática de tirar da gaveta e colocar em tramitação um dos pedidos de impeachment contra a então chefe do Poder Executivo, para derrubá-la.

É verdade que Cunha tentou negociar durante meses um armistício com Dilma, mas a ex-presidente julgava-se, como Bolsonaro, acima dos políticos que, inclusive, integravam sua base de apoio no Congresso e cujos apadrinhados ocupavam milhares de cargos, muitos sem nenhuma qualificação, no enorme aparato estatal nacional. Eleita, Dilma, passou a ter desprezo até pelo responsável por sua chegada triunfal ao poder - Luiz Inácio Lula da Silva -, sem nunca ter sido eleita antes para coisa alguma.

Vera Magalhães: Guedes se preserva

- O Estado de S.Paulo

Em meio à guerra que virou a (des)articulação política do governo, Paulo Guedes mostrou ter mais noção dos riscos políticos que aqueles que se dedicam à atividade há mais tempo e disputam eleições.

O ministro da Economia sabia que poderia ser entregue aos leões e virar presa fácil de uma Comissão de Constituição e Justiça que é presidida pelo PSL, mas sobre a qual o partido do governo não tem nenhum controle. Tanto é que nem relator da reforma da Previdência existe ainda.

Conhecedor do próprio gênio forte e pouco afeito a levar desaforo para a casa, Guedes preferiu se preservar como interlocutor ainda imune à desconfiança generalizada que tomou conta das relações entre Executivo e Legislativo – como forma, justamente, de ser o fiador da retomada da tramitação da reforma. Agiu como estrategista quando todos agem com o fígado.

Guedes tem mantido as pontes com Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem avisou previamente que não iria à CCJ. Tem sido uma voz no governo a tentar convencer Bolsonaro da importância de ter o presidente da Câmara como aliado, e do risco de tê-lo como inimigo.

Mas prega no deserto: mesmo depois de assegurar ao núcleo de ministros mais próximos que desarmaria a difamação a Maia nas redes, o próprio Bolsonaro postou vídeo com ataques ao deputado no Twitter. Ainda ontem esses petardos continuavam a ser lançados, alguns direto da Virgínia, por meio de posts chulos do “guru” Olavo de Carvalho. Dado o nível do embate, Guedes fez a única coisa sensata: se recolher.

Monica De Bolle*: Presidentes minoritários e reformas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro cria ruído e está cercado de gente que gosta de fazer o mesmo, como comprar brigar inúteis

Presidentes minoritários têm sido há décadas a regra na América Latina, não a exceção. A exceção atual é o México de Andrés Manuel López Obrador e trata-se da única. Nos sistemas multipartidários e fragmentados que temos região afora, a prática para construir coalizões e consensos, sobretudo quando se pretende aprovar reformas de grande envergadura, é a de engajar-se naquilo que, no Brasil, nos acostumamos a chamar de toma lá dá cá. Em outros países, há outros nomes: na Colômbia, por exemplo, dá-se a isso a denominação de “mermelada”. Mesmo nos Estados Unidos, onde o sistema é nominalmente bipartidário – digo nominalmente pois, hoje, tanto republicanos quanto democratas estão internamente rachados – existe o “pork barrel politics”.

Toma lá dá cá, “mermelada”, e “pork barrel politics” significam todos mais ou menos a mesma coisa: o presidente oferece cargos a partidos “aliados” a fim de garantir a adesão à agenda que quer aprovar, e/ou disponibiliza recursos públicos para emendas parlamentares que favorecem políticos e sua base ou distrito – no caso em que o voto é distrital como nos EUA. Tais práticas dão margem a vários problemas. Quando cargos são alocados tendo como princípio a garantia de lealdade, ainda que temporária, as chances de que ministérios e agências governamentais sejam entregues a gente que não tem formação ou capacidade para exercer o cargo são elevadíssimas. Exemplos disso temos de sobra na história recente brasileira. Quando gastam-se recursos públicos para comprar a fidelidade dos parlamentares desperdiça-se muito dinheiro que poderia ser melhor alocado em outras áreas – de programas sociais a investimentos públicos.

A onda recente que varreu o mundo contra o modo “tradicional” de fazer política levou alguns líderes recém-eleitos na América Latina a se comprometer em acabar com a “mermelada”, ou com o que alguns chamam no Brasil de “velha política”. A ideia é auspiciosa e causa arroubos de esperança. Pena que na prática a tese não fique de pé por mais de par de meses, quiçá menos.

Zuenir Ventura: Nem pêsames o governo deu

- O Globo

Como sempre, a última palavra foi de Fernanda Montenegro, ao resumir a comoção da classe artística pela perda de Domingos Oliveira: “É uma época de sonhos que vai com ele. Tínhamos esperança de um país melhor, uma crença no nosso futuro”, disse ela no discurso de despedida no velório do autor, diretor e ator, que morreu aos 82 anos, deixando 120 obras entre filmes, livros, peças e séries de TV.

Deixou também duas comoventes cartas para a mulher, Priscilla, e a filha Maria Mariana, em que exalta a vida como “uma dádiva, uma aventura gloriosa”. O maior sinal do desapreço de nossos governos em relação à cultura está no silêncio que prefeito, governador e presidente dedicaram à morte de Domingos Oliveira. Nem os pêsames, como é praxe reverenciar seus mortos ilustres. Nem um tuitezinho. Eles consideram os artistas como estorvo, mas o doce autor de “Todas as mulheres do mundo” dizia que “o amor é mais importante que a política”.

O presidente tem como álibi o fato de que estava ocupado com a (des)articulação de seu governo e o bate-boca com Rodrigo Maia, um barraco que “parece briga de rua”, como bem definiu o general Hamilton Mourão.

Além disso, Bolsonaro estava tentando digerir as recentes declarações de Sebastián Piñera, para quem as frases do seu colega brasileiro sobre as ditaduras latino-americanas são “tremendamente infelizes. Não compartilho muito do que Bolsonaro diz sobre o tema”.

Míriam Leitão: Reforma no meio das trapalhadas

- O Globo

Reforma da Previdência está atolada na CCJ. Governo comete erros em sequência e se mostra incapaz de organizar forças

A confusão de ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) era esperada. Como o ministro da Economia, Paulo Guedes, comunicou algumas horas antes que não iria e mandaria representante, evidentemente haveria reação. Com isso, atrasou-se mais um pouco a tramitação do projeto da Previdência. Todo o episódio mostra o grau de descoordenação do governo. E como se não fosse confusão suficiente, um dia depois de desprestigiar a Câmara, Guedes confirmou a ida hoje ao Senado. No fim do dia, a Câmara manda um recado forte à equipe econômica ao aprovar a emenda do Orçamento impositivo, que é o oposto do que o Ministério da Economia quer fazer.

A tramitação começa na Câmara, então o lógico é que fosse lá o primeiro comparecimento do ministro. Mas ele vai é ao Senado. A CCJ era considerada a etapa mais fácil. A ser queimada rapidamente. A discussão é apenas para admissibilidade da proposta e exige cinco sessões em plenário. O projeto de Temer ficou uma semana na CCJ. Foi recebido no dia 7 de dezembro e aprovado na madrugada do dia 15. O atual chegou na CCJ no dia 22 de fevereiro, mas só no dia 13 de março foi instalada a Comissão e ainda nem teve seu relator indicado. Senão há relator, não há parecer e nada está valendo ainda, um mês e 5 dias depois. A reforma da Previdência de Bolsonaro está na verdade atolada na CCJ, comissão que ontem foi palco da briga que impediu o secretário Rogério Marinho de falar.

Merval Pereira: Quase confissão

-O Globo

Todo político quer ser acusado de caixa 2, e não de corrupção e lavagem de dinheiro, que valeram a Lula a condenação

O pedido da defesa para que o processo que resultou na condenação do ex-presidente Lula pelo tríplex do Guarujá vá para a Justiça Eleitoral, além de uma tentativa patética de chicana, é quase uma confissão de culpa.

Ele não foi condenado por caixa 2, mas sua defesa alega que o processo acusa Lula de ter liderado um esquema de arrecadação de dinheiro para custear campanhas eleitorais do PT e de partidos aliados.

Todo político quer ser acusado de caixa 2, e não de corrupção e lavagem de dinheiro, que valeram a Lula uma condenação de 12 anos e um mês. Querer se beneficiar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que mandou para a Justiça Eleitoral os crimes conexos ao caixa 2 é também admitir, o que nega até hoje, a existência de um fundo formado pelo dinheiro de propina em obras públicas para financiar as campanhas eleitorais de seu partido.

Ganhar de empreiteiras um tríplex na praia ou melhorias no sítio em Atibaia que usava como se fosse seu, dificilmente, pode ser considerado um crime eleitoral. No limite, o ex-presidente terá desviado dinheiro da propina para a campanha eleitoral para uso próprio, o que descaracteriza a finalidade política. E, como os desvios foram de dinheiro público, através da Petrobras e de outras estatais, não existe caixa 2, mas sim peculato, como ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão.

Lula volta, quase 14 anos depois, a utilizar-se de uma estratégia de defesa montada pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para amenizar as acusações contra o PT, pois naquela época o crime eleitoral quase nunca levava políticos para a cadeia. Ainda hoje pelo menos a percepção continua a mesma.

Luiz Carlos Azedo: Ivan, o Terrível, e o Mestre de Avis

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Por mais que suas diatribes possam parecer fora de qualquer sentido, a metralhadora giratória de Olavo de Carvalho pauta a narrativa do clã Bolsonaro”

Ne m todos no Palácio do Planalto levam a sério o filósofo Olavo de Carvalho, como é o caso do ministro Santos Cruz, general que vem sendo ofendido diariamente pelo guru do clã Bolsonaro, mas o fato é que a sua narrativa já não pode ser ignorada, quando nada pela influência que exerce junto ao próprio presidente da República. Olavo de Carvalho foi uma das estrelas do jantar que Bolsonaro ofereceu na embaixada do Brasil em Washington, quando de sua recente visita aos Estados Unidos, para o encontro com o presidente Donald Trump na Casa Branca.

Por mais que suas diatribes possam parecer fora de qualquer sentido, a metralhadora giratória de Olavo de Carvalho pauta a narrativa do clã Bolsonaro. Na segunda-feira, um post do filósofo no Facebook chamou a atenção pelo significado de suas referências históricas, num momento de grande ativismo de seus partidários nas redes sociais, comandado pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, com a difusão de “memes” contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Disse o filósofo: “O mecanismo político mais eficiente e quase infalível já registrado na História — por exemplo, na origem do reino português ou no triunfo de Ivan, o Terrível — é a aliança do governante com a massa popular para esmagar os poderes intermediários corruptos e aproveitadores. Deus queira que o Bolsonaro entenda ser essa a sua grande oportunidade”. A afirmação de Olavo de Carvalho coincide com a recomendação do presidente da República para que os comandantes militares organizassem as “devidas comemorações” do golpe militar de 1964, em 31 de março próximo, fato que gerou muita polêmica no Congresso. E com um grave desencontro entre o Palácio do Planalto e as principais lideranças da Câmara.

Ricardo Noblat: Tiro em Bolsonaro

- Blog do Boblat / Veja

O grito de independência do Congresso

Poucas vezes se viu algo parecido com o que aconteceu ontem à noite na Câmara dos Deputados. Foi a maior traulitada que um governo levou em poucas horas, e por esmagadora maioria de votos.

Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro se recusa a ir atrás de apoio para aprovar os principais projetos do seu governo, a Câmara deu-lhe o troco – e que troco.

Primeiro por 448 votos a 3, e depois por 453 a 6, a Câmara aprovou em dois turnos a proposta de emenda à Constituição que torna impositivo o Orçamento da União.

Pelos próximos quatro anos o governo ficará obrigado a executar o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias com uma estreita margem de manobra.

Os parlamentares elevaram o percentual de suas emendas ao Orçamento de 0,65 da receita corrente líquida para 1%. Emendas apresentadas por bancadas estaduais deverão ser cumpridas.

Tudo na contramão do que desejava o governo, especialmente o ministro Paulo Guedes, da Economia. Ele queria um Orçamento sem tantas amarras, de modo a que pudesse remanejar despesas.

A decisão da Câmara foi uma resposta aos ataques sofridos pelo presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia virou o alvo preferido de Bolsonaro e dos seus garotos nas redes sociais.

O atrito entre eles se deveu ao fato de Bolsonaro ter lavado as mãos quanto ao futuro da reforma da Previdência Social. Maia retaliou declinando da posição de articulador da aprovação da reforma.

O Congresso aprovará, sim, a reforma, mas necessariamente o texto para ali despachado pelo governo. Quer pôr suas impressões digitais na reforma. E, doravante, em tudo mais que o governo lhe proponha.

O Orçamento impositivo aprovado na Câmara será votado em seguida pelo Senado. Só depois entrará em vigor. Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, disse que ali ele também será aprovado.

Bolsonaro poderá vetar no todo ou em parte o que receber do Congresso. Mas o Congresso poderá derrubar o veto de Bolsonaro, impondo sua própria vontade.

Por que o capitão foi ao cinema

O poder é inebriante
O ex-presidente Bill Clinton, que escapou por pouco de perder o cargo de presidente dos Estados Unidos, justificou assim seu envolvimento sexual com Monica Lewinski, estagiária da Casa Branca:

– Fiz porque podia.

Justiça reconhece 1ª vítima da ditadura, um militar morto 4 dias depois do golpe

Contrário à conspiração que derrubou Jango, tenente-coronel foi assassinado em Canoas (RS)

Rubens Valente / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Morto a tiros quatro dias depois do golpe militar iniciado em 31 de março de 1964, que completa 55 anos no domingo (31), o tenente-coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro é considerado a primeira pessoa a ser assassinada pela ditadura militar.

Foi necessário mais de meio século para que a Justiça Federal reconhecesse, a partir de ação movida pelo Ministério Público Federal e ativistas de direitos humanos, que Monteiro não foi morto em legítima defesa, ao contrário do que dizia a versão oficial.

Na semana passada, o Ministério Público informou que a União fez mudanças em documentos oficiais para constar que Monteiro foi assassinado dentro do quartel.

Em sua decisão, o juiz federal Fabio Hassen Ismael escreveu que Monteiro morreu em "um ato de exceção" em "contexto de violação a direitos humanos, por motivações político-ideológicas decorrentes do regime militar instaurado".

Nascido em 1922 em Itaqui (RS), em um 31 de março, Monteiro entrou na Escola da Aeronáutica em 1942.

Atuou em Fortaleza, São Paulo, Rio, Natal e Canoas (RS). Tornou-se tenente-aviador em 1946 e fez o curso do Estado-Maior da Aeronáutica em 1958.

No final de março de 1964, por coincidência, Monteiro providenciava sua mudança de Canoas para o Rio, onde frequentaria um curso superior de comando na Escola do Estado-Maior da Aeronáutica, quando veio a derrocada do presidente João Goulart.

Monteiro não era bem visto pelo lado golpista porque, em 1961, segundo testemunhas, havia se recusado a participar do bombardeio do Palácio Piratini, em Porto Alegre (RS), onde o então governador Leonel Brizola organizava uma resistência para garantir a posse de Goulart, então vice-presidente, após a renúncia de Jânio Quadros.

Quando a crise acabou, com a posse de Goulart, o lado defendido por Monteiro saiu vitorioso, mas isso durou menos de três anos.

Na noite de 4 de abril de 1964, Monteiro foi chamado ao gabinete do novo comandante do Quartel-General da 5ª Zona Aérea em Canoas, o brigadeiro Nélson Freire Lavanere-Wanderley, que havia chegado naquele dia como interventor do grupo golpista e dado voz de prisão a vários militares.

O brigadeiro estava acompanhado do coronel Roberto Hipólito da Costa, sobrinho do novo presidente da ditadura, Humberto de Alencar Castello Branco. Minutos depois de se apresentar, Monteiro foi assassinado na sala do comandante.

MPF: festejar a ditadura é apologia a atrocidades

Para procuradora, orientação do presidente Jair Bolsonaro de comemorar golpe de 1964 merece ‘repúdio social e político’ e pode configurar improbidade administrativa; eventos terão tropas em forma e desfiles

Vinicius Sassine e Paola de Orte / O Globo

BRASÍLIA E WASHINGTON - A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR), criticou a decisão do presidente Jair Bolso na rode determinara comemoração do gol peque implantou a ditadura militar no Brasil em 31 de março de 1964. No texto, assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e por três procuradores auxiliares, o Ministério Público Federal (M PF) diz que “festejara ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos”.

“Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo de repercussões jurídicas”, diz anota.

Anota, divulgada ontem, afirma ainda que a defesa de crimes constitucionais e internacionais — como um golpe militar —pode se caracterizar um ato de improbidade administrativa. Os procuradores federais dos Direitos do Cidadão, segundo o texto, afirmam “confiar” que as Forças Armadas e “demais autoridades militares e civis” deixarão de celebrar o golpe militar de 1964 e cumprirão seus “papéis constitucionais” na defesa do estado democrático de direito. O Palácio do Planalto não comentou as críticas.

Também ontem, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, disse em Washington que ou soda expressão “comemoração” para se referir à decisão
de Bolsonaro de celebrar o golpe militar é inadequado:

— O termo aí, comemoração, na esfera do militar, não é muito o caso. Nós vamos relembrar e marcar uma data histórica que o Brasil passou, com a participação decisiva das Forças Armadas, como sempre foi feito. Os governos passados pediram que não houvesse ordem do dia. Este, ao contrário, acha que os mais jovens tem que saber o que aconteceu naquela data e naquela época.

Segundo o ministro, a celebração não fugirá à rotina.

— Vamos fazer coisa de soldado (...). É formatura militar, é palestra, é ler a ordem do dia, coisa que sempre a gente faz em todas datas. Em todas as datas históricas do Brasil é feito isso, essa é mais uma.

Câmara aprova em 2 turnos PEC que reduz poder do governo no Orçamento

Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Num troco contra o presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, por 448 a 3, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tornar impositivo todo o Orçamento de investimentos e emendas parlamentares de bancadas estaduais. A proposta foi aprovada em dois turnos em menos de uma hora e segue agora para o Senado Federal.

O projeto deixa o governo com condições de cortar e remanejar sem justificativas apenas 3% de um Orçamento total de R$ 1,4 trilhão e ainda aumentará em quase R$ 4 bilhões o gasto obrigatório com as emendas parlamentares. A versão final do texto, contudo, causou polêmica entre assessores técnicos e apenas a parte das emendas de bancada está garantida.

A versão da PEC aprovada por uma comissão especial em 2015 dizia que era “obrigatória a execução de políticas públicas e metas definidas como prioritárias” pelo Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — o que abrange quase 100% dos investimentos. O pagamento só não será exigido por impedimento técnico (falta de uma licença ambiental, por exemplo) ou “limitações fiscais” (falta de dinheiro).

No lugar, ficou um parágrafo mais genérico, que diz que “o dever de execução das programações orçamentárias tem como propósito garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, devendo a administração adotar os meios e medidas necessários à implementação do programa de trabalho”. No entendimento de técnicos orçamentários da Câmara, isso tornará todas as ações de serviços para a população obrigatórias.

A supressão do primeiro parágrafo ocorreu por destaque combinado com o relator, com o argumento de que restringia a execução obrigatória apenas ao que era definido pelo PPA e LDO. Líder do PP, o deputado Arthur Lira (PP-AL) disse que a alteração visava evitar problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a interpretação no PSL é que o texto final deixou como impositivo apenas o pagamento das emendas de bancada.

Os deputados ficaram impossibilitados de deixar mais explícita a impositividade de todos os investimentos porque a PEC já foi votada pela comissão especial, onde poderia receber emendas, e cabia ao plenário votar apenas os dispositivos já aprovados pelo colegiado, sem poder criar texto novo.

Líder do bloco da maioria (que representa os maiores partidos) na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) afirmou ao Valor que o dispositivo na Constituição é genérico e que o Congresso determinará, na LDO e na Lei Orçamentária Anual (LOA), as regras para a execução obrigatória dos investimentos.

Discussão política
Com a insatisfação dos parlamentares com o governo, o projeto entrou em debate a pedido do PRB e teve apoio de todos os partidos, até do PSL de Bolsonaro. “É o resgate das nossas prerrogativas”, disse o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA). “A gente define o orçamento e o governo executa.”

Vinicius Torres Freire: Não há governo

- Folha de S. Paulo

Rebelião na Câmara empareda governo, reformas naufragam, há anarquia em ministérios

O Congresso está à deriva, no que diz respeito aos interesses do governo. Alguns ministérios implodem em anarquia vexaminosa. A Câmara aprovou uma pauta-bomba nuclear, que na prática impede o governo de conter déficits —falta apenas a aprovação do Senado. Manter o teto de gastos talvez agora dependa da paralisação de parte da máquina pública.

Sem o serviço de bombeiro em tempo integral de Rodrigo Maia, foram detonadas várias bombas. Nada mais se pode dizer do que será feito da política e, pois, da economia, pois Jair Bolsonaro se omite, quando não agrava a crise.

No Congresso, havia ameaças de derrubar decretos do governo ou de chamar ministros às falas. Tudo isso, porém, virou picuinha, pois à noite a Câmara aprovou emenda constitucional que impede o Executivo de cortar certas despesas (como investimentos e emendas parlamentares).

Em menos de duas horas, maioria massacrante de deputados votou em dois turnos uma PEC que vai emparedar o governo, caso seja aprovada também no Senado.

De manhã, lideranças de partidos que juntam uns 300 dos 513 deputados até propuseram um novo pacto, mas com uma faca no pescoço do Planalto. Podaram da reforma previdenciária as mudanças nos benefícios para idosos muito pobres (BPC) e na aposentadoria rural. É um adeus para o trilhão de reais de economia em uma década, plano do ministro Paulo Guedes (Economia). Mas os deputados disseram ao menos que aceitam conversar, nessas novas bases.

Planalto piora as condições para aprovação de reformas: Editorial /Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro está se colocando, por livre e espontânea vontade, em um beco sem saída. Com o projeto de reforma da Previdência à espera da indicação dos relatores em duas comissões da Câmara dos Deputados, Bolsonaro, com a ajuda de seus filhos, voltou suas baterias contra um importante aliado para a tarefa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A PEC da reforma é dura e sua aprovação, muito difícil. Há inimigos do projeto por todos os lados e poucos apoiadores visíveis, como Maia. Pois o presidente resolveu atacar justamente quem defende o projeto de seu governo.

As críticas à falta de coordenação política do governo procedem e ela não pode prosperar quando a vontade do chefe do Executivo parece ser a de decretar que está fazendo "nova política", algo que ainda não se sabe o que é e que, do jeito que o presidente vem conduzindo suas relações com os partidos, pode até mesmo prescindir dos políticos. Não há linha estratégica, com começo, meio e fim, que facilite a transição para o novo nível em que Bolsonaro, em tese, pretende elevar a atividade política. Na verdade, não há nada, afora um clima de "briga de rua", como comparou o vice-presidente Hamilton Mourão.

Durante visita ao Chile e no fim de semana, o presidente rebateu as afirmações de Maia de que cabia ao presidente organizar o processo de busca de apoio a seu projeto no Congresso - um acacianismo. Bolsonaro disse que já havia "despachado" o processo ao Congresso e a este competiria o seu destino a partir de então, como se tivesse dado por encerrada sua participação no principal e primeiro projeto de reformas de sua administração. Diante de novas cobranças do presidente da Câmara, provocou-o ao dizer que "compreendia sua situação", em uma referência à prisão de Moreira Franco - Maia é casado com a enteada do ex-ministro de Michel Temer.

O 'abacaxi' da Previdência: Editorial / O Estado de S. Paulo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, desistiu de comparecer a uma audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara convocada para ouvi-lo sobre a proposta do governo de reforma da Previdência. Oficialmente, o ministro alegou que considerava “mais produtivo” esperar a escolha do relator do projeto. Na prática, o ministro declinou do convite porque a audiência certamente seria convertida num espetáculo dos adversários da reforma, estimulados pela franca desorganização da base governista – onde, aliás, se abrigam muitos dos que se opõem à proposta do governo.

A decisão de Paulo Guedes faz todo o sentido, especialmente quando se observa a qualidade da atual articulação política do governo no Congresso. Sem a certeza de contar com algum apoio no plenário da CCJ, o ministro provavelmente calculou que sua ida à comissão, além de ser inócua – porque nem relator a reforma tem ainda –, permitiria aos demagogos de sempre confrontá-lo com as costumeiras mistificações acerca do estado das contas da Previdência e sobre a cassação de “direitos”.

O ministro Paulo Guedes foi designado pelo presidente Jair Bolsonaro como articulador da reforma da Previdência no Congresso, como se isso bastasse para aplacar os ânimos hostis à proposta e fosse suficiente para conferir à base do governo um mínimo de coesão em favor das mudanças propostas. Paulo Guedes pode até ser competente ministro, o que ainda está por ser provado, mas definitivamente não é mágico.

A desarticulação da base governista é tão acentuada que torna praticamente impossível defender a proposta de reforma tal como foi desenhada pelo ministro – e pode-se dizer que essa bagunça política dificultará a aprovação mesmo de uma versão mais branda do projeto. Portanto, não havia nada que Paulo Guedes pudesse fazer na CCJ ontem – e não há perspectiva de que esse quadro se altere nos próximos tempos.

Festejo indevido: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro determina comemorações de golpe, no que felizmente deve ser contido

O porta-voz do Planalto, general Otávio Rêgo Barros, relatou na segunda-feira (25) que o presidente Jair Bolsonaro havia determinado ao Ministério da Defesa a realização de “comemorações devidas” dos 55 anos do golpe militar levado a cabo em 31 de março de 1964.

Não se sabe ao certo o que o mandatário entende por “comemorações devidas”. São conhecidas, entretanto, suas opiniões acerca do regime instituído pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que sufocou a democracia brasileira por duas décadas.

Elas não se resumem a considerar que se tratou de uma reação, com apoio de setores do empresariado e da classe média, ao fantasma da implantação de um governo de inspiração soviética no país, em meio aos embates da Guerra Fria.

Em sua vida pública, Bolsonaro, capitão reformado após carreira conturbada nas Forças Armadas, já teceu elogios ao que de pior aconteceu durante os anos de autoritarismo. É um entusiasta declarado, por exemplo, do coronel Carlos Brilhante Ustra, um notório torturador, a quem considera um herói brasileiro.

A correta proposta de Dodge à Justiça Eleitoral: Editorial / O Globo

Juízes federais atuarem em casos de caixa 2 garantirá um melhor cumprimento da decisão do STF

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisa analisar com as devidas atenção e urgência o requerimento que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviará à Corte com a solicitação de que os juízes federais também possam atuar na esfera eleitoral. O virtual monopólio da função exercido por juízes estaduais vem de uma resolução do TSE de 2002, que se baseou no Código Eleitoral, de julho de 1965, quando não existia a Justiça Federal, recriada em outubro daquele ano.

O assunto deve ser discutido como forma de a Justiça Eleitoral ser reforçada para poder cumprir com eficiência determinação de julgamento recente do STF, por apenas um voto, de que os crimes conexos ao caixa 2, instrumento usual nos casos de corrupção ocorridos em torno da política, também sejam analisados por juízes federais cedidos a Varas Eleitorais.

Sintomaticamente, sequer a presidente e o vice do TSE, ministros do Supremo Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, apoiaram a tese vencedora, entendida como manobra para enfraquecer o combate à corrupção travado pela Justiça Federal e, em particular, a Operação Lava-Jato.

A sugestão de Raquel Dodge se justifica, porque a Justiça Eleitoral é reconhecidamente despreparada, em termos de estrutura, para analisar casos de corrupção cometidos de forma sofisticada, até mesmo com o uso da própria Justiça Eleitoral para lavar dinheiro sujo. É o que ficou provado pela Lava-Jato ao investigar delações de que propina havia sido distribuída a políticos por meio de doações apenas formalmente legais.

Reportagem do GLOBO de domingo é objetiva: a força-tarefa da Lava-Jato, criada em Curitiba em 2014, conta com 15 procuradores, 11 policiais federais e 30 assessores, a maioria com dedicação exclusiva; ainda na capital do Paraná, a maior zona eleitoral tem apenas quatro servidores concursados (dois analistas judiciários e dois técnicos), dois estagiários e dois outros funcionários. A disparidade é imensa, e isso se reflete na qualidade do trabalho. Acrescente-se ao quadro de precariedade da Justiça Eleitoral o fato de que juízes estaduais são cedidos a ela. Sem avaliar a qualificação de cada um, é indiscutível a maior capacidade para julgar processos de corrupção de um juiz federal que se dedica ao tema de forma exclusiva. Há, em questão, uma demanda corporativista dos juízes federais de atuarem em Varas eleitorais, para receber o adicional de R$ 5.390,26. Mas esta é uma outra discussão. Importa é que este dinheiro, que será gasto de qualquer forma, seja usado de maneira mais produtiva para a sociedade. Ou seja, na repressão à onda de corrupção no país.

Ascenso Ferreira: Minha escola

A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!

À sua porta eu estava sempre hesitante...
De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
— O meu engenho de barro de fazer mel!

Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
— Quantas orações?
— Qual é o maior rio da China?
— A 2 + 2 A B = quanto?
— Que é curvilíneo, convexo?
— Menino, venha dar sua lição de retórica!
— "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
— Agora, a de francês:
— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
— Basta
— Hoje temos sabatina...
— O argumento é a bolo!
— Qual é a distância da Terra ao Sol?
— ?!!
— Não sabe? Passe a mão à palmatória!
— Bem, amanhã quero isso de cor...

Felizmente, à boca da noite,
eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.

Mônica Salmaso: O velho Francisco