O presidente Jair Bolsonaro está se colocando, por livre e espontânea vontade, em um beco sem saída. Com o projeto de reforma da Previdência à espera da indicação dos relatores em duas comissões da Câmara dos Deputados, Bolsonaro, com a ajuda de seus filhos, voltou suas baterias contra um importante aliado para a tarefa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A PEC da reforma é dura e sua aprovação, muito difícil. Há inimigos do projeto por todos os lados e poucos apoiadores visíveis, como Maia. Pois o presidente resolveu atacar justamente quem defende o projeto de seu governo.
As críticas à falta de coordenação política do governo procedem e ela não pode prosperar quando a vontade do chefe do Executivo parece ser a de decretar que está fazendo "nova política", algo que ainda não se sabe o que é e que, do jeito que o presidente vem conduzindo suas relações com os partidos, pode até mesmo prescindir dos políticos. Não há linha estratégica, com começo, meio e fim, que facilite a transição para o novo nível em que Bolsonaro, em tese, pretende elevar a atividade política. Na verdade, não há nada, afora um clima de "briga de rua", como comparou o vice-presidente Hamilton Mourão.
Durante visita ao Chile e no fim de semana, o presidente rebateu as afirmações de Maia de que cabia ao presidente organizar o processo de busca de apoio a seu projeto no Congresso - um acacianismo. Bolsonaro disse que já havia "despachado" o processo ao Congresso e a este competiria o seu destino a partir de então, como se tivesse dado por encerrada sua participação no principal e primeiro projeto de reformas de sua administração. Diante de novas cobranças do presidente da Câmara, provocou-o ao dizer que "compreendia sua situação", em uma referência à prisão de Moreira Franco - Maia é casado com a enteada do ex-ministro de Michel Temer.
É uma longa cadeia de desentendimentos, que envolve os três Poderes, e compõe um preocupante preâmbulo para um governo com menos de três meses de existência. Sergio Moro, ministro da Justiça, havia cobrado Maia por adiar a tramitação de seu projeto e recebeu como resposta que não trataria da questão com um "funcionário" de Bolsonaro. O presidente da Câmara disse que a partir de agora terá um "papel institucional", o que significa que nada fará para ajudar o governo na Casa e que poderá dificultar sua vida.
Um dos motivos imediatos de estranhamento entre Bolsonaro e Maia - e de assombro para quem defende a reforma - foi o envio das mais que suaves mudanças na previdência para os militares, acompanhada de generosa recomposição salarial. O presidente da Câmara, em uma primeira avaliação, afirmou o óbvio: manter a paridade e integralidade das pensões dos militares estava fora de questão. Esse projeto ampliou a algazarra na Câmara, atingindo em especial, o partido de Bolsonaro, o PSL. Os líderes da legenda não entenderam os motivos para privilegiar militares e discordaram.
Depois que nas redes bolsonaristas, impulsionadas por Carlos Bolsonaro, corria a pergunta de por que Maia andava "tão nervoso", Bolsonaro chamou no domingo ao Planalto o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO) para afinar o discurso. Hugo saiu postando que Bolsonaro estava convicto de suas posições e fez críticas à "velha política", referência que o presidente sempre usa, por coincidência, após reuniões com Maia. Na segunda, em reunião com ministros, o governo decidiu fazer as pazes com Maia - não se sabe até quando.
O uso compulsivo do confronto, além de afastar aliados e potenciais aliados, arranhou o prestígio de Bolsonaro. Ele perdeu 15 pontos na avaliação de seu governo, a mais rápida derrocada de popularidade de um chefe do Executivo em período tão curto. O entusiasmo do mercado financeiro está sofrendo abalos e os que contavam com a "curva de aprendizado" a ser percorrida por todo governo novo não estão vendo a linha ascender.
A missão de Bolsonaro se tornará cada vez mais difícil caso se aprofunde a piora de avaliação do governo e prossigam as hostilidades em relação aos políticos. Para quem acha que o presidente não quer de fato a reforma da previdência, o líder do PRB, Marcos Pestana, acrescenta - ele nunca quis. A ligação essencial entre essa reforma, a retomada da economia e a governabilidade parece escapar a Bolsonaro.
No fim desse caminho há uma crise. Mourão citou três condições para evitá-la: "Clareza de ideias, determinação na busca do objetivo e paciência no diálogo". Bolsonaro não exibiu até agora nenhum desses atributos.
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