Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico
BRASÍLIA - Num troco contra o presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, por 448 a 3, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tornar impositivo todo o Orçamento de investimentos e emendas parlamentares de bancadas estaduais. A proposta foi aprovada em dois turnos em menos de uma hora e segue agora para o Senado Federal.
O projeto deixa o governo com condições de cortar e remanejar sem justificativas apenas 3% de um Orçamento total de R$ 1,4 trilhão e ainda aumentará em quase R$ 4 bilhões o gasto obrigatório com as emendas parlamentares. A versão final do texto, contudo, causou polêmica entre assessores técnicos e apenas a parte das emendas de bancada está garantida.
A versão da PEC aprovada por uma comissão especial em 2015 dizia que era “obrigatória a execução de políticas públicas e metas definidas como prioritárias” pelo Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — o que abrange quase 100% dos investimentos. O pagamento só não será exigido por impedimento técnico (falta de uma licença ambiental, por exemplo) ou “limitações fiscais” (falta de dinheiro).
No lugar, ficou um parágrafo mais genérico, que diz que “o dever de execução das programações orçamentárias tem como propósito garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, devendo a administração adotar os meios e medidas necessários à implementação do programa de trabalho”. No entendimento de técnicos orçamentários da Câmara, isso tornará todas as ações de serviços para a população obrigatórias.
A supressão do primeiro parágrafo ocorreu por destaque combinado com o relator, com o argumento de que restringia a execução obrigatória apenas ao que era definido pelo PPA e LDO. Líder do PP, o deputado Arthur Lira (PP-AL) disse que a alteração visava evitar problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a interpretação no PSL é que o texto final deixou como impositivo apenas o pagamento das emendas de bancada.
Os deputados ficaram impossibilitados de deixar mais explícita a impositividade de todos os investimentos porque a PEC já foi votada pela comissão especial, onde poderia receber emendas, e cabia ao plenário votar apenas os dispositivos já aprovados pelo colegiado, sem poder criar texto novo.
Líder do bloco da maioria (que representa os maiores partidos) na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) afirmou ao Valor que o dispositivo na Constituição é genérico e que o Congresso determinará, na LDO e na Lei Orçamentária Anual (LOA), as regras para a execução obrigatória dos investimentos.
Discussão política
Com a insatisfação dos parlamentares com o governo, o projeto entrou em debate a pedido do PRB e teve apoio de todos os partidos, até do PSL de Bolsonaro. “É o resgate das nossas prerrogativas”, disse o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA). “A gente define o orçamento e o governo executa.”
O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se reuniu por duas horas com os líderes partidários à tarde para ouvir as reclamações e negociar a melhora da relação com o Congresso, mas não tocou no assunto. Na saída, disse a jornalistas que o governo “ainda não tinha preocupação” com a PEC. O líder do governo na Câmara, deputado major Vitor Hugo (PSL-GO), sequer participou da reunião com os partidos que decidiu a votação.
No governo anterior, da ex-presidente Dilma Rousseff, a aprovação do Orçamento impositivo para as emendas parlamentares individuais se tornou uma guerra. O governo tentou por meses evitar a aprovação. Essa PEC surgiu logo depois, para tornar obrigatório também o pagamento das emendas feitas pelas bancadas de cada Estado.
A votação da nova PEC é uma resposta às declarações do presidente Jair Bolsonaro, que tem se recusado a negociar com o Congresso, acusado os parlamentares de pedirem cargos em troca de votos e que disse que cada um, Executivo e Legislativo, deve cuidar de suas atribuições.
A reação dos parlamentares foi ampliar a força do Congresso. “Você pode ler para frente: é o começo do Parlamentarismo”, disse o deputado Paulinho da Força (SP), presidente do SD.
O governo, contudo, tentou evitar que a votação soasse como uma derrota e declarou apoiou o projeto – que teve como signatários, na legislatura passada, o então deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Só queria deixar nossa posição favorável a PEC. Realmente, é uma pauta que ele e eu somos favoráveis, vai trazer independência para esse plenário, para os deputados federais”, disse Eduardo, negando que se fosse uma derrota.
A líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), disse, porém, que votou contra a PEC porque estava com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que defendeu um debate maior em torno do projeto para saber o impacto para o país.
Se a PEC for aprovada pelo Senado, o governo só poderá remanejar sem justificativas o valor referente ao custeio da máquina pública, como despesas com conta de luz e água, o que torna limitados os cortes possíveis. No Orçamento de 2019, eles representam R$ 45 bilhões de R$ 1,4 trilhão em despesas primárias do governo. Os demais gastos são com salários, aposentadorias, pensões e benefícios obrigatórios, que o Executivo não pode contingenciar.
O governo ainda terá um aumento no gasto com emendas. Hoje, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o Executivo paga 0,6% da receita corrente líquida (RCL) com emendas de bancadas estaduais. A PEC eleva o valor para 1,0% da RCL, o que elevará o montante de R$ 4,6 bilhões para R$ 8,3 bilhões, em torno de R$ 300 milhões por Estado. Atualmente, o governo já é obrigado a executar 1,2% da RCL com as emendas individuais.
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