Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para à flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?
Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram os que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.
- Cantei para os escravos, eles sobre os navios
como um cacho escuro da árvore da ira,
viajaram, e no porto se dessangrou o navio
deixando-nos o peso de um sangue roubado.
- Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra as afiadas línguas da cobiça,
contra o ouro empapado do tormento,
contra a mão que empunhava o chicote,
contra os dirigentes de trevas.
- Cada rosa tinha um morto nas raízes.
A luz, a noite, o céu cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a única que enchia o silêncio.
- Eu quis que do homem nos salvássemos,
eu cria que a rota passasse pelo homem,
e que daí tinha de sair o destino.
Cantei para aqueles que não tinham voz.
Minha voz bateu em portas até então fechadas
para que, combatendo, a liberdade entrasse.
Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixam-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Editorial :: Revanchismo
DEU EM O GLOBO
A conhecida ambiguidade do presidente Lula deriva de uma característica da montagem do seu governo, uma estrutura sem unidade, composta de capitanias hereditárias, sob controle de agrupamentos políticos de tendências disparatadas.
Há segmentos sob as ordens de conservadores, existem áreas doadas a organizações ditas sociais, e cargos influentes cedidos a egressos da luta armada dos tempos da ditadura. Daí a proverbial ambiguidade de Lula, obrigado a adotar um discurso multifacetado, para contentar a todos. Ou pelo menos continuar de pé sobre esta geleia político-ideológica.
Mas nem sempre Lula consegue reproduzir o chinês de circo que tenta manter pratos rodando na ponta de varetas de bambu. O grave caso da proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos, razão do pedido de demissão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos chefes militares, significa que o presidente não conseguiu concluir com êxito mais este número de equilibrismo. Pediu a todos para ficar e embarcou rumo a alguns dias de descanso na Bahia — se é que isto será possível — , deixando em Brasília o embrião de uma crise militar, risco que se pensava fazer parte do passado. O problema era previsível, pois há algum tempo um desses núcleos do governo, o de esquerda, tenta rever a Lei da Anistia.
Autoridades de primeiro escalão, Paulo Vanucchi, ministro da Secretaria de Direitos Humanos, e Tarso Genro, ministro da Justiça, estão na linha de frente da operação.
E, ao assinar o decreto do tal programa, encaminhado a ele por Vanucchi, Lula avalizou a pressão do grupo pela revisão da anistia, em nome da punição de torturadores etc. Com razão, Jobim e os comandantes Enzo Peri (Exército), Júlio Moura Neto (Marinha) e Juniti Saito (Aeronáutica) colocaram os cargos à disposição.
Reabrir a questão é recriar uma zona de turbulência já superada pela sociedade brasileira. Por ter sido a anistia recíproca — para militares e militantes — , se, por um delírio, resolverem revê-la, os crimes cometidos por guerrilheiros, alguns hoje em cargos elevados na República, também precisarão ser reexaminados.
Nessa discussão não cabe fazer comparações com outros países latino-americanos, onde a anistia foi forjada com o objetivo de livrar da Justiça apenas um lado, os militares. No Brasil, ao contrário, a Lei da Anistia surgiu de uma negociação do regime com a oposição, para facilitar a caminhada de volta à democracia. Cabe agora ao presidente Lula fugir das usuais contemporizações com falanges do governo, dar um basta a essas reiteradas tentativas de revanchismo, e, como prometeu a Jobim, rever o decreto.
Não há alternativa.
A conhecida ambiguidade do presidente Lula deriva de uma característica da montagem do seu governo, uma estrutura sem unidade, composta de capitanias hereditárias, sob controle de agrupamentos políticos de tendências disparatadas.
Há segmentos sob as ordens de conservadores, existem áreas doadas a organizações ditas sociais, e cargos influentes cedidos a egressos da luta armada dos tempos da ditadura. Daí a proverbial ambiguidade de Lula, obrigado a adotar um discurso multifacetado, para contentar a todos. Ou pelo menos continuar de pé sobre esta geleia político-ideológica.
Mas nem sempre Lula consegue reproduzir o chinês de circo que tenta manter pratos rodando na ponta de varetas de bambu. O grave caso da proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos, razão do pedido de demissão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos chefes militares, significa que o presidente não conseguiu concluir com êxito mais este número de equilibrismo. Pediu a todos para ficar e embarcou rumo a alguns dias de descanso na Bahia — se é que isto será possível — , deixando em Brasília o embrião de uma crise militar, risco que se pensava fazer parte do passado. O problema era previsível, pois há algum tempo um desses núcleos do governo, o de esquerda, tenta rever a Lei da Anistia.
Autoridades de primeiro escalão, Paulo Vanucchi, ministro da Secretaria de Direitos Humanos, e Tarso Genro, ministro da Justiça, estão na linha de frente da operação.
E, ao assinar o decreto do tal programa, encaminhado a ele por Vanucchi, Lula avalizou a pressão do grupo pela revisão da anistia, em nome da punição de torturadores etc. Com razão, Jobim e os comandantes Enzo Peri (Exército), Júlio Moura Neto (Marinha) e Juniti Saito (Aeronáutica) colocaram os cargos à disposição.
Reabrir a questão é recriar uma zona de turbulência já superada pela sociedade brasileira. Por ter sido a anistia recíproca — para militares e militantes — , se, por um delírio, resolverem revê-la, os crimes cometidos por guerrilheiros, alguns hoje em cargos elevados na República, também precisarão ser reexaminados.
Nessa discussão não cabe fazer comparações com outros países latino-americanos, onde a anistia foi forjada com o objetivo de livrar da Justiça apenas um lado, os militares. No Brasil, ao contrário, a Lei da Anistia surgiu de uma negociação do regime com a oposição, para facilitar a caminhada de volta à democracia. Cabe agora ao presidente Lula fugir das usuais contemporizações com falanges do governo, dar um basta a essas reiteradas tentativas de revanchismo, e, como prometeu a Jobim, rever o decreto.
Não há alternativa.
Eliane Cantanhêde:: Não viu, não leu, mas assinou
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - Lula faz na crise com as Forças Armadas o que fez no caos aéreo: empurra com a barriga. Sem condições de decidir entre Jobim e os militares, de um lado, e Dilma, Tarso Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), de outro, ele simplesmente não decide. Foi para a Bahia e deixou a confusão no ar, até os ventos do novo ano.
Depois de lançar o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, com ex-militantes de esquerda emocionados e Dilma chorando, Lula não tem ambiente político para revogar trechos do texto, como exigem Jobim e militares.
Eles reclamam que são parte diretamente interessada e que todas as suas sugestões foram ignoradas, produzindo um texto "desequilibrado" -que cobra todas as responsabilidades da área militar da ditadura e nenhuma dos seus opositores, entre eles os próprios Dilma, Tarso e Vannuchi. Como se a guerra continuasse, mas com um lado só armado. E não é o lado militar.
Cobrado por Jobim, Lula disse o de sempre: assinou o decreto, mas não viu, não leu e não sabia de nada.
Andava muito ocupado com Copenhague. Mas, como é contra revanchismo, tomaria uma atitude. Lula disse e Jobim reproduziu para os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, que entenderam como uma decisão de mudar o texto. Entenderam errado. Lula não vai revogar uma vírgula, só pretende esvaziar os tópicos críticos na implementação do plano.
O seguro morreu de velho, e um oficial adverte que "intenções são intenções, e o que vale é o que está escrito". Ou seja, o plano.
O risco é que, na hipótese de vitória de Dilma em 2010, em vez de negociarem com Lula e tendo o marechal Jobim como ministro, os militares vão ter que engolir a "ex-guerrilheira" (como dizem), tendo um petista qualquer na Defesa.
Lula viajou, mas a crise continua.
No mínimo, a crise de desconfiança de lado a lado, com Jobim louco para jogar o quepe e tirar a farda.
BRASÍLIA - Lula faz na crise com as Forças Armadas o que fez no caos aéreo: empurra com a barriga. Sem condições de decidir entre Jobim e os militares, de um lado, e Dilma, Tarso Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), de outro, ele simplesmente não decide. Foi para a Bahia e deixou a confusão no ar, até os ventos do novo ano.
Depois de lançar o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, com ex-militantes de esquerda emocionados e Dilma chorando, Lula não tem ambiente político para revogar trechos do texto, como exigem Jobim e militares.
Eles reclamam que são parte diretamente interessada e que todas as suas sugestões foram ignoradas, produzindo um texto "desequilibrado" -que cobra todas as responsabilidades da área militar da ditadura e nenhuma dos seus opositores, entre eles os próprios Dilma, Tarso e Vannuchi. Como se a guerra continuasse, mas com um lado só armado. E não é o lado militar.
Cobrado por Jobim, Lula disse o de sempre: assinou o decreto, mas não viu, não leu e não sabia de nada.
Andava muito ocupado com Copenhague. Mas, como é contra revanchismo, tomaria uma atitude. Lula disse e Jobim reproduziu para os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, que entenderam como uma decisão de mudar o texto. Entenderam errado. Lula não vai revogar uma vírgula, só pretende esvaziar os tópicos críticos na implementação do plano.
O seguro morreu de velho, e um oficial adverte que "intenções são intenções, e o que vale é o que está escrito". Ou seja, o plano.
O risco é que, na hipótese de vitória de Dilma em 2010, em vez de negociarem com Lula e tendo o marechal Jobim como ministro, os militares vão ter que engolir a "ex-guerrilheira" (como dizem), tendo um petista qualquer na Defesa.
Lula viajou, mas a crise continua.
No mínimo, a crise de desconfiança de lado a lado, com Jobim louco para jogar o quepe e tirar a farda.
Janio de Freitas :: Por trás da coincidência
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Episódio da semana passada aparece em vários jornais no mesmo dia; a coincidência foi produzida antes disso
Um episódio que seria do início da semana passada aparece, de repente, em vários jornais no mesmo dia (ontem), em versões não exatamente iguais, mas, todas, de igual gravidade: uma crise entre as Forças Armadas, por seus comandos e seu original ministro, e o presidente Lula.
Certeza imediata: nem coincidência casual das iniciativas jornalísticas, nem ação combinada dos jornalistas. Coincidência produzida antes da etapa jornalística, sem dúvida. O que é até comum quando há fontes de informação explicitadas ou, se não, em notícias que ficam mais ou menos nos limites convencionais. Nunca em notícia de óbvia gravidade e risco de efeitos deletérios, a ponto de levar os jornais que a divulgaram à cautela de não lhes dar o destaque mancheteiro que seu teor poderia justificar.
O ministro Nelson Jobim fica muito bem na lealdade aos comandantes e ao conjunto das Forças Armadas, acompanhando-os na recusa a conviverem com o Plano Nacional de Direitos Humanos decretado pelo presidente da República no dia 21. Apesar de não ficar tão bem na lealdade ao presidente. Por justiça, Nelson Jobim até fica credenciado para um aval dos militares, por exemplo, na composição de uma chapa eleitoral, ou algo assim importante.
Mas o presidente não ficou e não está bem, nesse caso. A rigor, está mal, mesmo. No mínimo, porque contestado e posto sob pressão para alguma forma de recuo -cada versão é, para ele, pior do que a anterior. Nem é isso, porém, o que mais interessa.
Na(s) fonte(s) da coincidência fabricada e no teor de suas informações há um propósito de agitação política, seguindo a mais inconveniente das receitas conhecidas: com a inclusão das Forças Armadas. É bastante claro que, em discordância da área militar com partes do Plano de Direitos Humanos, como se esperava que houvesse, os pontos problemáticos podiam ser discutidos em normalidade com Lula e outros. Seja, porém, pelo que narra a coincidência fabricada, seja pela contestação incumbida ao ministro Tarso Genro, comprova-se que não houve a conduta normal, em termos funcionais, e exigida pelo regime democrático.
Tanto no teor do que foi passado a jornalistas, como na busca de difusão desse teor pelo uso simultâneo de vários jornais, sempre realçado o sentido de uma crise entre as Forças Armadas e Lula, o propósito de agitação se evidencia com uma indagação implícita: a que e a quem interessa, nestas alturas em que se encaminha um processo eleitoral sob o prestígio imenso de Lula; o Brasil desvia-se para entendimentos internacionais sem mais obediência às regras do Ocidente, e tantos interesses internos e externos se inquietam com as transições, também externas e internas, em curso ou possíveis?
Os desdobramentos imediatos talvez não respondam, é mesmo improvável que o façam. E, pior, Lula não é o tipo que avança em procurá-las. Mas que há resposta, há.
Ano novo
Que 2010 distribua a sorte com mais equidade entre todos.
Episódio da semana passada aparece em vários jornais no mesmo dia; a coincidência foi produzida antes disso
Um episódio que seria do início da semana passada aparece, de repente, em vários jornais no mesmo dia (ontem), em versões não exatamente iguais, mas, todas, de igual gravidade: uma crise entre as Forças Armadas, por seus comandos e seu original ministro, e o presidente Lula.
Certeza imediata: nem coincidência casual das iniciativas jornalísticas, nem ação combinada dos jornalistas. Coincidência produzida antes da etapa jornalística, sem dúvida. O que é até comum quando há fontes de informação explicitadas ou, se não, em notícias que ficam mais ou menos nos limites convencionais. Nunca em notícia de óbvia gravidade e risco de efeitos deletérios, a ponto de levar os jornais que a divulgaram à cautela de não lhes dar o destaque mancheteiro que seu teor poderia justificar.
O ministro Nelson Jobim fica muito bem na lealdade aos comandantes e ao conjunto das Forças Armadas, acompanhando-os na recusa a conviverem com o Plano Nacional de Direitos Humanos decretado pelo presidente da República no dia 21. Apesar de não ficar tão bem na lealdade ao presidente. Por justiça, Nelson Jobim até fica credenciado para um aval dos militares, por exemplo, na composição de uma chapa eleitoral, ou algo assim importante.
Mas o presidente não ficou e não está bem, nesse caso. A rigor, está mal, mesmo. No mínimo, porque contestado e posto sob pressão para alguma forma de recuo -cada versão é, para ele, pior do que a anterior. Nem é isso, porém, o que mais interessa.
Na(s) fonte(s) da coincidência fabricada e no teor de suas informações há um propósito de agitação política, seguindo a mais inconveniente das receitas conhecidas: com a inclusão das Forças Armadas. É bastante claro que, em discordância da área militar com partes do Plano de Direitos Humanos, como se esperava que houvesse, os pontos problemáticos podiam ser discutidos em normalidade com Lula e outros. Seja, porém, pelo que narra a coincidência fabricada, seja pela contestação incumbida ao ministro Tarso Genro, comprova-se que não houve a conduta normal, em termos funcionais, e exigida pelo regime democrático.
Tanto no teor do que foi passado a jornalistas, como na busca de difusão desse teor pelo uso simultâneo de vários jornais, sempre realçado o sentido de uma crise entre as Forças Armadas e Lula, o propósito de agitação se evidencia com uma indagação implícita: a que e a quem interessa, nestas alturas em que se encaminha um processo eleitoral sob o prestígio imenso de Lula; o Brasil desvia-se para entendimentos internacionais sem mais obediência às regras do Ocidente, e tantos interesses internos e externos se inquietam com as transições, também externas e internas, em curso ou possíveis?
Os desdobramentos imediatos talvez não respondam, é mesmo improvável que o façam. E, pior, Lula não é o tipo que avança em procurá-las. Mas que há resposta, há.
Ano novo
Que 2010 distribua a sorte com mais equidade entre todos.
Desconforto na caserna
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Especialistas criticam eventual reavaliação de Lula em pontos de programa de direitos humanos que desagradam a militares
Danielle Santos
O desconforto criado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, dentro do governo após questionar o Programa Nacional de Direitos Humanos intrigou especialistas, que classificaram o episódio como um retrocesso para a democracia. No último dia 22, Jobim se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e colocou o cargo à disposição. O mesmo fizeram os comandantes das três força nacionais, Marinha, Exército e Aeronáutica.
Os trechos que contrariaram o bloco militar referem-se à apuração de crimes e violações de direitos humanos no período da ditadura, entre 1964 e 1985. O principal deles trata da criação de uma comissão que terá amplos poderes para apurar casos de violação dos direitos humanos durante a ditadura e, se preciso, punir. Outro pede a revogação de leis remanescentes do período do regime. Na visão dos militares, a medida abre uma brecha para mudanças na Lei da Anistia. Por último, o documento sugere uma lei que proíba o nome de pessoas que tenham praticado crimes de lesa-humanidade em prédios públicos e ruas, além da alteração de nomes já atribuídos.
A indisposição do ministro da Defesa com o tema e a tentativa de reformular o texto já haviam conseguido atrasar o anúncio do programa, que deveria ter ocorrido na véspera da 61ª Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 9 de dezembro. Contrariando a lei do silêncio instaurada na Secretaria dos Direitos Humanos para evitar mais desgastes ao governo, o subsecretário de Direitos Humanos, Perly Cipriano, falou ao Correio sobre o assunto. Cipriano observou que a decisão de Lula em reavaliar parte do texto que desagrada a Jobim vai enfraquecer a luta pelos direitos humanos. “Sem os pontos questionados pela Defesa ficamos sem o direito à verdade e à memória, que são direitos fundamentais numa democracia”, afirma.
No Ministério da Defesa ninguém comenta sobre o assunto. Procurado pelo Correio, o ministro não atendeu às ligações. “Os comandantes de hoje parece que têm medo de uma coisa singela que é a verdade. Não é com ameaças de renúncia que se constrói um cenário de democracia”, rechaça o fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke. “Conforme a saída que for dada, a presidência da República passará a ser tutelada pelo ministro da Defesa e pelos militares. Quando ele (o presidente) anuncia um plano, um decreto, e com um ditado da área militar ele retira, é um arranhão fortíssimo na autoridade dele. Ele pode ter muita popularidade, mas a autoridade está sendo retirada”, analisa o professor de Ética na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano.
Congresso faz críticas a revisão da anistia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Parlamentares governistas e da oposição criticaram ontem a revogação da Lei de Anistia, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma crise no governo, com ameaças de demissão do ministro Nelson Jobim (Defesa) e comandantes militares. "Anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", diz Eduardo Azeredo (PSDB), presidente da comissão do Senado que trata da Defesa.
Base e oposição criticam revisão da Lei da Anistia
Projeto causou crise na área militar e fez Lula prometer que texto será alterado
BRASÍLIA - Parlamentares da base aliada e de oposição se posicionaram contra a revogação da Lei de Anistia, prevista na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) que cria a Comissão da Verdade para investigar torturas e desaparecidos no regime militar. A proposta da Secretaria Nacional de Direitos Humanos provocou uma crise na área militar na véspera do Natal, como relatou ontem o Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva contornou a crise com a promessa de que o texto do programa será alterado.
"A anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", defendeu ontem o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. "Tenho um pé atrás com essa revisão da Lei de Anistia. É impensável rever ou extinguir a lei", corroborou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional. Ele defende que é preciso esclarecer o papel da Casa Civil no episódio. Jungmann argumenta que cabe à Casa Civil, comandada pela ex-guerrilheira Dilma Rousseff, arbitrar sobre as divergências em torno do programa. "É uma situação extremamente delicada", observou.
Uma das vítimas do regime militar, o ex-guerrilheiro e deputado José Genoino (PT-SP) evita entrar na polêmica. Cauteloso, ele argumentou que cabe à Justiça, e não ao Congresso, debater e discutir a lei. "O direito à memória e à verdade não significa o julgamento de ninguém", disse o parlamentar.
Os benefícios e a amplitude da Lei de Anistia estão hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal, em decorrência de um processo legal aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.
Parlamentar na época da elaboração e discussão da Lei de Anistia, em 1979, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) observou que a lei representou o final de um momento doloroso, de perseguição com vítimas fatais. "Mexer agora na lei me parece tecnicamente impossível.
Uma anistia se aplica e ela não é revogável", disse ele.
Para Genoino, as polêmicas causadas pela terceira versão do programa serão dirimidas com o envio ao Congresso do projeto de lei que cria a Comissão da Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar.
O deputado defendeu ainda a permanência do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que chegou a procurar o presidente Lula para entregar o cargo. Os comandantes das Forças Armadas - Exército, Aeronáutica e Marinha - decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada. "Houve apenas um tensionamento natural e não uma crise na área militar", minimizou.
IRRITAÇÃO
Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no último dia 21, foi "uma armação" para constranger os militares. Pré-candidata ao Planalto, Dilma foi a figura central do evento, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.
Os militares também ficaram irritados com a quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985". Jobim e os militares foram surpreendidos com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada.
Parlamentares governistas e da oposição criticaram ontem a revogação da Lei de Anistia, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma crise no governo, com ameaças de demissão do ministro Nelson Jobim (Defesa) e comandantes militares. "Anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", diz Eduardo Azeredo (PSDB), presidente da comissão do Senado que trata da Defesa.
Base e oposição criticam revisão da Lei da Anistia
Projeto causou crise na área militar e fez Lula prometer que texto será alterado
BRASÍLIA - Parlamentares da base aliada e de oposição se posicionaram contra a revogação da Lei de Anistia, prevista na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) que cria a Comissão da Verdade para investigar torturas e desaparecidos no regime militar. A proposta da Secretaria Nacional de Direitos Humanos provocou uma crise na área militar na véspera do Natal, como relatou ontem o Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva contornou a crise com a promessa de que o texto do programa será alterado.
"A anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", defendeu ontem o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. "Tenho um pé atrás com essa revisão da Lei de Anistia. É impensável rever ou extinguir a lei", corroborou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional. Ele defende que é preciso esclarecer o papel da Casa Civil no episódio. Jungmann argumenta que cabe à Casa Civil, comandada pela ex-guerrilheira Dilma Rousseff, arbitrar sobre as divergências em torno do programa. "É uma situação extremamente delicada", observou.
Uma das vítimas do regime militar, o ex-guerrilheiro e deputado José Genoino (PT-SP) evita entrar na polêmica. Cauteloso, ele argumentou que cabe à Justiça, e não ao Congresso, debater e discutir a lei. "O direito à memória e à verdade não significa o julgamento de ninguém", disse o parlamentar.
Os benefícios e a amplitude da Lei de Anistia estão hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal, em decorrência de um processo legal aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.
Parlamentar na época da elaboração e discussão da Lei de Anistia, em 1979, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) observou que a lei representou o final de um momento doloroso, de perseguição com vítimas fatais. "Mexer agora na lei me parece tecnicamente impossível.
Uma anistia se aplica e ela não é revogável", disse ele.
Para Genoino, as polêmicas causadas pela terceira versão do programa serão dirimidas com o envio ao Congresso do projeto de lei que cria a Comissão da Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar.
O deputado defendeu ainda a permanência do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que chegou a procurar o presidente Lula para entregar o cargo. Os comandantes das Forças Armadas - Exército, Aeronáutica e Marinha - decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada. "Houve apenas um tensionamento natural e não uma crise na área militar", minimizou.
IRRITAÇÃO
Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no último dia 21, foi "uma armação" para constranger os militares. Pré-candidata ao Planalto, Dilma foi a figura central do evento, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.
Os militares também ficaram irritados com a quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985". Jobim e os militares foram surpreendidos com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada.
Lula deixa para abril definição sobre plano que irritou militares
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O presidente Lula saiu de férias e deixou para abril definição sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos, foco de crise entre militares e membros do governo ligados às famílias de mortos e desaparecidos na ditadura. O governo tem até abril para elaborar projeto da Comissão da Verdade, para examinar violações de direitos humanos durante a repressão. Os militares, que aguardavam recuo do Planalto, acham que Lula "empurra com a barriga".
Lula tenta amenizar crise e frustra comando militar
Presidente adia definição sobre comissão para investigar crimes durante a ditadura
Tarso Genro afirma que não há "controvérsia insanável" dentro do governo apesar da reação das Forças Armadas a plano de direitos humanos
Marta Salomon
O presidente Lula saiu de férias e deixou para abril definição sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos, foco de crise entre militares e membros do governo ligados às famílias de mortos e desaparecidos na ditadura. O governo tem até abril para elaborar projeto da Comissão da Verdade, para examinar violações de direitos humanos durante a repressão. Os militares, que aguardavam recuo do Planalto, acham que Lula "empurra com a barriga".
Lula tenta amenizar crise e frustra comando militar
Presidente adia definição sobre comissão para investigar crimes durante a ditadura
Tarso Genro afirma que não há "controvérsia insanável" dentro do governo apesar da reação das Forças Armadas a plano de direitos humanos
Marta Salomon
Da Sucursal De Brasília
Eliane Cantanhêde Colunista Da Folha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ganhar tempo e investir num discurso conciliador e contra "revanchismos" para administrar a tensão entre os militares e a ala do governo mais afinada com as famílias de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.Lula saiu em férias ontem, e uma definição sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, foco da crise, só será anunciada a partir de abril. Os militares, que aguardavam um recuo concreto do governo em relação aos termos do plano, ficaram frustrados. Acham que Lula "empurra com a barriga".
Abril é o prazo que uma comissão do governo tem para elaborar projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade -prevista no Plano de Direitos Humanos- para examinar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", um dos itens de irritação na área militar.
Outros são a identificação de locais públicos que serviram à repressão e a revogação da Lei da Anistia -além da proposta de cassar os nomes de presidentes militares de pontes, rodovias e prédios públicos. A comissão terá representantes dos ministérios da Justiça, da Defesa, da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos.
Ontem, as autoridades envolvidas no conflito baixaram o tom das críticas. O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, entrou em férias e avisou que não comentaria o caso, e o ministro Tarso Genro (Justiça) insistiu em que a palavra final caberá ao presidente.
"Não há nenhum pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso [o presidente] vai resolver com a sua capacidade de mediação após as férias", disse Tarso, após reunião com Lula.
Também o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica se recusaram a falar. A promessa de Lula, levada a eles por Jobim, é de que a tensão será contornada e que o governo não tem nenhum interesse em provocar os militares e criar-lhes constrangimentos.
Jobim e os comandantes julgam que o plano ignorou todas as sugestões das Forças Armadas e ficou "desequilibrado", pois cobra responsabilidades dos militares, mas não dos seus adversários, "que assaltaram, mataram e sequestraram". Citam até ministros de Lula.Interlocutores de Lula lembraram ontem que o tom conciliador foi dado pelo presidente desde o anúncio do plano, na segunda-feira antes do Natal. Na ocasião, Lula afirmou que o documento seria "digerido" -ou seja, que havia brechas para novos debates. No discurso, o presidente exaltou a experiência de integrantes do governo que lutaram contra a ditadura, como os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social), Tarso e Vannuchi.
Segundo Lula, Dilma teria comentado, ao passar pelo Comando do 2º Exército (SP), onde esteve presa, que não sentia mais raiva: "Se alguém prendeu a Dilma, se alguém torturou a Dilma achando que tinha acabado a luta da Dilma, ela é uma possível candidata a presidente da República", declarou.
A tensão entre militares e a área de Direitos Humanos não é novidade no governo Lula. Em 2007, foram duras as críticas de militares ao livro "Direito à Memória e à Verdade". Mais complicada foi a reação dos militares ao debate defendido pelo Ministério da Justiça sobre limites da impunidade a torturadores. Uma nova interpretação da Lei de Anistia rachou o governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ganhar tempo e investir num discurso conciliador e contra "revanchismos" para administrar a tensão entre os militares e a ala do governo mais afinada com as famílias de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.Lula saiu em férias ontem, e uma definição sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, foco da crise, só será anunciada a partir de abril. Os militares, que aguardavam um recuo concreto do governo em relação aos termos do plano, ficaram frustrados. Acham que Lula "empurra com a barriga".
Abril é o prazo que uma comissão do governo tem para elaborar projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade -prevista no Plano de Direitos Humanos- para examinar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", um dos itens de irritação na área militar.
Outros são a identificação de locais públicos que serviram à repressão e a revogação da Lei da Anistia -além da proposta de cassar os nomes de presidentes militares de pontes, rodovias e prédios públicos. A comissão terá representantes dos ministérios da Justiça, da Defesa, da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos.
Ontem, as autoridades envolvidas no conflito baixaram o tom das críticas. O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, entrou em férias e avisou que não comentaria o caso, e o ministro Tarso Genro (Justiça) insistiu em que a palavra final caberá ao presidente.
"Não há nenhum pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso [o presidente] vai resolver com a sua capacidade de mediação após as férias", disse Tarso, após reunião com Lula.
Também o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica se recusaram a falar. A promessa de Lula, levada a eles por Jobim, é de que a tensão será contornada e que o governo não tem nenhum interesse em provocar os militares e criar-lhes constrangimentos.
Jobim e os comandantes julgam que o plano ignorou todas as sugestões das Forças Armadas e ficou "desequilibrado", pois cobra responsabilidades dos militares, mas não dos seus adversários, "que assaltaram, mataram e sequestraram". Citam até ministros de Lula.Interlocutores de Lula lembraram ontem que o tom conciliador foi dado pelo presidente desde o anúncio do plano, na segunda-feira antes do Natal. Na ocasião, Lula afirmou que o documento seria "digerido" -ou seja, que havia brechas para novos debates. No discurso, o presidente exaltou a experiência de integrantes do governo que lutaram contra a ditadura, como os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social), Tarso e Vannuchi.
Segundo Lula, Dilma teria comentado, ao passar pelo Comando do 2º Exército (SP), onde esteve presa, que não sentia mais raiva: "Se alguém prendeu a Dilma, se alguém torturou a Dilma achando que tinha acabado a luta da Dilma, ela é uma possível candidata a presidente da República", declarou.
A tensão entre militares e a área de Direitos Humanos não é novidade no governo Lula. Em 2007, foram duras as críticas de militares ao livro "Direito à Memória e à Verdade". Mais complicada foi a reação dos militares ao debate defendido pelo Ministério da Justiça sobre limites da impunidade a torturadores. Uma nova interpretação da Lei de Anistia rachou o governo.
Como agora, Lula investiu na conciliação.
Militares dizem que a crise ainda não acabou
DEU EM O GLOBO
Comandantes exigem mudança no Programa de Direitos Humanos, mas Lula só decidirá após férias
Comandantes exigem mudança no Programa de Direitos Humanos, mas Lula só decidirá após férias
A crise que levou o ministro Nelson Jobim (Defesa) e os comandantes militares a pedir demissão, semana passada, está longe do fim. Militares disseram que o problema só estará resolvido quando o presidente Lula revogar decreto que permite anular a Lei da Anistia e cria a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes cometidos na ditadura. Entidades de direitos humanos pediram que o texto seja mantido.
Para militares, crise não acabou
Lula ainda mantém decreto, e embate entre Jobim e Vannuchi está longe do fim
Jailton de Carvalho e Evandro Éboli
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu conter as demissões dos comandantes das Forças Armadas, mas não contornou a crise causada pela edição do decreto que permite a revogação da Lei da Anistia e cria a Comissão Nacional da Verdade para investigar crimes cometidos durante a ditadura.
De acordo com militares ouvidos pelo GLOBO, a simples promessa do presidente de retirar ou inviabilizar a aprovação dos pontos mais polêmicos do novo Programa Nacional de Direitos Humanos não é suficiente para superar o embate entre o ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Paulo Vannuchi, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Os generais exigem a modificação do decreto editado por Lula criando o programa. Semana passada, Jobim e os comandantes das três Forças entregaram cartas de demissões.
— A questão não foi resolvida. Na administração pública, vale o que está no papel e, por enquanto, não tem nada no papel — disse um importante oficial das Forças Armadas.
— Espero que o decreto seja revisto e reformulado no sentido de proporcionar a pacificação da sociedade — disse o general Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, tentou minimizar as divergências internas, mas acabou confirmando que ainda está sem solução a queda de braço entre Jobim, à frente dos comandantes militares, e Vannuchi, portavoz dos setores mais à esquerda do governo. Segundo Tarso, Lula tentará buscar um acordo entre as duas partes depois que voltar das férias, em 11 de janeiro. Tarso negou que Jobim, Vannuchi e os comandantes militares tenham ameaçado renunciar.
— Não há nenhum tipo de pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos.
Isso (o presidente) vai resolver com a sua capacidade de mediação na volta das férias. Não tem nenhum tipo de alarde e nem de preocupação.
É um debate normal que já vinha ocorrendo. Agora o presidente vai dar a palavra final — afirmou Tarso, após reunião com Lula em Brasília.
Lula elogiou criação de comissão
Mais tarde, já em Porto Alegre, Tarso, um dos maiores defensores da revisão da Lei de Anistia para militares que torturaram durante a ditadura, ratificou sua posição: — A minha opinião vocês sabem.
Agora é uma questão concreta de um plano de governo originário da Secretaria de Direitos Humanos, com o qual colaborei. Todos os ministros que assinaram o plano e o apresentaram ao presidente o apoiam. Sou um deles.
Tarso previu uma solução para a divergência entre os ministros: — Lula vai tomar uma decisão de composição, mediada, de interesse do Estado brasileiro. Sempre que houve divergência entre ministros, e isso é natural num governo de amplitude como o nosso, o presidente encontrou pontos intermediários de coesão do governo e dos ministros.
Jobim e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica ameaçaram renunciar aos seus cargos terça-feira passada, um dia depois do lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos. Os comandantes não gostaram do texto que, segundo eles, abre caminho para a revogação da Lei de Anistia e para uma possível revanche contra os militares a partir da criação da Comissão Nacional da Verdade.
Eles entendem que a Comissão da Verdade deveria tratar de crimes cometidos pela esquerda e não apenas de casos de tortura e desaparecimento atribuídos à repressão. Os comandantes estão aguardando mudanças concretas no texto do programa.
Lula disse aos militares que não conhecia do trecho que prevê apuração de supostos crimes cometidos por militares na ditadura. Mas o texto de apresentação do programa, assinado por ele, elogia a criação da Comissão Nacional da Verdade e defende que os fatos devem ser apurados.
Com Agência RBS
Luiz Roberto Nascimento e Silva :: O verão do patriarca
DEU NO JORNAL DO BRASIL
RIO - No universo político da América Latina, ficção e realidade misturam-se de tal forma que não se sabe quando começa uma e quando termina outra. Normalmente, a realidade ultrapassa a ficção com tal intensidade que se um ficcionista escrevesse antecipadamente tais fatos, sua trama seria considerada inverossímil.
As atitudes recentes do Presidente Hugo Chávez só encontram maior compreensão no universo da criação, no movimento literário do continente denominado realismo mágico, cuja maior expressão viva é o escritor Garcia Márquez.
Chávez pediu à população venezuelana que tomasse banhos de no máximo três minutos. Solicitou também que se fizesse racionamento de energia elétrica. Recentemente, informou que se juntará a uma equipe de cientistas cubanos em “vôos para bombardear as nuvens”. Não há nenhuma comprovação científica que tal método possua eficácia para gerar chuvas.
Tendência
A disseminação desse tipo paradigmático de líder político na América Latina merece nossa reflexão. A primeira constatação que pode ser feita é que não existem partidos políticos na América Latina. Apenas a Igreja e o Exército exerceram a função de partidos políticos no continente ao longo do tempo. Por isso, as Forças Armadas sempre tiveram participação direta ou indireta na maior parte dos movimentos. A ruptura da ordem política e constitucional é regra e não exceção. Não causa nenhuma estranheza que o Coronel Aureliano Buendia de Cem anos de solidão tenha promovido trinta e duas revoluções armadas e perdido todas.
Devemos a San Tiago Dantas uma análise única da trajetória singular do Exército no processo político brasileiro que nos levou a uma renovação da sociedade brasileira na virada do século. Segundo ele, a partir da Guerra do Paraguai o Exército ganha uma estabilidade e coesão interna, que dele fariam um ator permanente das grandes decisões nacionais. Opera-se uma identificação do Exército com a classe média. A nova classe média formada de industriais e pequenos negociantes ligados ao Exército nacional une-se para desmontarem a Monarquia e implantarem a República.
Com a ausência de continuidade no processo político democrático é natural que líderes carismáticos populistas tenham sempre predominado sobre lideranças mais orgânicas. Isso ocorreu em toda América Latina com Getúlio Vargas no Brasil, com Juan Perón na Argentina e Lázaro Cárdenas no México. O partido político é em geral apenas um estágio inicial, necessário para a trajetória posterior carismática e pessoal do líder.
Assim, quando somos informados que o governo do Presidente Chávez destruiu pontes na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia não devemos estranhar. Não por acaso, o presidente é militar de carreira que ocupava a patente de tenente-coronel quando assumiu o poder. Em O outono patriarca o ditador feudal e agropecuário genialmente descrito por Garcia Márquez, está no final de sua vida distante da realidade de seu povo, mal-informado, mas age sempre para preservar seu poder pessoal.
Na sua solidão imemorial o ditador pode mudar o clima à vontade. A natureza obedece à fúria dos seus desejos. Ele ouve harpas ao vento, controla a subida das marés. Como diz Garcia Márquez: “um homem cujo poder havia sido tão grande que certa vez perguntou que horas são e lhe haviam respondido quantas o senhor ordenar meu general!” Estamos confrontados não com o outono, mas sim com o verão do Patriarca. A ficção antecipa a realidade modificando metaforicamente as estações.
* Nascimento Silva é ex-ministro da Cultura do governo Itamar Franco
RIO - No universo político da América Latina, ficção e realidade misturam-se de tal forma que não se sabe quando começa uma e quando termina outra. Normalmente, a realidade ultrapassa a ficção com tal intensidade que se um ficcionista escrevesse antecipadamente tais fatos, sua trama seria considerada inverossímil.
As atitudes recentes do Presidente Hugo Chávez só encontram maior compreensão no universo da criação, no movimento literário do continente denominado realismo mágico, cuja maior expressão viva é o escritor Garcia Márquez.
Chávez pediu à população venezuelana que tomasse banhos de no máximo três minutos. Solicitou também que se fizesse racionamento de energia elétrica. Recentemente, informou que se juntará a uma equipe de cientistas cubanos em “vôos para bombardear as nuvens”. Não há nenhuma comprovação científica que tal método possua eficácia para gerar chuvas.
Tendência
A disseminação desse tipo paradigmático de líder político na América Latina merece nossa reflexão. A primeira constatação que pode ser feita é que não existem partidos políticos na América Latina. Apenas a Igreja e o Exército exerceram a função de partidos políticos no continente ao longo do tempo. Por isso, as Forças Armadas sempre tiveram participação direta ou indireta na maior parte dos movimentos. A ruptura da ordem política e constitucional é regra e não exceção. Não causa nenhuma estranheza que o Coronel Aureliano Buendia de Cem anos de solidão tenha promovido trinta e duas revoluções armadas e perdido todas.
Devemos a San Tiago Dantas uma análise única da trajetória singular do Exército no processo político brasileiro que nos levou a uma renovação da sociedade brasileira na virada do século. Segundo ele, a partir da Guerra do Paraguai o Exército ganha uma estabilidade e coesão interna, que dele fariam um ator permanente das grandes decisões nacionais. Opera-se uma identificação do Exército com a classe média. A nova classe média formada de industriais e pequenos negociantes ligados ao Exército nacional une-se para desmontarem a Monarquia e implantarem a República.
Com a ausência de continuidade no processo político democrático é natural que líderes carismáticos populistas tenham sempre predominado sobre lideranças mais orgânicas. Isso ocorreu em toda América Latina com Getúlio Vargas no Brasil, com Juan Perón na Argentina e Lázaro Cárdenas no México. O partido político é em geral apenas um estágio inicial, necessário para a trajetória posterior carismática e pessoal do líder.
Assim, quando somos informados que o governo do Presidente Chávez destruiu pontes na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia não devemos estranhar. Não por acaso, o presidente é militar de carreira que ocupava a patente de tenente-coronel quando assumiu o poder. Em O outono patriarca o ditador feudal e agropecuário genialmente descrito por Garcia Márquez, está no final de sua vida distante da realidade de seu povo, mal-informado, mas age sempre para preservar seu poder pessoal.
Na sua solidão imemorial o ditador pode mudar o clima à vontade. A natureza obedece à fúria dos seus desejos. Ele ouve harpas ao vento, controla a subida das marés. Como diz Garcia Márquez: “um homem cujo poder havia sido tão grande que certa vez perguntou que horas são e lhe haviam respondido quantas o senhor ordenar meu general!” Estamos confrontados não com o outono, mas sim com o verão do Patriarca. A ficção antecipa a realidade modificando metaforicamente as estações.
* Nascimento Silva é ex-ministro da Cultura do governo Itamar Franco
Celso Ming :: O espaço da Bolsa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A Bolsa brasileira foi a que teve o melhor desempenho entre as aplicações financeiras em 2009. As ações que compuseram a cesta do Ibovespa (as 65 mais negociadas) se valorizaram 82,7%.
Para o aplicador, o que importa agora é o futuro e não o passado. Por isso, é preciso avaliar o que esperar e o que não esperar da Bolsa em 2010. (Nas tabelas você tem o comportamento do mercado em 10 bolsas globais medido em euros e em dólares e o que 15 bancos e corretoras esperam da Bolsa brasileira em 2010.)
Em outubro de 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu que o mercado de ações do Brasil vinha sendo objeto de forte especulação. A necessidade de jogar água fria na fervura foi até mesmo uma das justificativas apresentadas por Mantega para a imposição do IOF de 2% sobre a entrada de capitais destinados à compra de ações no País. Sem mencionar especificamente o mercado de ações, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por diversas vezes também denunciou a existência de "excessiva especulação nos mercados". Bastam esses avisos para justificar as perguntas sobre os riscos a enfrentar em 2010.
Um bom número de analistas internacionais adverte que a corrida às aplicações de risco e às ações tem tudo para criar uma nova bolha, que será candidata a um estouro se o mercado não se encarregar de esvaziá-la antes.
A principal ameaça vem de fora. Trata-se da possibilidade de recaída da economia global na crise. Hoje há mais dinheiro zanzando pelos mercados do que havia em 2003 e 2004, quando os juros nos Estados Unidos se mantiveram durante muito tempo ao redor de 1% e inflaram as bolhas que estouraram em 2008.
Mesmo se levando em conta que a economia mundial ainda depende das escoras oficiais, mais cedo ou mais tarde, mas provavelmente ainda em 2010, os grandes bancos centrais darão início à operação de enxugamento dos recursos despejados durante a crise (estratégia de saída). Isso significa alta dos juros, e juros em alta não combinam com tempos de esplendor do mercado de ações.
Os riscos internos da economia brasileira parecem menores, mas não são desprezíveis. Apesar de certa deterioração de seus fundamentos, as projeções apontam para forte crescimento da atividade produtiva com baixo risco de descontrole dos preços, o que é bom para as ações.
O maior problema está na disparada das despesas públicas em consequência do jogo eleitoral. Há, sim, certa probabilidade de que a deterioração fiscal crie desconfiança e acione ordens de venda no mercado.
E não se pode desprezar o risco político. Em 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se viu diante da necessidade de acalmar o mercado. Foi quando assinou a Carta ao Povo Brasileiro, instrumento público por meio do qual se comprometeu a não fazer bobagens na condução da política econômica. Não está claro nem se o mercado se sentirá igualmente inseguro desta vez nem se os candidatos se prestarão a assinar um documento assim.
Por tudo quanto se pode enxergar, o mercado de ações tem bom espaço para crescer. Mas a volatilidade pode aumentar.
A Bolsa brasileira foi a que teve o melhor desempenho entre as aplicações financeiras em 2009. As ações que compuseram a cesta do Ibovespa (as 65 mais negociadas) se valorizaram 82,7%.
Para o aplicador, o que importa agora é o futuro e não o passado. Por isso, é preciso avaliar o que esperar e o que não esperar da Bolsa em 2010. (Nas tabelas você tem o comportamento do mercado em 10 bolsas globais medido em euros e em dólares e o que 15 bancos e corretoras esperam da Bolsa brasileira em 2010.)
Em outubro de 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu que o mercado de ações do Brasil vinha sendo objeto de forte especulação. A necessidade de jogar água fria na fervura foi até mesmo uma das justificativas apresentadas por Mantega para a imposição do IOF de 2% sobre a entrada de capitais destinados à compra de ações no País. Sem mencionar especificamente o mercado de ações, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por diversas vezes também denunciou a existência de "excessiva especulação nos mercados". Bastam esses avisos para justificar as perguntas sobre os riscos a enfrentar em 2010.
Um bom número de analistas internacionais adverte que a corrida às aplicações de risco e às ações tem tudo para criar uma nova bolha, que será candidata a um estouro se o mercado não se encarregar de esvaziá-la antes.
A principal ameaça vem de fora. Trata-se da possibilidade de recaída da economia global na crise. Hoje há mais dinheiro zanzando pelos mercados do que havia em 2003 e 2004, quando os juros nos Estados Unidos se mantiveram durante muito tempo ao redor de 1% e inflaram as bolhas que estouraram em 2008.
Mesmo se levando em conta que a economia mundial ainda depende das escoras oficiais, mais cedo ou mais tarde, mas provavelmente ainda em 2010, os grandes bancos centrais darão início à operação de enxugamento dos recursos despejados durante a crise (estratégia de saída). Isso significa alta dos juros, e juros em alta não combinam com tempos de esplendor do mercado de ações.
Os riscos internos da economia brasileira parecem menores, mas não são desprezíveis. Apesar de certa deterioração de seus fundamentos, as projeções apontam para forte crescimento da atividade produtiva com baixo risco de descontrole dos preços, o que é bom para as ações.
O maior problema está na disparada das despesas públicas em consequência do jogo eleitoral. Há, sim, certa probabilidade de que a deterioração fiscal crie desconfiança e acione ordens de venda no mercado.
E não se pode desprezar o risco político. Em 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se viu diante da necessidade de acalmar o mercado. Foi quando assinou a Carta ao Povo Brasileiro, instrumento público por meio do qual se comprometeu a não fazer bobagens na condução da política econômica. Não está claro nem se o mercado se sentirá igualmente inseguro desta vez nem se os candidatos se prestarão a assinar um documento assim.
Por tudo quanto se pode enxergar, o mercado de ações tem bom espaço para crescer. Mas a volatilidade pode aumentar.
Miriam Leitão :: Décadas gêmeas
DEU EM O GLOBO
O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.
Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.
O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.
O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.
A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.
O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.
A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.
Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.
As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.
O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.
No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.
Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.
O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.
Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.
Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.
Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.
Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.
Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.
Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.
Com Bruno Villas Bôas
O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.
Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.
O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.
O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.
A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.
O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.
A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.
Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.
As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.
O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.
No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.
Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.
O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.
Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.
Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.
Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.
Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.
Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.
Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.
Com Bruno Villas Bôas
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Carlos Drummond de Andrade :: Receita de ano novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
PPS condena censura imposta por revista da USP a artigo crítico a Lula
"O Brasil acaba de conhecer mais um caso de censura", ressalta Freire.
Por: Assessoria de Imprensa
A universidade é um daqueles ambientes onde o debate pressupõe encontrar espaço fértil para sua promoção. Mas não foi o que ocorreu com artigo escrito pelo presidente nacional do PPS, Roberto Freire, para tratar da crise política e do papel das instituições que foi censurado pela Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). O texto, entre outras situações, aborda a censura imposta ao Jornal O Estado de S.Paulo e as práticas ditatoriais que ainda tomam conta de alguns homens públicos no país.
A revista é publicada quadrimestralmente. É editada pelo professor Alfredo Bosi, o responsável pela “canetada vermelha” sobre o texto que também alerta o país sobre as interferências do Chefe do Executivo Federal nas questões internas do poder Legislativo. “Aí se encontra o seu caráter essencialmente político, seu aspecto mais saliente”, destacou Freire em sua extensa análise. O presidente do PPS disse ainda não entender em nome de quem ou de quê o referido professor agiu para impedir que a comunidade acadêmica não tivesse acesso a informações que passam ainda por uma análise profunda dos principais momentos históricos da política brasileira.
O Partido Popular Socialista considera frágil e pueril a justificativa dada pelo editor de que a publicação não poderia divulgar um texto, já que os demais presidentes de partido não tiveram o devido espaço. Para Freire, a resposta dada para não se publicar o texto justificaria uma censura que não se encaixa com o ambiente democrático que cerca o espaço acadêmico e aquela que é uma das mais conceituadas universidades da América Latina.
“O Brasil acaba de conhecer mais um caso de censura”, ressalta Roberto Freire.
O presidente nacional do PPS classificou ainda a decisão de Alfredo Boesi como “avessa” ao ambiente universitário.
Demissão
O PPS também lamenta a demissão do editor executivo, Marco Antônio Coelho, que teria se posicionado contra os mandos e desmandos de Alfredo Bosi em relação aos textos a serem cortados da Revista da USP.
Veja abaixo a íntegra do artigo censurado pela Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
A crise do Congresso e das instituições
Roberto Freire*
A ampla e generalizada crise das instituições democráticas, sob o presidencialismo imperial que vige em nossa República, da qual a que toca o Senado é tão somente um sintoma, exige dos brasileiros uma profunda reflexão. Pois, o que está em jogo é o próprio desenvolvimento e ampliação do processo democrático no país, tão arduamente conquistado, visto que um dos aspectos mais notórios dessa crise é a depreciação da política como importante elemento civilizatório, e de sua prática, como efetivo instrumento de mudanças.
Se nos cingirmos à crise que domina o Senado, podemos reconhecer duas origens básicas. Uma é interna, de caráter político-administrativo, que tem a ver com sua forma de gestão, envolvendo, no decorrer silencioso de anos, a cristalização do compadrio, do nepotismo, do patrimonialismo, das sedimentadas formas pouco republicanas de administração da coisa pública, “coroada” com a edição de mais de 500 “atos secretos”. Tudo isso configura uma verdadeira afronta ao princípio da lei, da publicização e da transparência de seus atos, ao beneficiar, de maneira sorrateira, vários senadores de diferentes partidos, em um verdadeiro conluio com funcionários responsáveis pela administração das várias diretorias – a maioria delas desnecessárias – da Casa.
Outra origem, e apesar da gravidade das questões internas referidas, diz respeito à indevida intromissão do chefe do Executivo, o presidente Lula, em questões que dizem respeito exclusivamente ao Legislativo, o que conforma o aspecto externo da crise. Aí se encontra o seu caráter essencialmente político, seu aspecto mais saliente.
Mirando, tão somente, seus interesses políticos eleitorais, na perseguição de uma aliança com o PMDB para dar suporte à sua já lançada candidata, a atual ministra da Casa Civil – aliás, em plena campanha ao arrepio da lei –, Lula subordina todo um Poder da República, em seu benefício, sendo o principal sustentáculo do atual presidente do Senado, José Sarney, o político que encarna, lamentavelmente, há algum tempo, inaceitáveis e odiadas práticas políticas, na condução da Câmara Alta. Sendo, inclusive, alvo de várias denúncias de imoralidades e ilícitos investigados pelo Ministério Publico e pela Polícia Federal.
É essa intrusão do presidente da República no Legislativo o elemento político central da crise que a cidadania assiste estarrecida. Pois, por trás dessa diuturna “operação abafa”, no sentido de preservar a todo custo um presidente do Senado agastado e desmoralizado perante a opinião pública, há também, não devemos esquecer, o desejo de subordinar o Senado aos ditames do Executivo, refletido na necessidade de desarticular a CPI da Petrobrás, para a qual o governo tem mobilizado todos os seus esforços. Sem esquecer, ainda, a pedagogicamente nociva declaração presidencial de que “Sarney não é um homem comum”, reveladora de que certas personalidades nacionais podem fazer as ilegalidades que bem desejarem.
Podemos ainda levantar dois outros aspectos que devem sem lembrados, para termos uma idéia mais precisa do fenômeno que estamos observando. Um de caráter histórico, e outro geopolítico. Primeiro, o aspecto histórico. Como se sabe, o Senado brasileiro foi criado, segundo o modelo inglês, quando de nossa 1ª Constituição, em 1824, inclusive, com seus senadores vitalícios... Com o advento da República, em 1889, adotou-se o modelo inspirado nos Estados Unidos. Nesses dois períodos históricos, independentemente do regime político e do sistema de governo, a característica marcante do Senado sempre foi o de ser espaço das forças conservadoras, ligadas ao latifúndio, prioritariamente, e à burguesia mercantil.
Esse mesmo traço característico é perceptível em todos os países latino-americanos, quando de seus processos de independência, momento em que se consolidaram seus parlamentos nacionais. O Senado era o espaço dos setores mais conservadores, os representantes da velha aristocracia, dos latifundiários e de velhos próceres do antigo regime... Padecemos, assim de uma característica comum, a de uma Câmara Alta infensa aos anseios e aspirações populares, desde quando nos constituímos como Estados-nação...
Com a consolidação da República, a partir da Constituição de 1891, e a mudança do regime, agora presidencialista, como o modelo norte-americano, sedimentamos uma concepção de República Federativa, em que as velhas forças dominantes encontraram no Senado seu /locus/ de influência política, durante o período, que se convencionou chamar de “República Velha”.
E é nesse período, que mais claramente isso pode ser observado, com a ação política de figuras como o senador Pinheiro Machado, então líder da bancada gaúcha, e presidente do Senado e da Comissão de Verificação de Poderes, ao constituir-se no mais poderoso e influente chefe político brasileiro, com ascendência, inclusive, sobre o próprio presidente da República. E o Senado, que é o que mais de perto nos interessa, destacou-se por ser um instrumento de consolidação de interesses regionais e estruturas de poder assentadas no latifúndio, nas oligarquias que comandavam, desde os estados, a política nacional.
Essa característica, aliás, será um dos aspectos que os tenentistas de 1922 irão atacar, denunciando seu caráter retrógrado, em linguagem da época, em suas agitações, com grande acolhida no Brasil urbano e industrial, do período, até culminar na Revolução de 30, movimento civil e militar, que estabeleceu todo um novo horizonte de perspectivas, buscando superar a “política dos favores” e dos “conchavos” que marcaram essa quadra de nossa História republicana.
Com a Revolução de 30, e a ascensão de Getúlio Vargas ao Governo Provisório, inicia-se um processo de funda agitação política - revolução constitucionalista de 32, Constituinte de 1934, Aliança Nacional Libertadora e o movimento comunista de 35, manifestações integralistas – tudo calado, em 1937, pela instituição da ditadura do Estado Novo getulista, de caráter claramente fascista. Foi um longo período que deixou um pouquíssimo tempo para a existência de um Parlamento e da liberdade.
Apenas com a redemocratização, em 1945, o Poder Legislativo vai poder resgatar seu papel de mediador das aspirações difusas da cidadania junto ao Estado, no processo de construção de uma nova ordem institucional que a Assembléia Constituinte iria efetivar.
O Senado volta a funcionar, com três representantes por estado, uma semana depois de promulgada a Constituição de 1946, em 24 de setembro. Voltamos, contudo, rapidamente à excepcionalidade, pois em 1947 um de seus senadores, Luis Carlos Prestes, é cassado junto com todos os deputados federais comunistas, quando o Partido Comunista Brasileiro perde seu registro, e é empurrado para a clandestinidade.
O fato é que até o golpe militar de 1º de abril de 1964, o Senado, mesmo com uma forte presença dos conservadores, torna-se uma arena das lutas políticas que agitavam o Brasil, mormente no período pós-JK, quando o movimento dos trabalhadores da cidade e do campo lastreava o profundo anseio nacional pelas “reformas de base”, e sua extensa pauta mudancista, em que se destacava a reforma agrária, histórica aspiração das massas camponesas, e maior intervenção do Estado na economia, com a luta pela estatização de importantes empresas estrangeiras.
Com o golpe e a implantação da ditadura militar, o Senado foi um dos espaços de apoio do regime de exceção, na fase mais negra da repressão, inaugurado com o AI-5, em dezembro de 1968. Porém, foi também o Senado, depois de 1974, um espaço privilegiado para a luta de redemocratização. Não por outro motivo, a ditadura militar teve que fechá-lo com o “pacote de abril”, de 1977, no governo Geisel que, entre outros instrumentos e práticas discricionárias, adotou a escolha de senadores “biônicos”, escolhidos pelo regime militar, para garantir a maioria no Senado, visto que, na Câmara Federal, estava em vias de perdê-la.
Por esta ligeira digressão histórica é possível perceber que o Senado foi fechado em épocas ditatoriais, como na implantação e vigência do Estado Novo getulista, em 1937, e no período da ditadura militar, 40 anos depois. Fechado, note-se bem, mas não desmoralizado! Infelizmente, hoje, a desmoralização é quase uma realidade por meio de uma série de ações comandadas pelo presidente da Republica, com o beneplácito de muitos de seus membros – famosa tropa de choque liderada por Renan Calheiros e Fernando Collor – que, na prática, ajudam a anular a ação do Legislativo e o torna refém dos interesses do Executivo.
Outro aspecto que gostaria de referir diz respeito à conjuntura política do nosso continente que, após a assunção ao poder do coronel Hugo Chávez, na Venezuela, tem se evidenciado uma pressão cada vez maior dos Executivos de alguns países sobre as outras instituições republicanas, tanto os Legislativos como os Judiciários. Essa pressão a que me refiro é função do esvaziamento dos outros poderes em benefício dos interesses dos chefes dos Executivos.
Assim, depois de várias tentativas, o coronel Chávez conseguiu, finalmente, arrancar de um Legislativo submisso, a possibilidade de se reeleger quantas vezes quiser. O mesmo caminho trilhado pela Bolívia, com Evo Morales, pelo Equador, de Rafael Corrêa, pela Colômbia, de Álvaro Uribe, pela Argentina, sob Cristina Kirchner, sem esquecermos que a matriz desse movimento antidemocrático remonta a Fujimori, no Peru, no século passado.
Não credito tal movimento a uma ação do acaso... Sabemos, desde Montesquieu que, em sua obra fundamental, /O Espírito das Leis /(1748), defendeu a repartição e autonomia dos poderes, que a idéia de república é indissociável desse preceito. E que todas as vezes que ele é ferido, como sabemos na própria carne, abrimos as portas para todo tipo de autocracia.
O mais grave é que não apenas estamos assistindo a uma clara tentativa de hegemonização do Executivo frente ao Legislativo, em que é perceptível o traço comum de uma postura voluntarista, de caráter bonapartista que, em sua adulação às massas, por meio de uma política clientelista e um discurso que se tinge de um nacionalismo primário, de caráter estatizante, busca consolidar formas cada vez mais sutis e autoritárias de governo. Não por outro motivo, depois da submissão dos Legislativos, o alvo desses governos é dirigido contra os meios de comunicação e a opinião pública. Estamos, aqui no Brasil, testemunhando a volta da censura, como a que está sofrendo o jornal Estado de São Paulo... Esse o percurso clássico de todas as ditaduras...
Nesse aspecto, em particular, também não é fruto do acaso o apoio, velado ou não, de nosso presidente a essas ações que, em última instância, ameaçam a consolidação e o aprofundamento do processo democrático no continente. Agravado agora, com um sensível aumento da possibilidade de confrontação entre alguns países, fruto da crescente instabilidade desses processos políticos, e do preocupante de gastos com armamentos, como ora estamos assistindo. Se levarmos em consideração esses dois aspectos aqui destacados, fica evidente que a submissão do Legislativo faz parte de um contexto maior, com implicações que não podem ser negligenciadas.
Essa crise do Senado, hoje, teve como preâmbulo a tentativa de captura da Câmara Federal por meio do que se convencionou chamar de “mensalão”. Ali estava o germe da intervenção do Executivo sobre o Legislativo, no primeiro mandato do governo Lula. A prática fisiológica e o aparelhamento do Estado, como formas de se estabelecer “maioria”, têm nos causado, entre outras coisas, a crescente desmoralização da política e o desprezo do Parlamento como instância de representação da sociedade.
A prática levada a cabo pelo governo Lula de cooptação de parlamentares para sua base, a qualquer custo, a partir de ações não republicanas, e o enorme número de Medidas Provisórias (MPs) para apreciação e deliberação do Congresso, fazem com que o Executivo, na prática, determine a pauta do Legislativo, impedindo esse Poder de exercer sua missão precípua de elaboração de leis e fiscalização dos atos do Executivo.
Assim sendo, se considerarmos os interesses do governo Lula, no exato momento em que o mesmo não apenas atropela o calendário eleitoral, ao definir, à revelia de seu próprio partido, a candidata à sua sucessão, e a busca em consolidar uma aliança política com o PMDB, partido com a maior bancada no Congresso, fica claro que sua intervenção no Senado transforma uma crise eminentemente político-administrativa em séria crise política.
Porque ao subordinar sua base política, nessa Casa, na desesperada defesa de seu presidente e principal aliado para a possibilidade da referida aliança política, entre seus respectivos partidos, estabelece uma intervenção “branca”, por meio do controle que exerce sobre sua base, o que a impediu de aceitar denúncia no Conselho de Ética contra José Sarney.
Em todo caso, todas as forças comprometidas com o avanço do processo democrático, no país, devem também ter muito claro o significado da oportunidade que essa crise no Senado nos propicia. Pois está cada vez mais evidente que temos que superar as mazelas de nosso Legislativo. E tal movimento só será possível com uma ampla mobilização da opinião pública e pressão da sociedade, e um consistente esforço desses poderes no sentido da transparência e publicização de seus atos.
Em termos práticos, está claro que o Senado, dada sua importância para a consolidação do princípio federativo de nossa República, não pode funcionar sem a necessária transparência administrativa, que se exige de todo órgão público. Muito menos continuar sendo a Casa de mandatários sem votos, apreciando matérias importantíssimas sem ter que prestar contas a ninguém de seus atos e posicionamentos.
Parlamentaristas que somos temos absoluta clareza da necessidade de redefinição do papel do Senado, quando do estabelecimento desse sistema de governo no país, como defendemos.
Até lá, contudo, temos que nos debruçar sobre sua representatividade, adotando sempre o critério do voto como elemento decisivo da representação. Nesse sentido a figura do suplente seria episódica. Por nossa proposta, os senadores não poderiam assumir qualquer cargo no executivo, sem perda do mandato.
Declarada a vacância do cargo, assumiria o suplente até a próxima eleição – temos eleições a cada dois anos – quando seria eleito um novo senador.
Outro aspecto relevante para refrear a fúria legiferante do Executivo diz respeito à questão das Medidas Provisórias que o Executivo pode enviar para o Legislativo. Nesse sentido, parece-nos correta a interpretação que adotou o atual presidente da Câmara, Michel Temer, ao estabelecer que todo projeto de lei ordinária que não possuir poder conclusivo, havendo sobrestamento de pauta, só será apreciado pelo Plenário se o projeto versar sobre matéria relacionada no art. 62 da Constituição Federal. Sob esta ótica serão apreciados também as PEC’s, PLP’s, PDC’s e PRC’s. De acordo com sua decisão, havendo MP trancando a pauta, as sessões ordinárias ficam reservadas para apreciação de Medidas Provisórias e as sessões extraordinárias examinam as outras proposições, desde que não concorrentes com as passíveis de MP.
Diante desta decisão estão excluídos do trancamento de pauta e, portanto, passíveis de apreciação em sessões extraordinárias, o Projeto de Resolução, Projeto de Lei Complementar, Projeto de Decreto Legislativo, Proposta de Emenda à Constituição e Projetos de Lei Ordinária que versem sobre as matérias relacionadas no art. 62, §1º, I, visto que estas matérias não podem ser objeto de Medida Provisória.
Uma conseqüência dessa postura que já se pode perceber é que os trabalhos nas comissões serão de suma importância, pois projetos de forte apelo popular, como os já descritos, só serão votados pela Casa, enquanto houver MP sobrestando a pauta, se for mantido o poder conclusivo. As MP’s perderão sua eficácia, mas suas relações jurídicas serão mantidas. O conceito de ato jurídico perfeito, que é: “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (Decreto-Lei nº 4657/42), resguarda os atos praticados durante a vigência da Medida. Aqueles que cumpriram os requisitos exigidos estariam assegurados. No entanto, a maioria das MP’s preveem efeitos de longo prazo que podem gerar instabilidade ou mesmo insegurança jurídica visto que, findo o prazo de vigência, a Medida perderia sua eficácia.
Um fato é certo, enquanto o Executivo puder editar quantas MPs quiser maior será a dificuldade de o Legislativo assumir suas prerrogativas constitucionais.
Quanto às CPIs, instrumento fundamental de fiscalização dos atos do Executivo por parte do Legislativo, é fundamental que a oposição dela participe, seja na presidência, seja na relatoria. No governo do presidente Lula, por um acordo tecido nas sombras, a oposição foi alijada da CPI da Petrobrás! Se não se garante à oposição as condições mínimas para que ela possa exercer sua função fiscalizadora, não é possível se falar na vigência da democracia. A CPI, que se constitui um instrumento de minoria, é desrespeitado pelas maiorias, o que se constitui um desserviço ao nosso sempre delicado processo democrático.
Por fim, quanto ao arremedo de “reforma” política levada a cabo no Congresso, somos favoráveis que cidadãos condenados em segunda instância – onde o mérito da denúncia já foi apreciado – sejam proibidos de se candidatar. Acreditamos que seria uma sinalização importante do Poder Legislativo para a sociedade, no momento em que há uma generalizada desconfiança da cidadania quanto ao acobertamento de mal feitos de muitos, levado a cabo pelos parlamentares, qualquer que seja a instância. Talvez assim se evitasse que a política continue sendo albergue de certos meliantes.
A crise institucional, ora vivida no país, tem que ser considerada como fonte de inspiração para que possamos enfrentar o desafio de construir uma democracia mais forte e mais representativa dos anseios do povo brasileiro.
* Roberto Freire é presidente nacional do PPS
Rosângela Bittar :: Mudança em continuidade
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Num eventual governo Dilma Rousseff, é quase certo que será retomada a chamada agenda perdida do início do governo Lula, preparada pelo economista Marcos Lisboa no Ministério da Fazenda, à época de Antonio Palocci. Do conjunto de ideias ali reunidas, destacam-se, na atual reflexão que o governo faz sobre o futuro próximo, a ampliação dos mecanismos de garantia de crédito, o barateamento do mercado de seguros, o alargamento do acesso ao sistema bancário - levando os juros a patamares bem baixos para o pequeno tomador. "A questão microeconômica é a partir de agora a mais importante, a macroeconômica tem que ser cada vez mais um pano de fundo", afirma um ministro que participa das discussões.
A ministra Dilma Rousseff, candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou ao Valor, em entrevista há 20 dias sobre a organização de sua campanha e programa de governo, que dará continuidade aos programas até agora executados mas buscará aprofundá-los. Na ampliação do crédito, por exemplo, um dos programas estelares desta administração que passariam a constar da nova agenda, avançar seria criar mecanismos capazes de melhorar a capacidade de as empresas oferecerem garantias. "Precisamos ter um ambiente microeconômico facilitador de negócios", afirma o ministro consultado.
O acesso barato à Internet, o investimento forte em infraestrutura urbana e a tenaz decisão de ampliar o serviço público são caminhos de um mesmo plano para manter o país em movimento a partir de 2010, caso Dilma seja eleita.
Tanto o presidente Lula quanto o grupo que faz prospecções para um eventual governo Dilma reconhecem que há um gargalo na administração pública atual: a elaboração de projetos de qualidade.
Mesmo com a destinação de R$ 1 bilhão no PAC para a formulação de projetos, avaliações de hoje mostram que passaram-se dois anos sem que o governo tivesse projeto consistente a financiar.
Este diagnóstico levou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a submeter à aprovação do presidente Lula e conseguir aprovação para a criação de uma unidade para gerência de produção de projetos, com sede no Ministério do Planejamento.
Elaborar os projetos, todos, dentro do governo, não é possível, seriam necessários pelo menos mil engenheiros trabalhando de forma continuada, e bem pagos, para realizar a tarefa.
Ao longo de 2010, no entanto, poderá ser montado um serviço de gerência com o objetivo de coordenar isto, seja por intermédio da Secretaria de Planejamento e Investimento seja como uma unidade autônoma.
O governo pretende fazer licitação para a escolha de uma empresa a ser encarregada da execução e quer acompanhar o trabalho de perto.
Muitas das dificuldades que o Executivo enfrenta no Tribunal de Contas da União, segundo o diagnóstico feito pelo governo, derivam de projetos mal feitos. A criação do sistema será em 2010, mas seu funcionamento pleno só ocorrerá no próximo governo.
Universalização do serviço público, investimentos maciços, principalmente se funcionar bem a unidade de montagem de projetos, estão no topo das prioridades do projeto de governo em fase de discussão por grupo ligado a Dilma. "Não vai haver reviravolta na economia, nenhum cavalo de pau", diz um integrante desse staff mais próximo à ministra-chefe da Casa Civil e candidata, "mas vai ter diferença". Inclusive na economia que, nesta discussão, não tem um desenho imutável.
Isto significa que, em linhas gerais, vai-se procurar manter a inflação sob controle e fazer um superavit primário justo mas, num governo Dilma, haveria plenas condições de levar o juro real a 3%, baixar a menos de 30% a relação dívida/PIB e manter a inflação em 3% ao ano, além de buscar taxas de crescimento entre 5 e 6%, é o que prevê o grupo de estudos.
A diferença, ainda, poderia ser produzida pelo peso a ser dado aos diferentes fundamentos econômicos. Como define um dos principais formuladores do futuro governo na eventualidade de vitória da ministra Dilma Rousseff: " Nenhum governo é igual ao outro, o segundo governo Lula é diferente do primeiro, o (Henrique) Meirelles do segundo mandato é diferente do primeiro, os fundamentos vão se manter mas o seu peso será diferente porque a economia estará diferente. O governo da Dilma será diferente, indo no mesmo rumo".
O raciocínio que orienta esta definição considera, como se ouve neste grupo, que Dilma "não será pau mandado", no sentido de que não será "marionete" ou "ventríloquo" de idéias alheias. Quando tiver posições diferentes das do atual governo, vai manifestá-las e dar as guinadas em seu programa.
"Nenhum governo é continuidade do outro no sentido de ser absolutamente igual, nenhum governo é continuidade nem de si mesmo", assinala um ministro com gabinete na Presidência.
"Se olharmos o segundo governo Lula, muito do que foi feito no primeiro mandato está tendo continuidade, muita coisa mudou. E mudou porque as circunstâncias são outras, o governo é outro, amadureceu, não tem mais certas contradições de início, aprendeu com a primeira experiência", diz o interlocutor da ministra e do presidente.
É neste sentido que se prepara um governo de continuidade, com diferenças. Não há dúvidas, entre os que participam destas conversas iniciais, que o governo Dilma será diferente do governo Lula, "indo no mesmo caminho, na mesma direção".
Coadjuvante
Uma das apostas mais frequentes nessas conversas do grupo mais próximo à candidata Dilma sobre os cenários possíveis para uma definição de prioridades é a redução da importância do Banco Central. Com estabilidade econômica, o BC, nessas atuais conjecturas dos formuladores das futuras políticas, ganha papel de coadjuvante.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Num eventual governo Dilma Rousseff, é quase certo que será retomada a chamada agenda perdida do início do governo Lula, preparada pelo economista Marcos Lisboa no Ministério da Fazenda, à época de Antonio Palocci. Do conjunto de ideias ali reunidas, destacam-se, na atual reflexão que o governo faz sobre o futuro próximo, a ampliação dos mecanismos de garantia de crédito, o barateamento do mercado de seguros, o alargamento do acesso ao sistema bancário - levando os juros a patamares bem baixos para o pequeno tomador. "A questão microeconômica é a partir de agora a mais importante, a macroeconômica tem que ser cada vez mais um pano de fundo", afirma um ministro que participa das discussões.
A ministra Dilma Rousseff, candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou ao Valor, em entrevista há 20 dias sobre a organização de sua campanha e programa de governo, que dará continuidade aos programas até agora executados mas buscará aprofundá-los. Na ampliação do crédito, por exemplo, um dos programas estelares desta administração que passariam a constar da nova agenda, avançar seria criar mecanismos capazes de melhorar a capacidade de as empresas oferecerem garantias. "Precisamos ter um ambiente microeconômico facilitador de negócios", afirma o ministro consultado.
O acesso barato à Internet, o investimento forte em infraestrutura urbana e a tenaz decisão de ampliar o serviço público são caminhos de um mesmo plano para manter o país em movimento a partir de 2010, caso Dilma seja eleita.
Tanto o presidente Lula quanto o grupo que faz prospecções para um eventual governo Dilma reconhecem que há um gargalo na administração pública atual: a elaboração de projetos de qualidade.
Mesmo com a destinação de R$ 1 bilhão no PAC para a formulação de projetos, avaliações de hoje mostram que passaram-se dois anos sem que o governo tivesse projeto consistente a financiar.
Este diagnóstico levou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a submeter à aprovação do presidente Lula e conseguir aprovação para a criação de uma unidade para gerência de produção de projetos, com sede no Ministério do Planejamento.
Elaborar os projetos, todos, dentro do governo, não é possível, seriam necessários pelo menos mil engenheiros trabalhando de forma continuada, e bem pagos, para realizar a tarefa.
Ao longo de 2010, no entanto, poderá ser montado um serviço de gerência com o objetivo de coordenar isto, seja por intermédio da Secretaria de Planejamento e Investimento seja como uma unidade autônoma.
O governo pretende fazer licitação para a escolha de uma empresa a ser encarregada da execução e quer acompanhar o trabalho de perto.
Muitas das dificuldades que o Executivo enfrenta no Tribunal de Contas da União, segundo o diagnóstico feito pelo governo, derivam de projetos mal feitos. A criação do sistema será em 2010, mas seu funcionamento pleno só ocorrerá no próximo governo.
Universalização do serviço público, investimentos maciços, principalmente se funcionar bem a unidade de montagem de projetos, estão no topo das prioridades do projeto de governo em fase de discussão por grupo ligado a Dilma. "Não vai haver reviravolta na economia, nenhum cavalo de pau", diz um integrante desse staff mais próximo à ministra-chefe da Casa Civil e candidata, "mas vai ter diferença". Inclusive na economia que, nesta discussão, não tem um desenho imutável.
Isto significa que, em linhas gerais, vai-se procurar manter a inflação sob controle e fazer um superavit primário justo mas, num governo Dilma, haveria plenas condições de levar o juro real a 3%, baixar a menos de 30% a relação dívida/PIB e manter a inflação em 3% ao ano, além de buscar taxas de crescimento entre 5 e 6%, é o que prevê o grupo de estudos.
A diferença, ainda, poderia ser produzida pelo peso a ser dado aos diferentes fundamentos econômicos. Como define um dos principais formuladores do futuro governo na eventualidade de vitória da ministra Dilma Rousseff: " Nenhum governo é igual ao outro, o segundo governo Lula é diferente do primeiro, o (Henrique) Meirelles do segundo mandato é diferente do primeiro, os fundamentos vão se manter mas o seu peso será diferente porque a economia estará diferente. O governo da Dilma será diferente, indo no mesmo rumo".
O raciocínio que orienta esta definição considera, como se ouve neste grupo, que Dilma "não será pau mandado", no sentido de que não será "marionete" ou "ventríloquo" de idéias alheias. Quando tiver posições diferentes das do atual governo, vai manifestá-las e dar as guinadas em seu programa.
"Nenhum governo é continuidade do outro no sentido de ser absolutamente igual, nenhum governo é continuidade nem de si mesmo", assinala um ministro com gabinete na Presidência.
"Se olharmos o segundo governo Lula, muito do que foi feito no primeiro mandato está tendo continuidade, muita coisa mudou. E mudou porque as circunstâncias são outras, o governo é outro, amadureceu, não tem mais certas contradições de início, aprendeu com a primeira experiência", diz o interlocutor da ministra e do presidente.
É neste sentido que se prepara um governo de continuidade, com diferenças. Não há dúvidas, entre os que participam destas conversas iniciais, que o governo Dilma será diferente do governo Lula, "indo no mesmo caminho, na mesma direção".
Coadjuvante
Uma das apostas mais frequentes nessas conversas do grupo mais próximo à candidata Dilma sobre os cenários possíveis para uma definição de prioridades é a redução da importância do Banco Central. Com estabilidade econômica, o BC, nessas atuais conjecturas dos formuladores das futuras políticas, ganha papel de coadjuvante.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Serra vai priorizar pequeno credor em 2010
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
De R$ 2 bi destinados a pagamento de precatórios em SP, 50% obedecerão a critério crescente de valores
Catia Seabra
De R$ 2 bi destinados a pagamento de precatórios em SP, 50% obedecerão a critério crescente de valores
Catia Seabra
Em 2010, o governo de São Paulo vai priorizar os pequenos credores no pagamento das dívidas determinadas por decisões judiciais, os precatórios.
O Estado destinará R$ 2 bilhões ao pagamento de precatórios no ano que vem. Desses, 50% obedecerão ao critério crescente de valores.
O Estado de São Paulo publica amanhã um decreto pelo qual passa a aderir, a partir de 1º de janeiro, ao novo modelo de pagamento de precatórios.
Aprovado em dezembro pelo Congresso, o sistema estabelece que 50% dos recursos reservados sejam pagos segundo a ordem cronológica.
Cabe ao Estado, ou município, definir o critério de pagamento da outra metade entre três hipóteses: ordem crescente de valor, leilão (quem oferecer o maior desconto recebe antes) ou por acordo em câmara de conciliação.
O secretário de Fazenda de São Paulo, Mauro Ricardo Costa, diz que a tendência do governo é adotar a ordem crescente, ainda que adie em um ano o cronograma idealizado para quitação do estoque da dívida, que é de R$ 20 bilhões.
Pelos cálculos do governo, o estoque de precatórios -e fluxo anual- estaria zerado em 13 anos, caso optasse já a partir do ano que vem pelo sistema de leilão. "É mais justo pagar primeiro os de menor valor ainda que retarde em um ano [a quitação do estoque]", justificou.
Em 2008, dez precatórios pagos pelo Estado somaram R$ 892 milhões. Segundo a secretaria, esse mesmo valor seria suficiente pra para pagar a 75% dos credores, caso fosse adotada a lista por ordem crescente.
Antes da nova regra, que reduziu de 24% para 6% os juros aplicados às dívidas, o prazo para pagamento era estimado em 45 anos.
Seguindo a nova regra, o governo deverá depositar mensalmente o equivalente a 1,5% de sua receita corrente líquida numa conta do Tribunal de Justiça do Estado.
Todos os recursos serão centralizados numa conta do Tribunal de Justiça, independentemente da origem da decisão (se da Justiça do Trabalho ou da Justiça comum).
Segundo Mauro Ricardo, o governo Serra deverá criar um sistema para registro das diferentes filas de credores (valor, natureza do crédito e idade do credor). Pela nova regra, no pagamento por ordem cronológica, serão priorizados créditos alimentares para precatórios do mesmo ano e idosos.
A opção do governo Serra pelos pequenos credores se dá num momento em que petistas investem na estratégia de que, no Brasil, só o PT se dedica aos menos favorecidos.
Projeto revoga Lei de Anistia e Jobim ameaça se demitir
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Lula recua após mobilização de militares, que consideram texto "revanchista"
O Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, para entregar sua carta de demissão, informam as repórteres Christiane Samarco e Eugênia Lopes. Os três comandantes das Forças Armadas decidiram que também deixariam os cargos. Para os militares, o programa, lançado no dia 21 e proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, tem trechos "revanchistas e provocativos". Eles reclamam do "ambiente de constantes provocações" criado pela secretaria. Ao final de três dias de tensão, Lula e Jobim fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas de lei a serem enviadas ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas.
Jobim faz carta de demissão após ameaça de mudar a Lei de Anistia
Lula fecha acordo com ministro, que seria seguido por comandantes das Forças e vê "revanchismo" em Vannuchi
Christiane Samarco e Eugênia Lopes, BRASÍLIA
A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que propõe a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar na véspera do Natal e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a escrever uma carta de demissão e a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo. Solidários a Jobim, os três comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada.
Na avaliação dos militares e do ministro Jobim, o PNDH-3, proposto pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, e lançado no dia 21 passado, tem trechos "revanchistas e provocativos". Ao final de três dias de tensão, o presidente da República e o ministro da Defesa fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas da lei a serem enviadas ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter revanchista.
Os comandantes militares transformaram Jobim em fiador desse acordo, mas disseram que a manutenção da Lei de Anistia é "ponto de honra". As Forças Armadas tratam com "naturalidade institucional" o fato de os benefícios da lei e sua amplitude estarem hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal - isso é decorrente de um processo legal que foi aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.
Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz que fala em acabar com "as leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos", outro ponto irritou os militares e, em especial, o ministro Jobim. Ele reclamou com Lula da quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985".
Jobim foi surpreendido com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada. Os militares dizem que se essas investigações vão ficar a cargo de uma Comissão da Verdade, todos os fatos referentes ao regime militar devem ser investigados. "Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos botar a Dilma e o Franklin Martins", disse um general da ativa ao Estado, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro de Comunicação Social, que participaram da luta armada. "Não me venham falar em processo para militar pois a maioria nem está mais nos quartéis de hoje", acrescentou o general.
Os militares também consideram "picuinha" e "provocação" a proposta de Vannuchi de uma lei "proibindo que logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade". "Estamos engolindo sapo atrás de sapo", resumiu o general, que pediu anonimato por não poder se manifestar.
SOLIDARIEDADE
A decisão de Jobim entregar o cargo foi tomada no dia 21 e teve, inicialmente, o apoio dos comandantes Juniti Saito (Aeronáutica) e Enzo Peri (Exército). Consultado por telefone, porque estava no Rio, o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, também aderiu. Diante da tensão, Lula acertou que se encontraria com Jobim em Brasília, na volta da viagem que havia feito ao Rio, para inaugurar casas populares no complexo do Alemão e visitar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Na conversa, Lula rejeitou a entrega da carta de demissão e disse que contornaria politicamente o problema. Pediu que o ministro garantisse aos comandantes militares que o Planalto não seria porta-voz de medidas que revogassem a Lei de Anistia. Os militares acataram a decisão, mas reclamaram da posição "vacilante" do Planalto e do "ambiente de constantes provocações" criado pela secretaria de Vannuchi e o ministro da Justiça, Tarso Genro. Incomodaram-se também com o que avaliaram como "empenho eleitoral excessivo" da ministra Dilma no apoio a Vannuchi.
Lula recua após mobilização de militares, que consideram texto "revanchista"
O Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, para entregar sua carta de demissão, informam as repórteres Christiane Samarco e Eugênia Lopes. Os três comandantes das Forças Armadas decidiram que também deixariam os cargos. Para os militares, o programa, lançado no dia 21 e proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, tem trechos "revanchistas e provocativos". Eles reclamam do "ambiente de constantes provocações" criado pela secretaria. Ao final de três dias de tensão, Lula e Jobim fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas de lei a serem enviadas ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas.
Jobim faz carta de demissão após ameaça de mudar a Lei de Anistia
Lula fecha acordo com ministro, que seria seguido por comandantes das Forças e vê "revanchismo" em Vannuchi
Christiane Samarco e Eugênia Lopes, BRASÍLIA
A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que propõe a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar na véspera do Natal e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a escrever uma carta de demissão e a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo. Solidários a Jobim, os três comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada.
Na avaliação dos militares e do ministro Jobim, o PNDH-3, proposto pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, e lançado no dia 21 passado, tem trechos "revanchistas e provocativos". Ao final de três dias de tensão, o presidente da República e o ministro da Defesa fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas da lei a serem enviadas ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter revanchista.
Os comandantes militares transformaram Jobim em fiador desse acordo, mas disseram que a manutenção da Lei de Anistia é "ponto de honra". As Forças Armadas tratam com "naturalidade institucional" o fato de os benefícios da lei e sua amplitude estarem hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal - isso é decorrente de um processo legal que foi aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.
Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz que fala em acabar com "as leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos", outro ponto irritou os militares e, em especial, o ministro Jobim. Ele reclamou com Lula da quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985".
Jobim foi surpreendido com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada. Os militares dizem que se essas investigações vão ficar a cargo de uma Comissão da Verdade, todos os fatos referentes ao regime militar devem ser investigados. "Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos botar a Dilma e o Franklin Martins", disse um general da ativa ao Estado, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro de Comunicação Social, que participaram da luta armada. "Não me venham falar em processo para militar pois a maioria nem está mais nos quartéis de hoje", acrescentou o general.
Os militares também consideram "picuinha" e "provocação" a proposta de Vannuchi de uma lei "proibindo que logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade". "Estamos engolindo sapo atrás de sapo", resumiu o general, que pediu anonimato por não poder se manifestar.
SOLIDARIEDADE
A decisão de Jobim entregar o cargo foi tomada no dia 21 e teve, inicialmente, o apoio dos comandantes Juniti Saito (Aeronáutica) e Enzo Peri (Exército). Consultado por telefone, porque estava no Rio, o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, também aderiu. Diante da tensão, Lula acertou que se encontraria com Jobim em Brasília, na volta da viagem que havia feito ao Rio, para inaugurar casas populares no complexo do Alemão e visitar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Na conversa, Lula rejeitou a entrega da carta de demissão e disse que contornaria politicamente o problema. Pediu que o ministro garantisse aos comandantes militares que o Planalto não seria porta-voz de medidas que revogassem a Lei de Anistia. Os militares acataram a decisão, mas reclamaram da posição "vacilante" do Planalto e do "ambiente de constantes provocações" criado pela secretaria de Vannuchi e o ministro da Justiça, Tarso Genro. Incomodaram-se também com o que avaliaram como "empenho eleitoral excessivo" da ministra Dilma no apoio a Vannuchi.
"Lula age assim: empurra a crise com a barriga e a gente nunca sai desse ambiente de ameaça", protestou um brigadeiro em entrevista ao Estado.
Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no dia 21, foi "uma armação" para constranger militares, tendo Dilma como figura central, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.
Colaborou Rui Nogueira
Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no dia 21, foi "uma armação" para constranger militares, tendo Dilma como figura central, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.
Colaborou Rui Nogueira
ENTENDA O CASO
As divergências entre os ministros em torno da Comissão da Verdade arrastam-se há um ano
Dezembro/2008: A 11.ª Conferência Nacional de Direitos Humanos encaminha ao governo orientação para que seja criada a Comissão da Verdade e Justiça. No encontro, os enviados do Ministério da Defesa votam contra
Janeiro/2009: Vannuchi estimula a sociedade a discutir a comissão e começa a redigir uma proposta. Acreditava-se que seria criada por decreto presidencial
Julho: Começa o debate com a Defesa. Jobim quer uma comissão de reconciliação
Outubro: Vannuchi deixa de lado o tom judiciário, mas insiste na abertura de arquivos que estariam poder dos militares
Novembro: O impasse leva o Planalto a adiar o anúncio do Programa de Direitos Humanos
Dezembro: O termo reconciliação é incluído na proposta e anuncia-se que o governo encaminhará ao Congresso um projeto de lei propondo a criação da comissão
Dezembro/2008: A 11.ª Conferência Nacional de Direitos Humanos encaminha ao governo orientação para que seja criada a Comissão da Verdade e Justiça. No encontro, os enviados do Ministério da Defesa votam contra
Janeiro/2009: Vannuchi estimula a sociedade a discutir a comissão e começa a redigir uma proposta. Acreditava-se que seria criada por decreto presidencial
Julho: Começa o debate com a Defesa. Jobim quer uma comissão de reconciliação
Outubro: Vannuchi deixa de lado o tom judiciário, mas insiste na abertura de arquivos que estariam poder dos militares
Novembro: O impasse leva o Planalto a adiar o anúncio do Programa de Direitos Humanos
Dezembro: O termo reconciliação é incluído na proposta e anuncia-se que o governo encaminhará ao Congresso um projeto de lei propondo a criação da comissão
Governo prevê a saída de ministro na campanha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Em alguns setores do governo federal já é dada como mais que provável a saída de Nelson Jobim (PMDB) do cargo de titular do Ministério da Defesa. O motivo seria a forte amizade dele com o governador paulista e virtual candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. O que se comenta é que essa proximidade o deixaria pouco à vontade no governo quando a campanha eleitoral entrasse na esperada fase de fogo cerrado.
Serra e Jobim são amigos desde a segunda metade da década de 80, quando foram eleitos para a Câmara e acabaram dividindo um apartamento funcional em Brasília. Até hoje, quando visitam São Paulo, o ministro da Defesa e sua mulher costumam reunir-se com o casal Serra.
Em 2007, quando deixou o Palácio do Planalto, logo após receber o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir a pasta da Defesa, um dos primeiros telefonemas que Jobim disparou foi para o amigo Serra. Para contar que havia decidido aceitar o convite.
Jobim entrou para o ministério de Lula como parte da quota do PMDB. Substituiu Waldir Pires, que se desgastara e arrastara com ele o governo durante a crise aérea. Assumiu desde o início um tom de aproximação com os militares, procurando melhorar o diálogo com chefes das tropas. Isso provocou críticas em setores do governo, especialmente aqueles ligados à área de defesa dos Direitos Humanos - interessados em rever questões relacionadas ao período da ditadura, deflagrada com o golpe militar de 1964.
Mas sua atuação também sido elogiada. Comenta-se que, desde a criação do ministério, em 1999, nenhum outro titular da vaga teria atraído para a pasta o prestígio que Jobim conquistou. No governo Lula, ele foi antecedido no cargo por José Viegas Filho, diplomata de carreira, e pelo vice-presidente, José Alencar, além de Waldir Pires.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, Jobim foi ministro da Justiça durante um período de dois anos. Deixou o cargo em 1997 para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em alguns setores do governo federal já é dada como mais que provável a saída de Nelson Jobim (PMDB) do cargo de titular do Ministério da Defesa. O motivo seria a forte amizade dele com o governador paulista e virtual candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. O que se comenta é que essa proximidade o deixaria pouco à vontade no governo quando a campanha eleitoral entrasse na esperada fase de fogo cerrado.
Serra e Jobim são amigos desde a segunda metade da década de 80, quando foram eleitos para a Câmara e acabaram dividindo um apartamento funcional em Brasília. Até hoje, quando visitam São Paulo, o ministro da Defesa e sua mulher costumam reunir-se com o casal Serra.
Em 2007, quando deixou o Palácio do Planalto, logo após receber o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir a pasta da Defesa, um dos primeiros telefonemas que Jobim disparou foi para o amigo Serra. Para contar que havia decidido aceitar o convite.
Jobim entrou para o ministério de Lula como parte da quota do PMDB. Substituiu Waldir Pires, que se desgastara e arrastara com ele o governo durante a crise aérea. Assumiu desde o início um tom de aproximação com os militares, procurando melhorar o diálogo com chefes das tropas. Isso provocou críticas em setores do governo, especialmente aqueles ligados à área de defesa dos Direitos Humanos - interessados em rever questões relacionadas ao período da ditadura, deflagrada com o golpe militar de 1964.
Mas sua atuação também sido elogiada. Comenta-se que, desde a criação do ministério, em 1999, nenhum outro titular da vaga teria atraído para a pasta o prestígio que Jobim conquistou. No governo Lula, ele foi antecedido no cargo por José Viegas Filho, diplomata de carreira, e pelo vice-presidente, José Alencar, além de Waldir Pires.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, Jobim foi ministro da Justiça durante um período de dois anos. Deixou o cargo em 1997 para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Zander Navarro :: Treze teses para entender o MST
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Enredado em laranjais, desmatamentos ilegais, a ameaça de uma CPI e infindáveis ações, muitas conduzidas sob impressionante primarismo político, talvez seja oportuno um sucinto balanço sobre o MST, um quarto de século após a sua fundação. Como estudo a organização antes mesmo de ser formada, em 1984, ofereço algumas teses para aqueles que têm interesse nos processos sociais rurais e, particularmente, curiosidade sobre o movimento.
Sobre a sua natureza: não obstante o nome, o MST deixou de ser um movimento social há muitos anos, pois logo se estruturou como uma organização, centralizada no essencial (as formas de luta política e as principais bandeiras), mas descentralizada no varejo, ou seja, liberando a criatividade local.
Sociologicamente, movimentos sociais supõem algum grau de espontaneidade na ação e uma liderança flexível, o que o MST não apresenta desde os anos 80. Já as organizações, entre outros aspectos, criam carreiras, e atualmente o Movimento mobiliza centenas de militantes que não sabem desenvolver outra atividade, senão a agitação social.
Os "tempos do MST": a organização nasceu, de fato, na segunda metade dos anos 90, quando passou a frequentar a agenda nacional. Antes era sulista e menos conhecida.
Na mesma época, alterou o seu mecanismo principal de financiamento, até então provido pela generosidade de igrejas europeias, pois descobriu os furos das burras do Estado, com o início do processo de reforma agrária e a constituição do MDA, entre outras fontes estatais, das quais extrai os fundos, via entidades fantasia.
Mas continua recebendo recursos externos. A chance perdida: a "Marcha a Brasília", em abril de 1997, foi o único momento em que uma organização popular encurralou o governo de Fernando Henrique Cardoso, forçado a receber os sem-terra no Planalto. Seria o momento ideal da institucionalização, pois foi o auge da influência e do prestígio do MST. Poderia se transformar em agremiação sindical dos mais pobres do campo.
Seus líderes, contudo, preferiram a semiclandestinidade, contra uma sociedade que afirmava, cada vez mais, a sua natureza democrática. Sem surpresa, desde então os impasses se multiplicaram, pois esta esquizofrenia política não teria como prosperar.
As alianças na sociedade: cresceram no final da década passada, mas vêm estiolando nos anos recentes. Parece que a população foi cansando de tantas estrepolias não democráticas.
Nascido no campo petista, onde está firmemente enraizado, mesmo o PT parece enfastiado com uma organização autoritária que perdeu a sua razão de existência e atira a esmo, enfraquecida porque não tem mais uma agenda própria.
Atualmente, apoiam-no setores do catolicismo radical, pequenos grupos em universidades públicas, notadamente cientistas sociais, algumas facções partidárias e, especialmente, estudantes. Demanda social pela reforma agrária: embora voz isolada, sustento que não existe mais demanda significativa, em quase nenhuma região, que justifique um programa nacional de reforma agrária.
Quando muito projetos regionais teriam alguma inteligibilidade, como no Nordeste, por exemplo. É preciso ter a coragem de mudar tudo nesta área, sob pena de manter um surrealismo institucional que desperdiça recursos públicos acintosamente, pois movido unicamente pela inércia e o corporativismo.
Ilusões públicas: o tamanho aparente do MST é muito maior do que a sua expressão real, sendo esta uma de suas armas decisivas para se manter à tona. Usando aliados e espaços da sociedade, amplifica fatos menores e eventos sem expressão, sugerindo ter uma força desmedida. Estrangeiros se confundem com esta paralaxe política, e no exterior se lê com frequência a risível afirmação sobre o "maior movimento social do planeta".
Não apenas parece maior do que é, mas o MST tem, na realidade, reduzido sua capacidade de recrutamento e mobilização. Se observadas criteriosamente, as ocupações de terra e outras ações têm diminuído, em número e tamanho. Fosse viável apurar, se concluiria, além disto, que a maior parte daqueles que nelas participam não são sem-terra, mas assentados e seus familiares, recrutados frequentemente sob formas variadas de intimidação.
O poder da propaganda: no melhor estilo "agit-prop" dos antigos partidos comunistas, o MST se apropriou de parte da sociedade civil, a quem domina e usa os recursos a seu favor.
Como é uma "organização dos pobres", somente uma minoria contesta o autoritarismo do movimento, desgostosos com posturas que algumas vezes beiram o protofascismo. Existindo um fio capilar que perpassa o MST, o campo petista e, mais genericamente, "a esquerda", poucos confrontam aqueles comportamentos, temendo a represália política.
O entrave principal: o MST não se moderniza porque é preso à visão neolítica de seu dirigente maior, que é, de fato, o dono da organização, para usar um termo apropriado, embora deselegante. Egresso do antigo MR-8, nos anos 70, o leninismo de João Pedro Stédile é que tem impedido o MST de se tornar um ator social relevante.
Formou à sua volta uma claque cuja lealdade cultua seu líder e não admite dissidentes. Que o diga José Rainha, o dirigente que afrontou Stédile e acabou exilado no Pontal do Paranapanema, juntamente com o seu MST do B.
"Demonização do MST": são tolas as afirmações sobre iniciativas que supostamente pretenderiam criminalizar a organização. É certo que há setores do empresariado rural que gostariam de liquidar o MST, refletindo sua histórica truculência, mas são irrelevantes em sua expressão social. Denúncias sobre criminalização soam ridículas, em face dos inúmeros atos de óbvia ilicitude. O argumento ignora a democratização e seus imperativos, sendo um absurdo lógico. Ou almejamos uma democracia sob a qual os preceitos legais não valeriam para alguns?
O maior desafio: qual a legitimidade do MST? Ninguém sabe, embora tantas vozes arvorem sua existência. Seus supostos líderes foram escolhidos quando e por quem? E sob qual espaço público, como seria esperado em uma sociedade democrática? Sem legitimação, por que se curvar às suas imposições? Qual é a base social do movimento, alguém saberia dizer?
Aqueles que seguem suas ações, militantes ou simpatizantes, fazem-no voluntariamente, porque acreditam no MST, ou porque não têm outra escolha, pois recrutados em assentamentos sob seu domínio, onde controla recursos (públicos) e seleciona politicamente os assentados?
A grande pergunta: é um enigma que as autoridades não exijam a institucionalização do MST. Sobrevivendo primordialmente dos fundos públicos, o Estado tem o direito, senão o dever, de impor tal exigência.
Os requerimentos da transparência e publicização são repetidos monotonamente para todos os outros atores políticos, mas, estranhamente, ao movimento é permitido permanecer alheio à mesma institucionalidade. Se integrado, seriam legítimos seus líderes e as reivindicações, e suas disputas sociais se tornariam parte do ordenamento democrático, obtendo alguma tolerância pública. Se o movimento se recusa a esta mudança, preso a um bizarro fetiche ideológico de origem, somente o governo poderá impô-la, bastando ameaçar o acesso aos fundos públicos.
A vitória principal: na realidade, não tem sido manter viva a reforma agrária, ainda que sob crescente esgarçar. A maior vitória do MST é essencialmente política. Qual seja, mudar a correlação de forças no campo, o que é evidenciado por fato incontornável: não existe hoje nenhuma propriedade rural protegida, caso o MST decida conquistá-la. Com a democratização, a Justiça se tornou mais compreensiva e mesmo a repressão policial foi abrandada, deixando de registrar a inominável violência do passado.
Sob tais condições, a organização conquista o imóvel que ambicionar. A ironia, contudo, é que esta virada vem ocorrendo quando a demanda pelo acesso à terra desaba em todos os rincões rurais, erodida pela urbanização. Uma vitória pírrica, pois quando finalmente viável, a reforma agrária estancou, já que os interessados debandaram.
E o futuro? O MST se defronta hoje com o seu ocaso e tem apenas um caminho à sua frente.
Qual seja, a sua institucionalização, organizando-se a favor do desenvolvimento rural e privilegiando os mais pobres das áreas rurais. Mantendo-se como é atualmente, apenas acentua sua lenta agonia, ainda que tantos cientistas sociais ingênuos propaguem manifestações de inacreditável desconhecimento sobre o mundo rural brasileiro. Nascido para defender a reforma agrária, esta viu passar o seu tempo histórico. Avançou o que foi possível, mas encontra em nossos dias os seus limites de necessidade.
Ainda sem sucesso, o MST tem procurado afirmar uma nova agenda ("ódio à ciência, ódio à agricultura moderna, ódio ao empresariado rural"), em nítido desespero demonstrado por tantas iniciativas delirantes, seja por se manter sob um não democrático anacronismo organizacional, seja por defender uma ideologia antimoderna. Se persistir neste rumo, apenas apressará o seu desaparecimento.
Zander Navarro, 58, mestre e doutor em sociologia, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra). Atualmente integra a Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
(Publicado em 5/12/2009)
Enredado em laranjais, desmatamentos ilegais, a ameaça de uma CPI e infindáveis ações, muitas conduzidas sob impressionante primarismo político, talvez seja oportuno um sucinto balanço sobre o MST, um quarto de século após a sua fundação. Como estudo a organização antes mesmo de ser formada, em 1984, ofereço algumas teses para aqueles que têm interesse nos processos sociais rurais e, particularmente, curiosidade sobre o movimento.
Sobre a sua natureza: não obstante o nome, o MST deixou de ser um movimento social há muitos anos, pois logo se estruturou como uma organização, centralizada no essencial (as formas de luta política e as principais bandeiras), mas descentralizada no varejo, ou seja, liberando a criatividade local.
Sociologicamente, movimentos sociais supõem algum grau de espontaneidade na ação e uma liderança flexível, o que o MST não apresenta desde os anos 80. Já as organizações, entre outros aspectos, criam carreiras, e atualmente o Movimento mobiliza centenas de militantes que não sabem desenvolver outra atividade, senão a agitação social.
Os "tempos do MST": a organização nasceu, de fato, na segunda metade dos anos 90, quando passou a frequentar a agenda nacional. Antes era sulista e menos conhecida.
Na mesma época, alterou o seu mecanismo principal de financiamento, até então provido pela generosidade de igrejas europeias, pois descobriu os furos das burras do Estado, com o início do processo de reforma agrária e a constituição do MDA, entre outras fontes estatais, das quais extrai os fundos, via entidades fantasia.
Mas continua recebendo recursos externos. A chance perdida: a "Marcha a Brasília", em abril de 1997, foi o único momento em que uma organização popular encurralou o governo de Fernando Henrique Cardoso, forçado a receber os sem-terra no Planalto. Seria o momento ideal da institucionalização, pois foi o auge da influência e do prestígio do MST. Poderia se transformar em agremiação sindical dos mais pobres do campo.
Seus líderes, contudo, preferiram a semiclandestinidade, contra uma sociedade que afirmava, cada vez mais, a sua natureza democrática. Sem surpresa, desde então os impasses se multiplicaram, pois esta esquizofrenia política não teria como prosperar.
As alianças na sociedade: cresceram no final da década passada, mas vêm estiolando nos anos recentes. Parece que a população foi cansando de tantas estrepolias não democráticas.
Nascido no campo petista, onde está firmemente enraizado, mesmo o PT parece enfastiado com uma organização autoritária que perdeu a sua razão de existência e atira a esmo, enfraquecida porque não tem mais uma agenda própria.
Atualmente, apoiam-no setores do catolicismo radical, pequenos grupos em universidades públicas, notadamente cientistas sociais, algumas facções partidárias e, especialmente, estudantes. Demanda social pela reforma agrária: embora voz isolada, sustento que não existe mais demanda significativa, em quase nenhuma região, que justifique um programa nacional de reforma agrária.
Quando muito projetos regionais teriam alguma inteligibilidade, como no Nordeste, por exemplo. É preciso ter a coragem de mudar tudo nesta área, sob pena de manter um surrealismo institucional que desperdiça recursos públicos acintosamente, pois movido unicamente pela inércia e o corporativismo.
Ilusões públicas: o tamanho aparente do MST é muito maior do que a sua expressão real, sendo esta uma de suas armas decisivas para se manter à tona. Usando aliados e espaços da sociedade, amplifica fatos menores e eventos sem expressão, sugerindo ter uma força desmedida. Estrangeiros se confundem com esta paralaxe política, e no exterior se lê com frequência a risível afirmação sobre o "maior movimento social do planeta".
Não apenas parece maior do que é, mas o MST tem, na realidade, reduzido sua capacidade de recrutamento e mobilização. Se observadas criteriosamente, as ocupações de terra e outras ações têm diminuído, em número e tamanho. Fosse viável apurar, se concluiria, além disto, que a maior parte daqueles que nelas participam não são sem-terra, mas assentados e seus familiares, recrutados frequentemente sob formas variadas de intimidação.
O poder da propaganda: no melhor estilo "agit-prop" dos antigos partidos comunistas, o MST se apropriou de parte da sociedade civil, a quem domina e usa os recursos a seu favor.
Como é uma "organização dos pobres", somente uma minoria contesta o autoritarismo do movimento, desgostosos com posturas que algumas vezes beiram o protofascismo. Existindo um fio capilar que perpassa o MST, o campo petista e, mais genericamente, "a esquerda", poucos confrontam aqueles comportamentos, temendo a represália política.
O entrave principal: o MST não se moderniza porque é preso à visão neolítica de seu dirigente maior, que é, de fato, o dono da organização, para usar um termo apropriado, embora deselegante. Egresso do antigo MR-8, nos anos 70, o leninismo de João Pedro Stédile é que tem impedido o MST de se tornar um ator social relevante.
Formou à sua volta uma claque cuja lealdade cultua seu líder e não admite dissidentes. Que o diga José Rainha, o dirigente que afrontou Stédile e acabou exilado no Pontal do Paranapanema, juntamente com o seu MST do B.
"Demonização do MST": são tolas as afirmações sobre iniciativas que supostamente pretenderiam criminalizar a organização. É certo que há setores do empresariado rural que gostariam de liquidar o MST, refletindo sua histórica truculência, mas são irrelevantes em sua expressão social. Denúncias sobre criminalização soam ridículas, em face dos inúmeros atos de óbvia ilicitude. O argumento ignora a democratização e seus imperativos, sendo um absurdo lógico. Ou almejamos uma democracia sob a qual os preceitos legais não valeriam para alguns?
O maior desafio: qual a legitimidade do MST? Ninguém sabe, embora tantas vozes arvorem sua existência. Seus supostos líderes foram escolhidos quando e por quem? E sob qual espaço público, como seria esperado em uma sociedade democrática? Sem legitimação, por que se curvar às suas imposições? Qual é a base social do movimento, alguém saberia dizer?
Aqueles que seguem suas ações, militantes ou simpatizantes, fazem-no voluntariamente, porque acreditam no MST, ou porque não têm outra escolha, pois recrutados em assentamentos sob seu domínio, onde controla recursos (públicos) e seleciona politicamente os assentados?
A grande pergunta: é um enigma que as autoridades não exijam a institucionalização do MST. Sobrevivendo primordialmente dos fundos públicos, o Estado tem o direito, senão o dever, de impor tal exigência.
Os requerimentos da transparência e publicização são repetidos monotonamente para todos os outros atores políticos, mas, estranhamente, ao movimento é permitido permanecer alheio à mesma institucionalidade. Se integrado, seriam legítimos seus líderes e as reivindicações, e suas disputas sociais se tornariam parte do ordenamento democrático, obtendo alguma tolerância pública. Se o movimento se recusa a esta mudança, preso a um bizarro fetiche ideológico de origem, somente o governo poderá impô-la, bastando ameaçar o acesso aos fundos públicos.
A vitória principal: na realidade, não tem sido manter viva a reforma agrária, ainda que sob crescente esgarçar. A maior vitória do MST é essencialmente política. Qual seja, mudar a correlação de forças no campo, o que é evidenciado por fato incontornável: não existe hoje nenhuma propriedade rural protegida, caso o MST decida conquistá-la. Com a democratização, a Justiça se tornou mais compreensiva e mesmo a repressão policial foi abrandada, deixando de registrar a inominável violência do passado.
Sob tais condições, a organização conquista o imóvel que ambicionar. A ironia, contudo, é que esta virada vem ocorrendo quando a demanda pelo acesso à terra desaba em todos os rincões rurais, erodida pela urbanização. Uma vitória pírrica, pois quando finalmente viável, a reforma agrária estancou, já que os interessados debandaram.
E o futuro? O MST se defronta hoje com o seu ocaso e tem apenas um caminho à sua frente.
Qual seja, a sua institucionalização, organizando-se a favor do desenvolvimento rural e privilegiando os mais pobres das áreas rurais. Mantendo-se como é atualmente, apenas acentua sua lenta agonia, ainda que tantos cientistas sociais ingênuos propaguem manifestações de inacreditável desconhecimento sobre o mundo rural brasileiro. Nascido para defender a reforma agrária, esta viu passar o seu tempo histórico. Avançou o que foi possível, mas encontra em nossos dias os seus limites de necessidade.
Ainda sem sucesso, o MST tem procurado afirmar uma nova agenda ("ódio à ciência, ódio à agricultura moderna, ódio ao empresariado rural"), em nítido desespero demonstrado por tantas iniciativas delirantes, seja por se manter sob um não democrático anacronismo organizacional, seja por defender uma ideologia antimoderna. Se persistir neste rumo, apenas apressará o seu desaparecimento.
Zander Navarro, 58, mestre e doutor em sociologia, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra). Atualmente integra a Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
(Publicado em 5/12/2009)
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