quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Lula deixa para abril definição sobre plano que irritou militares

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente Lula saiu de férias e deixou para abril definição sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos, foco de crise entre militares e membros do governo ligados às famílias de mortos e desaparecidos na ditadura. O governo tem até abril para elaborar projeto da Comissão da Verdade, para examinar violações de direitos humanos durante a repressão. Os militares, que aguardavam recuo do Planalto, acham que Lula "empurra com a barriga".

Lula tenta amenizar crise e frustra comando militar

Presidente adia definição sobre comissão para investigar crimes durante a ditadura

Tarso Genro afirma que não há "controvérsia insanável" dentro do governo apesar da reação das Forças Armadas a plano de direitos humanos

Marta Salomon
Da Sucursal De Brasília
Eliane Cantanhêde Colunista Da Folha

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ganhar tempo e investir num discurso conciliador e contra "revanchismos" para administrar a tensão entre os militares e a ala do governo mais afinada com as famílias de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.Lula saiu em férias ontem, e uma definição sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, foco da crise, só será anunciada a partir de abril. Os militares, que aguardavam um recuo concreto do governo em relação aos termos do plano, ficaram frustrados. Acham que Lula "empurra com a barriga".

Abril é o prazo que uma comissão do governo tem para elaborar projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade -prevista no Plano de Direitos Humanos- para examinar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", um dos itens de irritação na área militar.

Outros são a identificação de locais públicos que serviram à repressão e a revogação da Lei da Anistia -além da proposta de cassar os nomes de presidentes militares de pontes, rodovias e prédios públicos. A comissão terá representantes dos ministérios da Justiça, da Defesa, da Casa Civil e da Secretaria de Direitos Humanos.

Ontem, as autoridades envolvidas no conflito baixaram o tom das críticas. O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, entrou em férias e avisou que não comentaria o caso, e o ministro Tarso Genro (Justiça) insistiu em que a palavra final caberá ao presidente.

"Não há nenhum pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso [o presidente] vai resolver com a sua capacidade de mediação após as férias", disse Tarso, após reunião com Lula.

Também o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica se recusaram a falar. A promessa de Lula, levada a eles por Jobim, é de que a tensão será contornada e que o governo não tem nenhum interesse em provocar os militares e criar-lhes constrangimentos.

Jobim e os comandantes julgam que o plano ignorou todas as sugestões das Forças Armadas e ficou "desequilibrado", pois cobra responsabilidades dos militares, mas não dos seus adversários, "que assaltaram, mataram e sequestraram". Citam até ministros de Lula.Interlocutores de Lula lembraram ontem que o tom conciliador foi dado pelo presidente desde o anúncio do plano, na segunda-feira antes do Natal. Na ocasião, Lula afirmou que o documento seria "digerido" -ou seja, que havia brechas para novos debates. No discurso, o presidente exaltou a experiência de integrantes do governo que lutaram contra a ditadura, como os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social), Tarso e Vannuchi.

Segundo Lula, Dilma teria comentado, ao passar pelo Comando do 2º Exército (SP), onde esteve presa, que não sentia mais raiva: "Se alguém prendeu a Dilma, se alguém torturou a Dilma achando que tinha acabado a luta da Dilma, ela é uma possível candidata a presidente da República", declarou.

A tensão entre militares e a área de Direitos Humanos não é novidade no governo Lula. Em 2007, foram duras as críticas de militares ao livro "Direito à Memória e à Verdade". Mais complicada foi a reação dos militares ao debate defendido pelo Ministério da Justiça sobre limites da impunidade a torturadores. Uma nova interpretação da Lei de Anistia rachou o governo.
Como agora, Lula investiu na conciliação.

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