segunda-feira, 14 de julho de 2025

O fim dos honorários e o ajuste fiscal sem impostos - Bruno Carazza

Valor Econômico

Advogados públicos têm a receber fundo bilionário da União, e o fazem sem nenhuma transparência

Desde que a discussão sobre os supersalários ganhou manchetes e editorais na imprensa brasileira, muito se tem criticado juízes e membros do Ministério Público por estarem recebendo centenas de milhares de reais a mais do que estabelece a Constituição. Mas eles não estão sós.

Existem outras categorias que também burlam as regras constitucionais e estão ganhando tanto que chegam a provocar inveja dos togados do sistema judiciário.

Depois de uma intensa campanha de lobby, os advogados públicos conseguiram inserir no novo Código de Processo Civil (CPC) um dispositivo que lhes garantem, além do pagamento da remuneração básica, também honorários de sucumbência - uma verba paga pela parte derrotada numa ação judicial, até então restrita aos advogados privados.

Essa decisão acabou beneficiando não apenas os membros da Advocacia Geral da União (AGU), como também procuradores da Fazenda Nacional e de autarquias. Graças a essa alteração legal, desde fevereiro de 2017 o governo federal já transferiu R$ 18,6 bilhões para a “caixinha” dos advogados públicos.

Só no atual governo Lula foram R$ 8,5 bilhões (45% do total), o que dá quase o que o governo deixou de ganhar com a derrubada do decreto do IOF. E não fazemos ideia do quanto vem sendo pago aos causídicos dos Estados e municípios.

Advogados públicos argumentam que o recebimento dos honorários representa um tratamento equânime com seus pares do setor privado. Ora, mas advogados particulares não têm salários fixos que variam de R$ 25 mil a mais de R$ 32 mil por mês, como acontece com os membros da advocacia pública federal. Também têm que arcar com todos os custos de seus escritórios, incluindo pessoal de apoio, estagiários e assistentes - despesas que são cobertas pelo governo, no caso da AGU e PGFN. E, pior, no caso dos advogados públicos, não há concorrência e nem o risco de consequências reputacionais caso percam as causas, próprios da atividade privada.

Os advogados públicos mentiram para os deputados e senadores quando pressionaram pela aprovação do dispositivo que lhes garantiu o recebimento de honorários.

Num documento distribuído aos congressistas durante a tramitação do CPC, sete associações de advogados públicos federais asseguraram: “Os honorários sucumbenciais não ofendem os limites da remuneração no serviço público. No caso da Advocacia Pública Federal, prevê-se que cada profissional receberia cerca de R$ 707,75”. Isso foi no início de 2015.

Em novembro de 2024, último dado disponível no Portal da Transparência, 7.301 advogados da União e procuradores da Fazenda e de autarquias receberam a bagatela de R$ 28.505,78 apenas a título de honorários (fora o seu subsídio básico).

Desde então, não sabemos mais quanto essas verbas representam, pois a categoria conseguiu fazer valer o seu entendimento de que esse pagamento tem natureza privada - logo, não está sujeito aos ditames da Lei de Acesso à Informação. Resultado: corre o boato de que cada advogado público federal recebeu mais de R$ 400 mil em honorários somente neste ano.

Há muita coisa errada nesta questão de honorários, e que merece urgente ação do governo federal, do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas da União e do Poder Judiciário:

1) Por serem verbas decorrentes de ações em que o titular é o Estado, os pagamentos mensais deveriam obrigatoriamente ser disponibilizados nos portais de transparência.

2) Se o honorário é uma forma de remuneração variável, ele deveria estar vinculado a avaliação de desempenho para medir a contribuição de cada um, inclusive com a possibilidade de demissão de advogados que contribuíram para que a União perdesse outras causas.

3) Se honorário não é remuneração, não há que se pagar 13º, férias ou auxílios alimentação e saúde de honorário.

4) Também não faz sentido pagar honorários a servidores aposentados.

5) A administração do fundo bilionário dos honorários é realizada hoje por uma entidade privada, dirigida apenas por representantes das respectivas carreiras. Para haver uma adequada governança da gestão dessa montanha de recursos, a maioria dos assentos do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios deveria estar a cargo de indicados pelos ministérios da Gestão, Fazenda, Planejamento, CGU e TCU, entre outros.

6) Encargos legais cobrados sobre os inscritos em dívida ativa não deveriam entrar no cálculo dos honorários, uma vez que as despesas relacionadas à cobrança da dívida são arcadas pelo Estado, que destina orçamento para o funcionamento da AGU e da PGFN, sem qualquer relação com a atividade jurídica;

7) A incidência de honorários sobre acordos extrajudiciais gera um incentivo perverso que pode fazer com que advogados públicos levem a União a aceitar condições mais lesivas, apenas pela perspectiva de gerar o pagamento imediato dessas verbas.

Taí uma agenda para o Congresso Nacional. Acabar com os honorários e os penduricalhos no Judiciário e no Ministério Público já é suficiente para equilibrar as contas públicas nos próximos anos, sem aumentar impostos sobre ninguém.

 

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