DEU EM O GLOBO
O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.
Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.
O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.
O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.
A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.
O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.
A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.
Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.
As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.
O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.
No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.
Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.
O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.
Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.
Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.
Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.
Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.
Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.
Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.
Com Bruno Villas Bôas
O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.
Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.
O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.
O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.
A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.
O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.
A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.
Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.
As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.
O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.
No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.
Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.
O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.
Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.
Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.
Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.
Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.
Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.
Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.
Com Bruno Villas Bôas
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