- Valor Econômico
• Uma mudança de mentalidade para além da turbulência
O arrefecimento da economia doméstica mudou a mentalidade dos empresários chineses. Em vez de investir para abastecer o mercado local, hoje buscam oportunidades de investimento que abram novos mercados. O setor da economia chinesa mais alavancado para trocar o canal, inclusive com fortes subsídios de bancos oficiais, é o da infraestrutura. É disso que tem se ocupado a diplomacia chinesa em suas viagens, inclusive aquela que trouxe recentemente o primeiro-ministro Li Keqiang ao país da Lava-jato.
Há sete anos na China, onde ocupou seu último posto na diplomacia brasileira, como cônsul-geral em Xangai, Marcos Caramuru de Paiva, percorreu, no Instituto Fernando Henrique Cardoso no mês passado, a rota dos ventos que hoje sopram na economia chinesa. Sua palestra, disponível na rede, é uma biruta neste momento de turbulência na Bolsa de Xangai.
A China traçada por Caramuru não é um país guiado pela mudança da ordem mundial, mas pela presença de sua economia neste concerto. Mais do que a queda conjuntural que arrastou o preço do minério de ferro, o que deveria preocupar o Brasil é o estímulo dado pela China em outras praças a produtores desta e de outras estrelas da balança comercial brasileira, como a soja.
O ex-diplomata brasileiro recolhe dois países diferentes das conversas com chineses de classe média e empresários. Os primeiros, que tiveram aumentos salariais muito acima da inflação nos últimos anos, desfrutam de otimismo e confortos. Os segundos estão com a corda no pescoço pela retração na demanda internacional e pelas políticas de combate à corrupção que mudaram a regra do jogo. Quem dispusesse de 'guanxi', canais de acesso ao Estado, deslanchava. Hoje o crédito passa por controles que ainda custam a ser absorvidos.
O combate à corrupção e a fixação de uma meta de crescimento baseada na manutenção do emprego dá segurança à classe média mas gera expectativas opostas nos empresários. Estes são obrigados a se manter em operação a despeito de venderem apenas 20% de sua produção. Os desarranjos da bolsa de Xangai das últimas semanas podem ser um sinal de que este é um cenário que não se sustenta no longo prazo e pressionará por ajustes.
Caramuru discorda da ideia de que o país desperdiçou anos de crescimento acelerado sem promover reformas. As leis do contrato de trabalho, por exemplo, que aumentaram o emprego formal, resistiram à crise financeira de 2008. Outras que afetam o equilíbrio de poder entre a administração central e as municipalidades, foram arrefecidas pela resistência empresarial. Voltam a ser enfrentadas agora por um governo de economistas e advogados formados em universidades estrangeiras focados em submeter as disputas políticas a resultados.
Na mesma rota das democracias ocidentais, a China tenta empreender a centralização de sua política fiscal e enfrenta a resistência de governos locais. Houve alguma flexibilização na previdência social, que na China é local, permitindo que os trabalhadores, ao migrarem, carreguem suas contribuições, mas as maiores barricadas mesmo foram levantadas na reforma fiscal. O governo quer centralizar a arrecadação do imposto sobre valor agregado que hoje é recolhido nos bairros, sob a estreita proximidade de empresários e coletores locais que têm poder discricionário sobre isenções e diferimentos.
As metas de crescimento são um instrumento político nas mãos das municipalidades. Não há estatais centralizadas como no Brasil. O exemplo usado foi o da CNR, fabricante de vagões ferroviários que é, na verdade, uma holding de pequenas empresas distribuídas pelo território e que competem entre si, inclusive em licitações internacionais.
Quando o governo central determina que haja uma redução na produção de vagões, a municipalidade em que está sediada um das subsidiárias da estatal, reage. A operação daquela empresa é fundamental para que o governo local atinja a meta de crescimento demandada pela autoridade central e cobrada pela população da instância de governo que lhe é mais próxima.
É o atendimento a essas metas que determina, em grande parte, a ascensão dos burocratas locais na estrutura do Partido Comunista. Antes da renovação do conselho consultivo do partido, em 2017, dificilmente haverá condições de se enfrentar esse pacto político que mantém o poder das municipalidades.
Até lá, o governo vai investir decididamente em casar setores que produzem em excesso com a demanda externa. É o caso da infraestrutura. O Banco Asiático de Desenvolvimento, por exemplo, hoje empresta US$ 10 bilhões por ano. Deve chegar a US$ 200 bilhões em 2020. Quando um dirigente chinês vai à Inglaterra está focado no aeroporto de Manchester. Quando vai ao Canadá, o objetivo é levar o gasoduto que corta o país de leste a oeste.
A visita ao Brasil do primeiro-ministro chinês coincidiu como emparedamento das gigantes da infraestrutura brasileira que lançaram a carta geopolítica para pressionar o governo a defendê-los na carceragem de Curitiba para enfrentar um governo que oferece os predicados de sua indústria à conquista de mercado.
A troca de fiação
A abertura da infraestrutura brasileira a empresas estrangeiras, que contam com fontes próprias de financiamento corrobora a visão de setores do governo brasileiro, capitaneados pelo Ministério da Fazenda, de que a mudança de modelo do país passa pela desalavancagem dos bancos públicos.
A mudança, que o ministro Joaquim Levy, em entrevista ao Valor, chamou de 'troca de fiação', passa ainda pela abertura de capital em empresas como a Caixa Seguridade e o Instituto de Resseguros do Brasil.
Esta toada foi contraditada com o lançamento do Plano de Proteção ao Emprego, capitaneado por um dos principais aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Esplanada, o ministro do Planejamento Nelson Barbosa, e visto, na Fazenda, como mais um subsídio do Tesouro.
A turbulência na Bolsa de Xangai abre um novo round nessa disputa. O de que o Brasil estará tanto mais apto a receber o capital que deixa a China quanto mais fiscalista se mostrar.
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