- O Estado de S. Paulo
Sempre que se discute a relação entre corrupção e eleições no Brasil se aborda o financiamento das campanhas. Há quem defenda a total proibição das contribuições de empresas privadas, ou, entre os que as admitem, que sejam estabelecidos limites, que os destinatários sejam apenas os partidos, que uma empresa possa doar somente a um dos candidatos, etc.
Estou entre os que defendem a existência legal de contribuições de pessoas jurídicas, dentro de certos parâmetros. Já em 1993, quando era líder do PSDB na Câmara, fiz proposta, que virou lei, para que tais doações, até então proibidas – regra solenemente descumprida –, fossem permitidas. A essência do meu argumento tinha e tem que ver com a necessidade de elevar a transparência do processo eleitoral, diminuir o caixa 2 das campanhas e facilitar o controle pela Justiça e pela opinião pública.
Na mesma época propus um debate que retomei agora no Senado, no âmbito da Comissão da Reforma Política, bem dirigida pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). Parece justa a preocupação com as fontes de financiamento de campanhas, mas considero essencial ir além e adotar medidas que reduzam seus custos, responsáveis, em última análise, pela imensa demanda de recursos.
Dois fatores são decisivos para turbinar esses custos: o atual sistema proporcional de eleição de vereadores, deputados estaduais e federais e o formato do chamado horário eleitoral gratuito, que é, ao contrário do que o nome sugere, caríssimo.
Ampla maioria da Câmara rejeitou, recentemente, emendas constitucionais que promoviam mudanças nas regras de eleição de deputados. A Casa não mexeu, também, no sistema eleitoral dos vereadores, cuja alteração pode ser feita por lei ordinária, num único turno.
Pensando nessa maior simplicidade e com a esperança de fazer um experimento que tem tudo para dar certo, eu já havia apresentado o projeto de lei que institui o voto distrital para os vereadores de cidades com mais de 200 mil eleitores. Esse projeto foi rapidamente aprovado pelo Senado e tramita agora na Câmara. Minha expectativa é de que possa ser votado em agosto e até lá a maioria dos deputados se convença a votar a favor. Muitos temem mudanças de regras que afetem sua reeleição, mas o meu projeto se restringe aos vereadores.
Quanto ao segundo fator que turbina os custos de campanha, o horário eleitoral supostamente gratuito, tenho insistido em tribunas, palestras e entrevistas: é preciso promover grandes mudanças.
Não sem antes lembrar que esse horário tem um custo elevado também para os cofres públicos e, portanto, para os contribuintes. Todas as emissoras deduzem dos impostos devidos o que perdem de publicidade durante a propaganda dos partidos e seus candidatos: R$ 840 milhões em 2014! Nos anos não eleitorais, esse custo é de R$ 300 milhões, referentes à transmissão da chamada propaganda partidária.
Mas o problema maior é o das campanhas propriamente ditas: os custos de produção dos programas apresentados no horário, medidos em centenas de milhões de reais, representam de longe o maior item de despesa das campanhas majoritárias (de presidente, governador e prefeito das cidades maiores. Esse custo equivale a uns dois terços das despesas totais.
Quando o horário gratuito foi criado, a ideia era generosa: garantir o acesso dos candidatos à mídia eletrônica, independentemente de sua condição econômica e linha política. Mas ao longo dos anos essa intenção foi distorcida. O acirramento das disputas eleitorais levou os partidos com mais chance a contratar publicitários brilhantes e jornalistas preparados a fim de construírem imagens persuasivas de seus candidatos e até, em vários casos, inventarem novas personalidades para eles.
Tudo enriquecido por minidocumentários e efeitos especiais. Custos? Cada vez maiores.
Mas o encarecimento da propaganda não trouxe aos eleitores mais informação, e, sim, mais enganação. Com talento publicitário, imaginação solta e recursos técnicos, verdadeiros postes se metamorfoseiam em oradores brilhantes, administradores experientes, sujeitos bonzinhos e sempre corajosos.
Para reassumir o espírito democrático da proposta original, o horário eleitoral precisa ter outro formato, na linha “o candidato e a câmera”, sem participação de terceiros, depoimentos, cenas externas, filmes, trucagens, etc. Apresentei propostas a esse respeito à Comissão da Reforma Política do Senado e ao relator Jucá. O candidato comparecerá à TV só com a cara e a coragem, para expor livremente o que pensa e pretende fazer.
Paralelamente, apresentei três outras propostas. Primeira: encurtar o número de dias do horário eleitoral e o tempo do programa de 45 para 30 dias e de 50 para 40 minutos. Tudo a fim de diminuir custos e não abusar da paciência das pessoas. Parece razoável. A segunda restringe o mercado persa de tempo de TV que se monta a cada eleição: as alianças tendem a se dar apenas em função dos minutos ou segundos de que os diferentes partidos dispõem. Um comércio que só faz piorar a política e a formação de governos, além de encarecer as campanhas majoritárias. A ideia, no caso, veio de um deputado de Mato Grosso, Nilson Leitão: o tempo de TV de cada coligação será a soma dos tempos do partido do candidato e do seu vice.
Por último, apresentei um projeto que pode não economizar dinheiro, mas contribui para evitar o desperdício de futuro: instituir a obrigatoriedade dos debates de TV entre os candidatos a governador e a presidente.
No primeiro turno, os candidatos nanicos deverão superar cláusula de representatividade, de modo que não haja um número excessivo de candidatos, circunstância que impede debates mais substantivos e que acrescentem maiores informações para subsidiar a decisão esclarecida do eleitor. No segundo, os candidatos deverão participar obrigatoriamente de três debates.
Tanto quanto as tiranias só se deterioram, o sentido das democracias é o permanente aperfeiçoamento. O que é sempre restaurado continua funcional. A democracia representativa, em suma, precisa mudar para que conserve seu espírito: expressar a vontade do cidadão.
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*José Serra é senador (PSDB)
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