Raquel Ulhôa – Valor Econômico
• "É necessário que se defina o mais rapidamente possível uma nova estratégia para o país, além do ajuste fiscal"
• "O fato [a crise] chega [ao Planalto] e, em vez de ser absorvido e processado, ele sai dali mais duro"
BRASÍLIA - Ex-ministro do primeiro governo Dilma Rousseff e hoje presidente da Fundação Ulysses Guimarães (FUB), instituição de formulação política do PMDB, Moreira Franco rebate rumores de que o partido articula apoio a impeachment da presidente Dilma Rousseff, porque "não trai" e "não é golpista", mas diz que o único compromisso do partido com o governo é com a aprovação do ajuste fiscal.
"O PMDB não trai. Nós chegamos aonde chegamos porque o PMDB não trai", afirma, em entrevista ao Valor. "Hoje até a presidente fala do impeachment como se fosse uma coisa absolutamente natural, do ponto de vista institucional. E não é. (...) Não somos golpistas."
Moreira mostra-se surpreso com a rapidez do agravamento da crise e, sem citar nomes, responsabiliza o núcleo do governo por complicar o quadro. "O ideal é uma crise chegar ao Palácio do Planalto tensa, nervosa, com temperatura alta e, ao longo do dia, ser absorvida e ficar leve, serena e o mais acordada possível", afirma. No entanto, o que acontece, segundo ele, é que "a tensão sai dali mais dura".
O vice-presidente, Michel Temer, presidente nacional do PMDB, é "destoante" no Planalto, segundo Moreira - um dos dirigentes do partido mais próximos do vice - porque atua para conciliar e acalmar as situações. O presidente da FUB, cuja principal tarefa no momento é preparar a "tropa" do PMDB para tornar viável candidatura própria a presidente da República em 2018, critica o governo por não ter estratégia para o país, diferentemente do que acontecia no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e por não enfrentar politicamente a atual crise.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: O PMDB está dividido com relação à crise política. Qual é a sua avaliação?
Wellington Moreira Franco: O nosso compromisso é com o Brasil, mantendo o equilíbrio fiscal, inflação controlada e fundamentos macroeconômicos que nos permitiram restabelecer a moeda, gerar emprego e combater a desigualdade. Garantimos a 40 milhões de brasileiros a possibilidade de ir ao mercado de consumo, se organizar financeiramente, melhorar qualitativamente sua vida dentro de casa. Mas, quando abriam a porta de casa, nada funcionava. Ruas sem calçamento, sem esgoto, sem água, sem transporte, escolas ruins, saúde precária, ou seja, a parte pública absolutamente inadequada à realidade da sua vida dentro de casa. Esse contraste esgotou uma estratégia que começou no governo Fernando Henrique Cardoso e continuou com Lula, que fez mudanças de foco, preservando os mesmos fundamentos macroeconômicos. Começou a fazer intervenções microeconômicas que geraram mudanças na economia brasileira, dando mais agilidade. Mas isso esgotou. O ambiente começou a ficar esgarçado, as críticas [de leniência com inflação e da necessidade de um ambiente jurídico que desse confiança ao investidor] entraram na agenda. O governo, em vez de ver se isso era fato ou não, escorraçava, batia, e as coisas foram se acirrando. Teríamos que ter tomado uma série de medidas que não foram tomadas. Isso gerou a crise que estamos vivendo.
Valor: Vê saída?
Moreira Franco: É necessário que se defina o mais rapidamente possível uma nova estratégia para o país, além do ajuste fiscal, para a gente saber onde quer ir. [O governo] Não tem estratégia. Ajuste para quê? Um dos mais duros ajustes da economia brasileira se deu nos dois primeiros anos do governo Lula, mas ele dizia onde queria ir. Tinha uma estratégia. O que me parece fundamental hoje é definir uma estratégia. Tem que ter um "Plano Dilma", ou um "Plano Levy", que não seja o ajuste. E este plano tem que estar nítida, segura e claramente sustentado em uma estratégia. Eu convivi, fui criado e me formei num ambiente político. Muito jovem convivi com o doutor Ulysses [Guimarães], o doutor Tancredo [Neves], o senador Amaral Peixoto, [Leonel] Brizola, Fernando Henrique, enfim. E nunca havia visto duas coisas que passaram a ser triviais, banais, como justificativa para problemas. A primeira é atribuir a culpa à suposta deficiência da política de comunicação. Era sempre dito que o problema era político. Um problema tem que ser avaliado politicamente e é preciso definir uma estratégia política. Comunicação não resolve. Para ter uma boa comunicação, precisa de conteúdo. E o conteúdo é dado pela política. Não existe dificuldade de comunicação. Existem dificuldades políticas. As dificuldades políticas geram conteúdos para você dizer o que quer. Comunicação é uma ferramenta. A segunda coisa que eu nunca tinha visto é a tal agenda positiva. Não existe agenda positiva. Existe estratégia de governo. Existe uma proposta, intervenção na vida econômica e social do país com medidas de políticas públicas que geram esperança. O que falta é a questão política. É ter paciência, grandeza, compostura, para entender o fato social, para resolver o problema das pessoas. A única obrigação de quem está no governo é resolver os problemas das pessoas. Os que têm grandeza fazem grandes transformações, porque se arriscam. Os que são comedidos, fazem transformações pequenas.
Valor: É o caso da presidente Dilma?
Moreira Franco: Não vou entrar nisso.
Valor: Com relação à agenda positiva, o senhor considera artificial criar fatos para tentar sair da crise?
Moreira Franco: Você não senta com três ou quatro iluminados, em torno de uma mesa, para decidir o que inventar para ter uma comunicação boa. Chama dois publicitários? Não dá certo. E não deu certo agora. O Lula comunicava o que acreditava e o que ele estava fazendo. E, quando teve que mudar, teve coragem de fazer autocrítica. Disse que não iria resolver o problema da desigualdade com o Fome Zero, distribuindo comida. 'Eu tenho que gerar renda', disse, mudando para o Bolsa Família.
Valor: Então falta estratégia ao governo e enfrentamento político dos problemas.
Moreira Franco: A crise está nisso.
Valor: Mas o PMDB, como governo, não tem responsabilidade nisso?
Moreira Franco: O PMDB não mudou de posição. No governo Fernando Henrique e no governo Lula, votamos a favor do ajuste, do equilíbrio fiscal. No governo Dilma, nosso compromisso, a responsabilidade do partido - expressa pela atuação do Michel - é aprovar o ajuste. Estamos sendo coerentes com toda a votação que tivemos nos governos Fernando Henrique e Lula. Sempre votamos a favor do equilíbrio fiscal, dos ajustes. O PSDB mudou, o PT mudou. O PMDB não mudou. Nosso compromisso é com o Brasil. Acreditamos que é preciso ter um ambiente econômico que gere confiança ao empreendedor - pequeno, médio e grande. E ter o Poder Judiciário fortalecido, para que você possa ter um ambiente jurídico que dê segurança.
Valor: Por que o PMDB não tem responsabilidade pela crise e pela falta de estratégia?
Moreira Franco: Porque não está presente nos fóruns em que as decisões estratégicas são tomadas. A estratégia é definida pelo governo na Fazenda e por um núcleo. A presidente solicitou ao Michel que fizesse a articulação política para aprovação do ajuste. O grande talento dele é conversar com áreas diferentes e trabalhar no sentido de juntar, evitar conflitos, dirimir divergências, de negociar soluções que sejam possíveis.
Valor: O PMDB está dividido. Setores defendem rompimento já com o governo. Outros, que Temer entregue a articulação porque está se desgastando. O que o senhor defende?
Moreira Franco: Esta crise política é mais complexa e vem de longe. Ouvi muito sobre crises das pessoas com quem convivi no passado. Minha profissão de sociólogo me leva a meditar, estudar sobre isso. E eu também vivi muitas crise. Mas os fatos vêm assumindo uma velocidade surpreendente. Isso é o diferencial de outros episódios. No núcleo do governo, Michel é o dado destoante, porque ele entende que a função do governo é acalmar, não é excitar. O ideal é uma crise chegar ao Palácio do Planalto tensa, nervosa, com temperatura alta e ao longo do dia ser absorvida para que, no fim do dia, quando os meios de comunicação vão cuidar do conteúdo e comunicar os fatos, esteja leve, serena, o mais acordada possível. Na democracia, o que existe é maioria. A oposição é um elemento fundamental no regime democrático. Ela ajuda a governar, porque força o governo a ser mais generoso, mais abrangente, a entender que o importante não é mandar, é ser obedecido. E você só é obedecido pela liderança intelectual, afetiva e política e pela capacidade de resolver o problema das pessoas. E é isso que está dando essa velocidade. O Michel é destoante porque tenta mostrar que é preciso ter calma. É preciso aceitar a vida, os fatos como os fatos são. E tentar ver se não intriga, se não complica, se resolve, para garantir a maioria.
Valor: Os demais integrantes do núcleo do governo acirram a crise?
Moreira Franco: A tensão... o fato chega [ao Planalto] e, em vez de ser absorvido e processado, ele sai dali mais duro.
Valor: Setores do próprio PMDB têm conversado com outros partidos sobre impeachment de Dilma.
Moreira Franco: Olha, o PMDB não trai. Nós chegamos aonde chegamos porque o PMDB não trai. O PMDB sempre teve responsabilidade com as instituições. O PMDB derrubou uma ditadura sem matar ninguém, pela política. A nossa cultura é a cultura da política, da negociação, da maioria. Não somos uma cultura de açodados. Então, por isso é que somos o equilíbrio. Hoje, a própria presidente fala de impeachment como se fosse uma coisa absolutamente natural do ponto de vista institucional. E nós achamos que não é. E não é só agora que a gente acha isso não. Na época do [ex-presidente Fernando] Collor, a última pessoa a ser empurrada para a solução [impeachment] foi o doutor Ulysses, ou seja, o PMDB. Nós não somos golpistas. Estão dizendo muita coisa. Conversar, todo mundo conversa. Agora, essas conversas de articulação para mudanças não têm frequentado nossa mesa. Há muito ti-ti-ti, muito boato, mas essas conversas não têm frequentado a nossa mesa.
Valor: O projeto da candidatura a presidente avançou?
Moreira Franco: Minha função é fazer com que a fundação seja um destacamento avançado no sentido de organizar e criar as condições para que possamos ter tropa para eleger o presidente da República. Precisamos ter presença nas prefeituras das capitais. Temos o maior número de prefeitos e vereadores, mas principalmente em prefeituras de 50 a 100 mil habitantes. Só temos duas capitais. É muito pouco. Vamos fazer um congresso, setembro, outubro. Estamos nos organizando para aprovar um programa de governo e mudanças no estatuto, para democratizar mais o partido. Está velho. Vamos fazer 50 anos. O que acho é que neste momento nós precisamos muito mais de Getúlio [Vargas], que ganhou uma revolução, comandou uma revolução dizendo que era contra, saiu até às vésperas dizendo não queria e tava organizando um exército. Do que Brizola, que vez uma revolução sem ter exército. Acho que precisamos muito mais de Getúlio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário