quinta-feira, 9 de julho de 2015

A banalização do uso da palavra ‘golpe’ – Editorial / O Globo

• Não há quebra da ordem institucional quando o Estado age dentro da lei, de forma impessoal, sem discriminações de qualquer ordem

O PT foi rápido no gatilho ao sacar a denúncia de que há um “golpe” em marcha contra a presidente Dilma. Tem sido esta a reação-padrão do partido em momentos difíceis no poder. Foi assim no mensalão, quando a denúncia do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) permitiu a investigação de um esquema de compra de votos no Congresso para apoiar o governo Lula, com a condenação de petistas ilustres e aliados, entre eles o próprio Jefferson.

A operação dissimuladora se repete agora, quando a presidente bate recordes negativos de popularidade, e enfrenta duas frentes ameaçadoras: enquanto as contas de seu último ano do primeiro governo estão sob análise no TCU, o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, considerado o chefe do cartel que atuou no petrolão, tem depoimento marcado para a semana que vem no TSE, onde deverá repetir o que confessou em testemunho prestado sob o regime de delação premiada — que propinas pagas em negócios bilionários com a Petrobras foram “lavadas” como doações legais à campanha da presidente.

Admita-se que a atmosfera em torno do governo e do partido da presidente esteja carregada. Mas nada que nem de longe indique haver um golpe sendo urdido. Há, tão-somente, instituições funcionado dentro das prerrogativas constitucionais. Como o TCU e o TSE.

O mesmo acontece na Operação Lava-Jato. A Polícia Federal e o Ministério Público investigam, encaminham denúncias ao juiz federal Sérgio Moro. Este as acolhe ou não, decreta prisões, provisórias ou preventivas, advogados de defesa impetram pedidos de habeas corpus, aceitos ou não por instância superiores. O tratamento tem sido impessoal, como estabelece a lei, sem preocupações com sobrenomes e filiações partidárias.

Quando o PT encaminha propostas contra a Carta, por exemplo, como o da "Assembleia Constituinte exclusiva" para tratar da reforma política, o Congresso, dentro de suas prerrogativas, cauteriza a manobra, sem crises e enfrentamentos. O mesmo ocorre quando se tenta encaminhar plebiscitos descabidos. São lances do jogo democrático.

A presidente Dilma, em reações instintivas, parece regredir ao passado da luta armada ao fazer descabida confusão entre delação premiada, ato jurídico perfeito, com delação feita sob tortura em regime de exceção. O mesmo aconteceu na entrevista à "Folha de S.Paulo", na qual garantiu que "não cai", ao lembrar como reagia nos interrogatórios na prisão.

Se, no lado da oposição, há alguma exacerbação diante de hipóteses de impeachment, mesmo que hoje inexista prova concreta que justifique a abertura de processo contra Dilma, no campo petista vislumbra-se um quadro "golpista", com descabidas comparações com 1963/64, em surtos delirantes. O momento é de todos voltarem à realidade.

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