Escolha da religião fica a cargo de estados e municípios, abrindo espaço para proselitismos
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quarta-feira, que escolas públicas de todo o país podem oferecer ensino religioso confessional, ou seja, que as aulas podem ser dadas pelo representante de uma determinada crença. Numa demonstração de como o tema divide opiniões, o placar foi apertado: seis a cinco. Os ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello votaram contra o ensino confessional, baseados no entendimento de que ele viola o princípio constitucional da laicidade do Estado, como argumentava ação da Procuradoria-Geral da República que motivou o julgamento. A favor da liberação, manifestaramse os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes, além da presidente do STF, Cármen Lúcia, que deu o voto de minerva. Ela disse não vislumbrar nas normas autorização para proselitismo ou catequismo.
A decisão do STF, porém, está longe de encerrar a polêmica sobre o assunto, na medida em que a escolha da religião que será lecionada fica a cargo de estados e municípios, que administram uma rede cuja capilaridade dificulta a fiscalização, abrindo espaço para proselitismos. Conforme publicou O GLOBO na última quinta-feira, dados divulgados pelo site Qedu mostram que, em 54% das escolas de ensino fundamental públicas do país em que são ministradas aulas de religião, elas são obrigatórias, o que contraria a legislação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de fato permite o ensino religioso na etapa fundamental, mas desde que a matrícula não seja obrigatória e não haja qualquer forma de proselitismo, de modo a assegurar a diversidade religiosa. Ou seja, independentemente do credo, ele só pode ser ensinado em sala de aula por seus aspectos culturais e históricos, nunca como catequese.
O artigo 19 da Constituição Federal é claro ao estabelecer que é vedado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (...)”. Aliás, a separação entre Estado e Igreja remonta à Constituição de 1891 — a segunda do país —, que entrou em vigor após a Proclamação da República.
Essa fissura no conceito de Estado laico já levanta discussões. A presidente executiva do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, mostra-se preocupada com os rumos da questão: “Podemos potencializar a liberdade religiosa e o sincretismo com um ensino que reconheça o papel da religião, mas não com a pregação de um credo específico”, afirmou ao GLOBO.
Na prática, joga-se de vez no ambiente escolar financiado pelo contribuinte, religioso ou não, catequeses e conflitos que já existem na sociedade: perseguições e intolerâncias. O problema se torna mais preocupante diante do fato de que grupos políticos religiosos já ocupam espaços no Legislativo e avançam em cargos no Executivo.
Na situação atual, o Brasil retrocede para antes da Revolução Francesa, quando Estado e Igreja foram separados.
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