sábado, 31 de agosto de 2019

O que pensa a mídia | Editoriais

Brasil precisa de política ambiental consistente: Editorial | O Globo

Bolsonaro quer construir proposta conjunta com Trump, mas EUA não são boa referência no setor

Antes mesmo de assumir, o presidente Jair Bolsonaro já demonstrava descaso com a proteção ao meio ambiente, tema prioritário na agenda de luta coletiva para redução do aquecimento global.

Bolsonaro pretendia fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura, o que representaria grande retrocesso. Felizmente, recuou da ideia, e a pasta foi mantida. Não significou muito. Em oito meses de gestão, construiu-se pouco e desconstruiu-se muito em termos de política ambiental.

Não faltaram sinais de alerta. Em maio, os ex-ministros do Meio Ambiente Rubens Ricupero, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Sarney Filho e Edson Duarte subscreveram manifesto no qual advertiam: “A governança socioambiental do Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição”.

O roteiro do desmonte parecia claro já antes da posse. Ao participar de solenidade na Academia Militar das Agulhas Negras, em dezembro, Bolsonaro disse que não admitiria mais que Ibama e ICMBio saíssem multando a torto e a direito: “Essa festa vai acabar”. Excessos, certamente, existiam, mas a mensagem presidencial foi percebida como uma liberação generalizada.

O governo também ensaiou retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre o clima. Só não o fez ao perceber o prejuízo que causaria ao comércio exterior brasileiro. Antes assim.

No início do mês, Bolsonaro exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, depois de contestar, sem provas, dados científicos sobre aumento da devastação na Amazônia. As chamas que consomem a floresta e a reação global deflagrada pelas queimadas compõem um desfecho previsível da crise que ele criou.

O governo, agora, planeja uma política ambiental com auxílio dos Estados Unidos — um dos objetivos da visita da comitiva enviada a Washington, chefiada por um dos filhos de Bolsonaro. A Amazônia fez parte da agenda.

É preciso considerar que, embora os EUA tenham avançado no uso de fontes de energia renovável, não constituem caso exemplar de política ambiental.

Trump tem promovido um desmonte das normas ambientais. A Columbia Law School listou 125 ações do governo e do Congresso para reverter regras de proteção ao meio ambiente no atual mandato. Trump esvaziou a ex-poderosa Agência de Proteção Ambiental (EPA) e, já no primeiro ano de governo, anunciou que os EUA deixariam o Acordo de Paris, sob pretexto de que ele prejudicava as indústrias, em especial as de petróleo, gás e carvão.

Em Nova York, na quarta-feira, a ativista sueca Greta Thunberg apelou a Trump para que “ouvisse a ciência” sobre aquecimento global. Ele respondeu com novo retrocesso: a EPA anunciou mudança nos controles de emissões de metano impostos por Obama.

O Brasil precisa de uma política ambiental própria, e consistente, para evitar crises como a atual. Caso contrário, vai continuar correndo para apagar múltiplos incêndios.

Infraestrutura no buraco fiscal: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil continuará empacado, por muitos anos, se depender de investimento federal para crescer. Os R$ 49,9 bilhões investidos pelo governo central nos 12 meses até julho foram menos de metade do valor aplicado no período encerrado em julho de 2014, ou R$ 102,7 bilhões. Este foi o pico da série histórica. Calculados a preços de julho de 2019, esses valores foram recém-divulgados pelo Tesouro Nacional. Nos 12 meses findos em julho deste ano o investimento da União correspondeu a 0,71% do Produto Interno Bruto (PIB). No topo, a equivalência foi de 1,34%.

Falta de dinheiro para aplicar em obras é, no entanto, o menor dos problemas financeiros atuais da administração federal. De janeiro a julho o governo central, representado por Tesouro, Banco Central (BC) e Previdência, acumulou déficit primário de R$ 35,25 bilhões, 13,4% menor que o de um ano antes, descontada a inflação, mas ainda assim assustador.

A receita líquida, de R$ 738,80 bilhões, ficou 3,9% acima da contabilizada entre janeiro e julho de 2018, mas foi totalmente consumida, como tem ocorrido há alguns anos, pelos gastos obrigatórios, puxados principalmente pelas despesas previdenciárias.

O resultado é um buraco enorme nas contas: em 12 meses o governo central acumulou déficit primário, isto é, sem os juros vencidos, de R$ 118,5 bilhões. O limite fixado para este ano é um déficit primário de R$ 139 bilhões.

Esses números são calculados e divulgados pelo Tesouro Nacional. O balanço das contas públicas elaborado pelo BC, com critério diferente e amplitude maior, também mostra um quadro muito complicado, com o setor público forçado a conter gastos severamente para se manter nos limites e frear a expansão de uma dívida já excessiva.

Nos cálculos do BC o resultado é medido como necessidade de financiamento dos entes públicos. As contas abrangem o governo central, os governos estaduais e municipais e parte das empresas federais (sem Petrobrás e Eletrobrás).

Nesse tipo de balanço, o conjunto do setor público teve déficit primário de R$ 2,76 bilhões em julho, de R$ 8,50 bilhões no ano e de R$ 98,94 bilhões em 12 meses. Os números mais feios são normalmente os do governo central, gravemente prejudicados pelos gastos do INSS. Exemplo: neste ano, o Tesouro Nacional e o BC tiveram, somados, superávit primário de R$ 85,03 bilhões, mas o déficit previdenciário de R$ 111,11 bilhões anulou esse resultado e ainda sobrou um buraco de R$ 26,08 bilhões. O desastre das contas primárias foi atenuado por números positivos dos governos subnacionais e das estatais.

Somando ao resultado primário os juros devidos, chega-se ao saldo nominal do setor público em conjunto. O rombo total chegou a R$ 217,11 bilhões em 2019 e a R$ 457,99 bilhões em 12 meses. Esta soma corresponde a 5,29% do Produto Interno Bruto estimado para o período pelo BC. Poucos países – desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento – têm acumulado resultados tão ruins.

Enquanto isso, a dívida pública aumenta. Para frear esse aumento o setor público precisa de superávit primário, isto é, de uma sobra suficiente para pagar pelo menos uma parte dos juros e deter o efeito de bola de neve. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou ao governo prometendo zerar o déficit primário em um ano. Hoje nem o governo espera contas primárias no azul antes de 2022 ou 2023. O presidente Jair Bolsonaro completará seu mandato, portanto, com as contas públicas ainda em condição precária e sem dinheiro para investimentos bancados pelo Tesouro.

Em julho, a dívida bruta do governo geral, formado pelos três níveis da administração, chegou a R$ 5,54 trilhões, ou 79% do PIB. Em dezembro a proporção ainda era de 77,2%. A dívida continuará a crescer, mesmo com a reforma da Previdência, porque o gasto previdenciário também seguirá aumentando, embora mais devagar.

Tudo isso reforça os motivos para apressar a participação privada nos investimentos em infraestrutura. Rapidez, nesse caso, é mais um desafio para a administração do presidente Jair Bolsonaro.

Pá de cal: Editorial | Folha de S. Paulo

Fim trágico do governo Macri dificulta renegociação ordenada da dívida argentina

Com a decisão de adiar o pagamento de dívidas vincendas nos próximos meses e buscar uma ampla renegociação de prazos com os credores da Argentina, o governo de Mauricio Macri sela seu fracasso econômico —que, tudo indica, deve ser acompanhado de derrota eleitoral em outubro.

A moratória —palavra que a Casa Rosada tenta evitar— acabou precipitada pelos fatos. Os investidores já fugiam dos ativos argentinos desde os resultados das eleições primárias de 11 de agosto, com a vitória por larga margem do candidato peronista, Alberto Fernández.

Desde então, o banco central argentino perdeu US$ 8 bilhões de suas já combalidas reservas em moeda forte, hoje em US$ 57 bilhões.

A gota d'água foi a recusa do mercado em refinanciar vencimentos de US$ 1,6 bilhão no início da semana. Com poucos recursos em caixa, tornou-se impossível para o governo conter a alta do dólar e ao mesmo tempo honrar em dia os pagamentos das dívidas, estimadas em cerca de US$ 100 bilhões.

Quanto aos papéis locais de curto prazo, as pessoas físicas continuarão a receber normalmente, mas os investidores institucionais (como bancos e seguradoras) amargarão adiamentos de até seis meses.

As dívidas em dólar emitidas no exterior serão renegociadas com os credores, inclusive os US$ 44 bilhões desembolsados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como parte do programa de ajuste econômico, que passará forçosamente por nova revisão.

Por ora, o governo propõe apenas um adiamento voluntário e afirma tratar-se de um problema de liquidez, não de solvência. A suspensão dos pagamentos em tese dará algum fôlego para uma gestão menos caótica até o pleito de outubro.

Mesmo que seja assim no curto prazo, o quadro se apresenta mais complexo. A hoje provável vitória da oposição peronista levou ao colapso dos preços dos ativos argentinos, reforçando a tendência recessiva. A rápida desvalorização do peso deve impulsionar a inflação para mais de 50% neste ano.

Com a economia em frangalhos por erros da gestão atual, o ônus da dívida pública —que se aproxima do equivalente a 90% do Produto Interno Bruto— vai se elevando.

Politicamente, não há mais o que Macri possa fazer. O fim trágico de seu mandato tampouco favorece uma negociação organizada com os credores, que estarão mais interessados em saber como se comportará o próximo presidente.

A esse respeito, não é claro que Fernández, caso chegue ao poder, venha a adotar políticas populistas. Apesar de o candidato culpar o acordo com o FMI pelas mazelas atuais, a duríssima realidade acabará por se impor também ao eventual novo governo, que terá incentivos para negociar e viabilizar alguma estabilização da economia.

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