- O Estado de S. Paulo
Mesmo em choque, as instituições democráticas têm funcionado bem
É possível que, da Proclamação da República para cá, não tenha sido testada tão insistentemente, como tem sido testada no governo de Jair Bolsonaro, a Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, conhecida também como Sistema de Freios e Contrapesos. Por essa teoria, na qual se baseia a maioria das nações democráticas modernas, um poder vigia o outro, evitando excessos, desmandos, quedas pelo autoritarismo, omissões e descumprimento da lei, de forma que cada um fique ali no seu quadradinho.
Não há uma semana em que o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal não mande um recado para o presidente Bolsonaro, naquele bom estilo do “menas, menas”. Brigado com o presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente Bolsonaro fez beiço e decidiu rejeitar a ajuda de cerca de R$ 83 milhões oferecida para ajudar no combate às queimadas na Amazônia. Para Bolsonaro, tratava-se de uma esmola, de uma tentativa de comprar o Brasil em suaves prestações. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu. Disse que não se deve dispensar nenhum dinheiro que vier, mesmo que seja apenas R$ 1.
Quando Bolsonaro, ainda irritado, atacou a França, Maia contemporizou. Num encontro com empresários franceses ele destacou que muitas das instituições brasileiras foram criadas com base no modelo francês. Além de elogiar a tradição libertária da França e o principal legado da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
A imagem do Brasil está muito ruim lá fora por causa de declarações de Bolsonaro a favor da liberação de atividades de mineração em terras indígenas, ou por dizer que não cria mais nenhuma reserva? Maia decide recolher todos os projetos que tratam da exploração de terras indígenas, para não atrapalhar o setor produtivo. O próprio Bolsonaro, que fala primeiro para pensar depois, tem aceitado tranquilamente as regras dos freios e contrapesos. No que depender dele, anunciou, não demarcará nenhuma área indígena nova. A não ser – e aí a ressalva é importante – que seja obrigado. Em outras palavras, por um dos outros Poderes, ou o Judiciário ou o Legislativo.
Tanto o STF quanto o Congresso têm freado decretos assinados pelo presidente e que são tidos como viciados, por conterem excessos. No STF caíram, entre outros, um decreto que extinguia centenas de conselhos de representação da sociedade civil. O Supremo também determinou a Bolsonaro que mantenha a demarcação das terras indígenas na Funai, e não no Ministério da Agricultura, como queria o presidente.
Nesse caso, o Judiciário agiu também para garantir o freio por parte do Legislativo, visto que o presidente havia editado uma medida provisória contrariando decisão do Congresso que determinara justamente que a demarcação das áreas indígenas teria de ficar com a Funai. E quando o ministro da Justiça, Sérgio Moro, falou em destruir o material recolhido com um grupo que hackeara mensagens de parte da força-tarefa da Operação Lava Jato e de outras autoridades, o ministro Luiz Fux determinou a preservação de todo o material.
Às vezes, esses choques entre os Poderes podem até parecer exagerados. E pode até ser que são, pois é como se cada lado, principalmente o Executivo, fizesse testes constantes sobre a capacidade de reação das instituições. Vista do lado do estado democrático de direito, no entanto, o resultado desses choques pode conter uma notícia boa. É preciso reconhecer que as instituições democráticas, às quais cabe botar freio umas nas outras, têm funcionado bem.
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