- Folha de S. Paulo
O desafio é combater a corrupção, respeitando a lei
O processo do mensalão e a Operação Lava Jato estabeleceram um novo padrão de relacionamento entre os Poderes no Brasil.
A tradicional cordialidade e complacência dos agentes de aplicação da lei em relação ao corpo político, agraciada com generosos privilégios corporativos, foi subitamente substituída por uma postura de confronto.
Alavancados pela introdução das delações premiadas, instrumento essencial para o combate ao crime organizado, introduzido pela lei 12.850/13, agentes da lei foram expondo as teias de corrupção que enredaram nosso sistema representativo.
Com isso, juízes e procuradores alcançaram um enorme apoio da opinião pública, dos meios de comunicação e, sobretudo, daqueles que se opunham ao governo do PT, principal alvo das investigações.
Fundamental para o avanço da Operação Lava Jato foi o respaldo conferido pelos tribunais superiores, que raramente impuseram limites à atuação de magistrados e membros do Ministério Público.
Com a expansão da Lava Jato em relação a importantes membros da oposição —e governistas que abandonaram Dilma— o corpo político começou a se reposicionar em relação à operação.
Também o Supremo Tribunal Federal, a partir da alteração de posicionamento de alguns de seus membros, passou a impor alguns importantes limites à operação, restringindo o uso de conduções coercitivas, separando crimes de corrupção e lavagem de dinheiro dos delitos eleitorais, retirando os últimos da Justiça comum.
A própria questão da prisão em segunda instância, elemento essencial para o sucesso da operação, está em xeque no tribunal.
Com a adesão do ex-juiz Sergio Moro ao governo Bolsonaro e a divulgação dos diálogos entre membros da operação pelo The Intercept Brasil, abusos na condução do processo e a própria quebra do primado da imparcialidade judicial, que já vinham sendo denunciados há muito, passaram a ser criticados de forma mais ampla e contundente, abrindo espaço para que o Congresso Nacional, com razoável facilidade, aprovasse uma nova lei de abuso de autoridade.
Ao presidente da República caberá determinar a extensão dos limites impostos aos agentes da lei, ao sancionar ou vetar a nova legislação, sabendo que eventual veto poderá ser derrubado no parlamento.
Da mesma forma, ataques a ministros e a convocação de manifestações de setores radicais contra o Supremo Tribunal Federal ampliaram o mal-estar com a força-tarefa da Lava Jato, dentro e fora do tribunal.
Daí a decisão da segunda turma do STF que anulou a sentença do ex-juiz Sergio Moro, em face de violação do princípio da ampla defesa, não ter causado surpresa.
A decisão será submetida ao plenário do tribunal, onde tem grandes chances de ser mantida.
A Operação Lava Jato, ao expor os esquemas de corrupção que capturaram o sistema de representação política, contribuiu para que a sociedade brasileira tomasse conhecimento dos crimes que contaminam nosso sistema representativo, o que foi positivo —mas, por outro lado, contribuiu para debilitar a confiança da população na democracia e, com isso, abrir espaço para a ascensão de um líder populista hostil à Constituição.
Agora são os abusos e as entranhas da Operação Lava Jato que, expostos, começam a ser devidamente contidos pelo Supremo e pelo legislador.
O desafio cirúrgico, neste momento, é condicionar o efetivo combate à corrupção, ao integral respeito ao direito. A tarefa não é simples, mas é essencial àqueles que querem viver sob o governo das leis.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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