sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Vinicius Torres Freire: O país em que o PIB é gorjeta de 1%

- Folha de S. Paulo

'Surpresa positiva' do crescimento da economia no segundo trimestre é conversa fiada

Houve uma conversa fiada de que o crescimento do PIB no segundo trimestre foi uma “surpresa positiva”. É sintoma de que as pessoas ocupadas com essa numeralha se acostumaram a discutir migalhas, troco miúdo e gorjeta ruim.

Escapamos por ora de nova recaída na recessão? Grande dia! Só que não. O fato é que a economia brasileira cresce ao ritmo anual de 1,2% desde o final de 2017. Casas razoáveis do ramo precário da previsão econômica ainda estimam que o PIB cresça apenas 0,8% neste 2019 —estando certas, isso significa que o crescimento no resto do ano vai desacelerar. Outros dão o chute informado de que se pode chegar a 1%. Os otimistas, 1,2%. Essas diferenças são troco.

Parte do resultado menos lamentável do trimestre se deveu à construção de casas, porque obras de instalações produtivas (indústria, logística, comércio etc.) ou de infraestrutura (estradas etc.) estão ainda na miséria.

O PIB da construção ainda é negativo, nos últimos quatro trimestres, mesma balada em que vem desde a metade de 2014. Foi o setor mais destruído pela Grande Depressão. O nível de atividade no ramo está mais de 28% abaixo do registrado no segundo trimestre de 2014.

O que se pode esperar de recuperação de curto prazo? Que a taxa de juro básico real caia a perto de zero. Quem sabe assim, com os rendimentos zerados das aplicações financeiras, os brasileiros remediados e ricos invistam em imóveis ou mesmo a torrar o dinheiro que têm guardado em carros, TVs e eletrodomésticos. Sim, é quase sarcasmo.

Além dos nossos famosos problemas estruturais, os economistas dizem que o fracasso recente da retomada mínima do crescimento se deveu a choques, que levaram uns décimos ou centésimos percentuais de aumento do PIB. Houve o caminhonaço dos amigos de Jair Bolsonaro em 2018, a crise argentina, que prejudicou a indústria de carros, a piora das condições financeiras (juros e dólar) devida à eleição, odesastre assassino da mina de Brumadinho, os ataques de Nero Trump ao comércio e à sanidade mundiais.

É verdade. No entanto, tirando esses bodes da sala e colocando a cabra da desaceleração mundial na cozinha, o que resta é um crescimento previsto de 1,5% a 2,2% no ano que vem, se der tudo certo, com risco de a previsão mais triste ser a mais provável.

A não ser que os empresários se emocionem com o ar da primavera e com os céus azuis de verão (se não houver fumaça de queimada) e passem a investir por motivos ora desconhecidos (é raro, mas até acontece), não há impulso visível de crescimento. O que resta de incentivo à mão, repita-se, é um talho na taxa de juros, um desmatamento financeiro amazônico.

Francamente, com três anos de inflação abaixo da meta, com o risco de o desemprego médio aumentar neste ano e PIB per capita crescendo a menos de 0,3% ao ano, é o caso de pensar o impensável em termos de juros.

Quem tem negócio estabelecido, em particular fábricas, amarga na média grande capacidade ociosa. Não há nenhum (nenhum mesmo) programa novo de concessão de infraestrutura relevante a entrar em obra tão cedo. Talvez venha uma surpresa positiva na área de petróleo e gás.

Quanto à despesa federal em obras, considere-se o resultado das contas do governo até julho, divulgado nesta quinta-feira (29): o investimento neste ano está no nível mais baixo pelo menos desde 2007 (a partir de quando há dados oficiais).

Estamos por ora atolados.

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