- Valor Econômico
Vendas de swaps ou de reservas têm igual impacto fiscal
Três fatos explicam o movimento de câmbio financeiro negativo de US$ 18,16 bilhões neste ano. São eles: a queda dos ganhos de arbitragem decorrentes da redução do diferencial entre as taxas de juros internas e externas, com o corte da taxa Selic para 6% ao ano; as incertezas domésticas que se retroalimentam com a sucessão de crises produzidas pelo presidente Jair Bolsonaro; e, não menos importante, a tensão em torno da briga comercial entre os Estados Unidos e a China e a crescente aversão à risco.
Sazonalmente o fluxo cambial é positivo no primeiro semestre, sobretudo pelas exportações agrícolas, e perde força nos últimos meses do ano, período marcado pelas remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras no país.
O fluxo comercial tem sido positivo e, entre janeiro e agosto, abateu em US$ 12,55 bilhões a posição deficitária do financeiro, encerrando o periodo com uma saída líquida pequena, de US$ 5,6 bilhões, segundo dados até o dia 23 de agosto.
O Banco Central entendeu que há um problema de escassez de liquidez em dólares e acentuou as intervenções no mercado de câmbio. Começou com leilões diários de até US$ 550 bilhões com a venda de dólar à vista e simultânea oferta de swap reverso (que corresponde à compra de dólar no mercado futuro).
Nesta semana, porém, o BC surpreendeu ao vender dólares das reservas cambiais no mercado à vista - operação que ele não fazia desde o dia 3 fevereiro de 2009 (durante a crise financeira global). As iniciativas levantaram a suspeita de que a direção do BC decidiu aproveitar o momento de desvalorização do real para começar a reduzir as reservas internacionais.
Os últimos dados oficiais indicam que as reservas somavam US$ 381,203 bilhões anteontem. Essa posição reflete as intervenções feitas pelo BC até segunda. Mas dirigentes do BC salientam que o que importa mesmo são as reservas líquidas, ou seja, depois de abatidos os quase US$ 69 bilhões de contratos de swap e acrescido o saldo positivo de linhas de crédito. Por esse conceito, as reservas cambiais caem para a casa dos US$ 320 bilhões. Esse seria o valor sobre o qual se calcula o impacto fiscal do carregamento de reservas internacionais.
Aliás, com a queda da taxa de juros doméstica e a desvalorização do real, o custo de acumulação de reservas, que era elevadíssimo quando os juros internos batiam em 14% ou 20% ao ano, hoje praticamente inexiste. Mas pode voltar a pesar nas contas públicas em algum momento.
Decididas as intervenções no mercado de câmbio, para conter a desvalorização do real, a escolha do instrumento depende da demanda diagnosticada pelo BC. Se o mercado precisa de hedge, os leilões de " swaps" são suficientes. Se a demanda é por moeda para abastecer o fluxo de saída de dólares, recomenda-se a venda de reservas.
A pergunta que a situação suscita, primeiro, é sobre qual o impacto fiscal da venda de reservas comparado aos leilões de swaps.
Nesse aspecto, prevalece uma certa confusão. Há quem entenda que só a venda de reservas abate, de fato, a dívida bruta e há os que argumentam que os dois instrumentos - moeda e swaps - têm efeitos praticamente iguais sobre a dívida, embora as estatísticas da autoridade monetária não considerem os impactos dos derivativos. Afinal, o swap é um passivo do BC em dólar e um ativo em reais. A diferença, nesse caso, é a do cupom cambial (juros em dólar para um papel denominado em reais).
Há, porém, uma questão de percepção que, em economia, não deixa de ser relevante. Se as estatísticas do Banco Central reduzem a dívida bruta só quando há a venda de reservas, será isso que vai mostrar se a dívida bruta como proporção do PIB parou de crescer, se estabilizou ou está em queda. Se a dívida bruta para de crescer, isso é um importante sinal de garantia de solvência do Estado.
O ministro Paulo Guedes, da Economia, já havia dado o "script" da diminuição das reservas antes mesmo de ser escolhido para comandar a pasta. Em entrevista ao Valor, em outubro do ano passado, ele dizia que "não existe essa necessidade de carregar tantas reservas. Esse é um seguro muito caro".
Em outras entrevistas, ele detalhou que a queima de reservas deveria ser feita "em momentos de crise, quando os estrangeiros retiram recursos do país". E completou: "Se o dólar for a R$ 4,20, R$ 4,30, R$ 5, vai ser muito interessante. Se você vender US$ 100 bilhões a R$ 5, são R$ 500 bilhões. Isso significa que você vai, na mesma hora, recomprar a dívida interna. Em vez de ter R$ 3,5 trilhões de dívida, tenho só R$ 3 trilhões. Isso num cenário de crise. Sem crise, não". O dólar, naquela ocasião, estava cotado a R$ 3,60.
Outra pergunta que surge é sobre qual o tamanho do seguro necessário para dar tranquilidade ao país em casos de crises. Nesse aspecto, os especialistas estão distantes de um consenso. O corpo técnico do BC não gosta da ideia de reduzir as reservas pois a consideram uma âncora da estabilidade na falta de uma âncora fiscal. Alguns economistas mais preocupados com a questão fiscal advogam que algo em torno de US$ 200 bilhões seria suficiente. E os mais extremados argumentam que com um regime de taxas de câmbio flutuante nem sequer é preciso ter reservas.
Ocorre, porém, que nenhum país consegue ter um sistema de flutuação limpa diante do qual não haveria intervenção. Isso seria acreditar que o mercado está sempre certo e que não cria bolhas nem entra em pânico.
Se o custo fiscal de carregamento das reservas hoje é praticamente zero, as energias do governo devem estar centradas em outras batalhas da despesa pública obrigatória que têm urgência maior. Isso se traduz em consolidar a reforma da Previdência e cuidar da segunda maior despesa, depois da Previdência, que são os gastos com pessoal, além, é claro, das demais reformas.
Outra questão é saber se os fluxos cambiais negativos são um problema conjuntural ou estrutural. O mundo cresce menos e o comércio internacional ficará menor por um bom tempo. O Brasil, hoje, tem taxa de juros menos atrativas para o investidor externo. Até quando é uma pergunta que não tem resposta.
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