Bacha
diz em estudo que economia fechada explica estagnação
Entre
1950 e 1980, a economia brasileira cresceu em média 7,5% ao ano. Em 1981, já
sentindo os efeitos da segunda crise do petróleo, que jogou inflação e taxas de
juros nos Estados Unidos nas alturas, o Produto Interno Bruto (PIB) do país
contraiu 4,25%, o primeiro resultado negativo em quase quatro décadas - em
1942, em plena guerra, recuara 2,7%.
Na
década de 1980, conhecida como “década perdida” - provavelmente, na ocasião
poucos acreditassem que aquela era apenas a primeira de quatro décadas de
crescimento medíocre -, a taxa média anual de expansão do PIB brasileiro caiu
para 1,67%. Na década seguinte, segundo o Valor Data, subiu para 2,63%.
Nos dez primeiros anos deste século, a média anual saltou para 3,71% e, de 2011
a 2020, caiu para estarrecedor 0,23% ao ano, ritmo bem inferior ao de
crescimento médio, de 0,83% ao ano, da população.
Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real, lembra que, de 1981 a meados da década de 2010, estabeleceu-se padrão de expansão do PIB de apenas 2,5% ao ano, um terço da média registrada de 1950 a 1980. Na última década, veio a derrocada inapelável, que já nos deu várias lições e derrubou vários mitos - um deles, o de que nossos períodos recessivos duram poucos anos e a recuperação é sempre rápida.
Os
números não mentem: se nosso PIB avança a uma velocidade bem inferior à de
aumento da população, estamos ficando cada vez mais pobres. Num país que ainda
lida com chagas sociais do século XIX - a maior delas, a discriminação contra
negros, pardos, índios e pobres, a maioria de nosso povo -, a economia não
crescer ou crescer pouco é um prolema dramático. O pior é saber que vivemos num
país rico, porém, pobre, o que diz muito da deformação de origem que nos impede
de construir uma nação.
Há
40 anos, portanto, o Brasil não consegue sair do atoleiro em que caiu no fim da
década de 1970. E por que a estagnação já dura quatro décadas? Bacha atribui a
perda de dinamismo ao fato de nossa economia ser uma das mais fechadas do
planeta. Num interessante e meticuloso estudo feito sobre o assunto, ele explora
sua tese central, que será um dos capítulos de livro que está sendo organizado
por Marcos Mendes e que, a princípio, terá como título “Para não Esquecer:
Políticas Públicas que Empobreceram o Brasil”. A publicação está programada
para sair neste ano e o capítulo de Bacha é intitulado “Fechamento ao comércio
e estagnação: por que o Brasil insiste?”.
O
economista compara o desempenho do Brasil, desde 1950, com o da Coreia do Sul,
para mostrar a importância da abertura ao comércio exterior ao crescimento econômico.
“Até 1974, a Coreia do Sul tinha uma renda per capita menor que a do Brasil. A
partir do início da década de 1960, a Coreia do Sul inicia um processo de
‘catch-up’ [alcançar] e em seguida de ultrapassagem [do Brasil]. Atualmente, o
Brasil tem uma renda per capita de apenas 40% da renda per capita da Coreia do
Sul”, revela Bacha.
Há
várias hipóteses, observa o economista, sobre por que a Coreia do Sul deu certo
e o Brasil, não. O foco do estudo, todavia, é a abertura ao comércio exterior,
processo que a Coreia começou a colocar em prática na década de 1960, quando
iniciou sua decolagem, e o Brasil optou pelo caminho oposto.
“Em
meados da década de 1960, o coeficiente de abertura ao comércio exterior -
relação entre a soma das exportações e importações e o PIB - da Coreia do Sul
era em torno de 7%. Hoje em dia, esse valor está em torno de 110%. Enquanto
isso, o Brasil, que em meados da década de 1960 tinha um coeficiente de
abertura de cerca de 5%, atualmente o tem apenas na casa dos 25%”, explica Bacha
em seu estudo.
Grosso
modo, assinala o economista, o crescimento do PIB depende da acumulação de
capital. Para acumular capital, é preciso que haja poupança, isto é, que uma
parcela da renda deixe de ser consumida para comprar novos bens de capital (máquinas
e equipamentos). “Quantos bens de capital vão ser comprados com essa poupança
depende de seus preços”, ensina Bacha.
Os
preços dos novos bens de capital determinam, por sua vez, o poder de compra da
poupança. O PIB adicional a ser gerado pelos novos bens de capital depende da
produtividade das novas máquinas adquiridas. Bacha verificou, portanto, como se
comportaram a poupança, os preços dos novos bens de capital e a produtividade
do capital ao longo do processo de crescimento brasileiro no pós-guerra.
“Numa
comparação dos períodos anteriores e posteriores a 1980 constata-se uma pequena
redução da taxa de poupança, em torno de 7%. Mais importante foram dois outros
fenômenos. Em primeiro lugar, a poupança passou a comprar menos bens de capital
devido ao aumento dos preços desses bens, em torno de 30%”, constatou o
economista. “Além disso, os bens de capital se tornaram menos produtivos para a
geração do PIB. Houve queda da produtividade do capital de cerca de 25%, quando
se comparam os períodos anteriores e posteriores a 1980.”
Os
bens de capital ficaram mais caros e menos produtivos ao longo do processo de
industrialização no pós-guerra. E por que isso ocorreu, indagou-se Bacha ao se
deter sobre o assunto, que se tornou uma espécie de (boa) obsessão para ele nos
últimos anos, quando, a partir de seus estudos, passou a defender mudança
radical na nossa política de comércio exterior.
A
explicação para dois dos três aspectos cruciais para o crescimento sustentado
de uma economia está na insistência do país em aprofundar a substituição de
importações, em vez de promover a expansão das exportações, como fez a Coreia
do Sul. “Em particular, a substituição de bens de capital importados por bens
de capital domésticos tornou o investimento mais caro e menos produtivo. A isso
se agregou um baixo dinamismo da construção civil”, explica Bacha. “Como a
poupança também se reduziu (embora com menor influência), o resultado foi o
colapso do crescimento desde 1980.”
O estudo de Bacha vai muito além das questões exploradas nesta coluna. Ele investiga as razões da resistência do país em abrir a economia, discute cada uma das razões apontadas nessa direção, detalha com argumentos sólidos as vantagens de se ter uma economia aberta e elabora propostas de abertura. Trata-se de leitura obrigatória para quem se interessa e se preocupa com os destinos desta imensa população, particularmente, da maioria miserável e pobre, que não vislumbra futuro algum diante da eterna crise em que vivemos.
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