- O Estado de S. Paulo
Sorrindo
diante do cartaz de ‘CPF cancelado’, presidente mostra de que lado está
Em
23 de abril, em atrasadíssima ida a Manaus, o presidente Jair Bolsonaro posou,
sorridente, para fotografia segurando cartaz com os dizeres “CPF cancelado”.
Fê-lo ao lado do apresentador do programa de TV Alerta Nacional, Sikêra
Jr., e dos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, da Educação, Milton Ribeiro, e
do Turismo, Gilson Machado Neto, líder da banda de forró Brucelose (infecção
bacteriana que afeta milhares de pessoas no mundo). A expressão é usada por
defensores de policiais que matam suspeitos em operações, como era, à época da
ditadura militar, a caveira com ossos em xis usada pelo Esquadrão Le Coq,
criado em 1965 para vingar a morte do detetive da Polícia Civil do Rio de
Janeiro Milton Le Cocq. Essa scuderie inspirou grupos de extermínio
de “bandidos” por policiais, entre os quais o delegado do Dops paulista Sérgio
Fleury.
Fernando de Barros e Silva escreveu na revista Piauí o artigo País cancelado, que começa assim: “Jair Bolsonaro seguiu à risca o que se exige da mulher de César. Não basta ser miliciano, tem que parecer miliciano”. Este, segundo ele, seria o estilo “milícia ostentação”. Não que a famiglia presidencial omita que o deputado federal Jair Messias foi ao julgamento do chefe miliciano Adriano da Nóbrega e o homenageou em discurso na Câmara. Sob ordens dele, seu primogênito, Flávio, nomeou para próprio gabinete familiares do acusado de chefiar o Escritório do Crime, empreiteira de assassínios de aluguel. E entregou-lhe a Medalha Tiradentes na cela. Quando Nóbrega foi executado por policiais civis baianos e fluminenses, Flávio, já acusado de extorquir funcionários-fantasmas na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), lamentou a execução do criminoso em aparente queima de arquivo.
A
chacina na favela do Jacarezinho, da qual as vítimas dos policiais só foram
identificadas três dias depois, foi comemorada pelo presidente e por seu
eventual sucessor, Hamilton Mourão. Este Estadão contou, assim que a
lista foi revelada, que um terço das vítimas – nove em 27 – não era de réus na
Justiça. A Polícia Civil do Rio, notória suspeita de corrupção, saiu pela
tangente de que alguns eram por ela investigados. A desculpa – amarela como a
cor da Bandeira Nacional, usada como manto protetor por fascistoides que
elogiam assassinos e torturadores notórios, caso do coronel Brilhante Ustra –
seria a de que eram, no mínimo, suspeitos. Não se sabe se são mesmo ou se
passaram a sê-lo depois de fuzilados. Mas sabe-se algo que, ao que parece,
presidente e vice desconhecem: o sistema judicial brasileiro não admite a pena
de morte. Se nem pela Justiça, imagine por forças policiais.
O
jornalista Edilson Martins anotou, em texto no Facebook: “Quem achaca as
comunidades, tortura seus moradores, elimina os que se negam a pagar por seus
serviços – luz, tv, gás, telefone, segurança, entre outros negócios – são as
milícias. Estas são lideradas por policiais militares expulsos da corporação,
ou ainda na ativa, bombeiros idem, além de policiais civis infratores, e têm
parceria com políticos que ajudam a eleger: governadores, deputados federais e
vereadores. O atual presidente teve ligações, juntamente com os filhos, com
milicianos notórios”. E acrescentou: “Nunca houve megaoperação, em nenhum
governo, contra as milícias. Na cidade do Rio elas ocupam e dominam 53% do
município. O tráfico controla 15,14% do território da cidade. A favela de
Jacarezinho não tem, ou pelo menos não tinha, a presença das milícias”.
Para
ilustrar, o colega citou uma frase do patriarca esquerdista Lula a respeito de
massacre similar perpetrado sob o comando do aliado Sérgio Cabral, do MDB, ao
lado de quem comentou invasão da mesma polícia em 7 de abril de 2007 (há 14
anos): “Nessa ação de vocês no Complexo do Alemão, tem gente que acha que é
possível enfrentar a bandidagem com pétalas de rosa ou jogando pó-de-arroz”.
Sobre outro emedebista, Michel Temer, hoje conselheiro-mor de papai Jair
Messias, Edilson registrou: “O atual ministro da Defesa, Braga Neto, já foi
comandante de uma intervenção militar do Exército durante quase um ano no Estado
do Rio. Nunca realizou incursão contra as milícias na cidade do Rio. Contra o
tráfico as incursões foram cinematográficas”.
Não
será inútil lembrar que, na véspera do massacre, Bolsonaro visitou o anspeçada
do filho Flávio, Cláudio Castro, no Palácio Guanabara. Pode ter sido mera
coincidência, mas não deve ser omitido. De vez que manchetes diversionistas
serão sempre bem-vindas em momentos de tensão como os ora produzidos no Palácio
do Planalto pela CPI da Covid no Senado.
O
ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares lembrou: “Com o
Jacarezinho, a depender da reação do STF, se legitimará, preparando o próximo
passo, o lance final contra a democracia: a institucionalização definitiva da
autonomia policial, de que o excludente de ilicitude será um (funesto)
detalhe”. A esse respeito, o fecho do editorial Com todas as palavras,
deste jornal, vaticina “‘O recado está dado’, advertiu Bolsonaro. Seria
imprudente ignorá-lo”. É isso aí.
*Jornalista, poeta e escritor
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