Sou
fruto de um Brasil que poderia ter dado certo. Estrangeiros enxergavam o País
como uma terra de oportunidades. A julgar pelas amplas evidências empíricas
sobre as razões para as diferentes performances dos países, nosso maior erro
histórico foi a atenção tardia e insuficiente à educação básica. Universalizamos
o ensino, mas insistimos no erro da baixa qualidade de gestão.
Meus
avós eram quase analfabetos. Do lado materno, chegaram ao Brasil como mão de
obra braçal no interior longínquo de São Paulo. Os imigrantes valorizavam o
estudo mais do que os brasileiros de renda equivalente, além de muitos deles
terem maior capital humano.
Assim
contribuíram para o investimento estatal na educação, no Chile e na Argentina,
e também em algumas regiões do Brasil, como São Paulo e Rio Grande do Sul.
Analisando as imigrações patrocinadas por São Paulo entre o final do século 18 e o início do 19, Rudi Rocha, Claudio Ferraz e Rodrigo Soares encontraram relação entre cidades que receberam estrangeiros e o maior avanço da escolaridade, com benefícios de longo prazo para suas economias.
Na
Primeira República, São Paulo tornou-se um dos líderes da educação primária do
país, aponta Renato Colistete. Houve reforma no ensino e criação de grupos
escolares, favorecidos pela receita orçamentária gerada com a valorização do café
– mas não na mesma proporção -, em meio a pressões sociais e ao reconhecimento
entre políticos e intelectuais do atraso educacional e suas consequências.
Os
indicadores de escolaridade evoluíram bastante, ainda que não o suficiente para
equipará-los aos da Argentina, por exemplo, e a evasão era elevada, pois muitas
crianças trabalhavam na lavoura de café.
Minha
mãe beneficiou-se dos avanços no ensino e escapou da armadilha que reservava às
classes populares o trabalho manual – visto ainda hoje com preconceito. Bem
formada, pôde ingressar na Universidade de São Paulo (USP). Prestou concorrido
concurso para o magistério na rede pública e tornou-se professora do ensino
médio em 1961.
Professores
eram relativamente bem remunerados, mas a cobrança era grande. Exigia-se
dedicação e desempenho em sala. Atrasos, aulas e provas mal elaboradas ou
turmas indisciplinadas, por exemplo, eram repreendidos e dificultavam promoções
na carreira. Havia concorrência entre diretores de escolas por performance.
Ilustra
o grau de engajamento dos docentes o grupo de professoras, do qual Dona Arminda
participava, que voluntariamente se reuniu para estudar genética - matéria
recém introduzida no ensino universitário com a descoberta e pesquisas do DNA
-, e inseriu o tema no currículo do ensino médio nas escolas de Campinas.
O
governo militar contribuiu para a extensão da escolaridade obrigatória de 4
para 8 anos e isso implicava a ampliação da rede, mas junto veio a piora
paulatina na qualidade de ensino. Minha mãe lamentava as menores exigências a
cada concurso público e sofreu o achatamento salarial ao longo dos anos,
agravado pela crise econômica e facilitado pela inflação galopante.
Martelava
a frase do governador Paulo Maluf, em 1981, “professora não é mal paga, é mal
casada". As prioridades dos militares eram outras, não só o ensino
universitário, que se revoltava, mas certamente o impulso artificial à
economia. Duplo erro e grande oportunidade perdida.
Na
transição democrática, ela se preocupava com a politização nas escolas que
comprometia o ensino. As sequelas do regime militar se estendiam à rede
pública. Os ressentimentos por conta de perseguições políticas e a
desvalorização da carreira alimentaram a sindicalização, enquanto desapareciam
as cobranças por desempenho e a meritocracia nas promoções e nas indicações de
postos mais elevados na hierarquia.
Salários
têm sido recuperados nos últimos anos, mas seguem os problemas de qualidade de
ensino, exposto na fraca performance dos alunos.
O
desastre da educação está escancarado nos muitos Jacarezinhos espalhados pelo
país e a pandemia agrava o quadro seriamente. É necessário corrigir o atraso no
ensino e as sequelas da interrupção das aulas, e viabilizar o uso de novas
tecnologias.
A adesão das empresas a princípios ESG – o S é de social - precisa se traduzir em oportunidades para a educação básica e para o treinamento e inserção produtiva dos jovens, com envolvimento da comunidade. Enquanto isso, nem uma palavra do governo federal.
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