quarta-feira, 12 de maio de 2021

Bruno Boghossian – O amigo entregou o presidente

- Folha de S. Paulo

Depoimento mostra que presidente não consegue controlar estragos da investigação

Antônio Barra Torres se diz amigo de Jair Bolsonaro. Nos primeiros meses da pandemia, o presidente da Anvisa frequentava o Palácio da Alvorada e aconselhava um presidente que já fazia questão de minimizar os riscos daquela crise. Agora, com o país mergulhado na tragédia, ele reconheceu que o governo levou o país pelo caminho errado.

O depoimento de Barra Torres à CPI da Covid escancara a conduta destrutiva de Bolsonaro. A comissão já esperava colher depoimentos incômodos para o presidente entre seus desafetos, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas nem mesmo um amigo foi capaz de acobertar o estrago feito até aqui.

Indicado por Bolsonaro para o comando da Anvisa, o contra-almirante disse que as declarações feitas pelo presidente sobre a vacinação vão “contra tudo” o que a agência defende. “Discordar de vacina, falar contra vacina não guarda uma razoabilidade histórica”, afirmou. “Eu penso que a população não deva se orientar por condutas dessa maneira.”

Barra Torres tem mandato na Anvisa até 2024. A estabilidade no cargo deve ter garantido tranquilidade para que ele entregasse os delitos do presidente. No depoimento, o contra-almirante disse, sem meias palavras, que a cloroquina não funciona contra a Covid-19 e confirmou que o Palácio do Planalto sediou uma reunião para tentar adequar a bula do remédio aos delírios de Bolsonaro.

Embora tenha participado de uma manifestação ao lado do presidente quando o coronavírus já circulava no país, Barra Torres criticou o incentivo a aglomerações. “[Apesar] da amizade que tenho, a conduta do presidente difere da minha nesse sentido”, declarou. “Não tem nenhum sentido do ponto de vista sanitário.”

O depoimento do amigo de Bolsonaro mostrou que o governo vai ter dificuldades para controlar os estragos que podem ser produzidos pela CPI. O futuro do presidente depende cada vez mais de puxa-sacos como Eduardo Pazuello e de uma tropa de choque bem alimentada formada por políticos do centrão.

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