Orçamento
para os amigos
O
Estado de S. Paulo
O
presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas,
como os ovos e as chaves do galinheiro
O governo de Jair Bolsonaro montou um esquema de rateio de recursos públicos entre parlamentares de sua base, fora dos controles orçamentários, conforme mostraram reportagens do Estado publicadas desde domingo.
Trata-se
de um escândalo que espanta não apenas pelos valores envolvidos – em torno de
R$ 3 bilhões, até onde a reportagem pôde verificar –, mas também pela
sorrateira engenharia para escamotear a escassez de critérios técnicos e a
abundância de critérios políticos para a distribuição do dinheiro. Nada nessa
história parece nem remotamente republicano.
No
esquema, dezenas de parlamentares governistas ganharam a chance de determinar a
destinação de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional. O manejo dos
recursos, por lei, cabe somente à pasta, dentro dos limites estabelecidos pelo
Orçamento, mas o governo, no afã de agradar a sua base, simplesmente abriu mão
dessa prerrogativa.
As verbas em questão resultam das chamadas “emendas de relator”, modalidade de emenda parlamentar ao Orçamento introduzida no ano passado. O relator-geral do Orçamento pode encaminhar emendas para, entre outros objetivos, remanejar recursos para determinadas áreas. Nessa modalidade, não cabe ao relator indicar qual município receberá o dinheiro nem qual obra será financiada. Essa tarefa – a execução orçamentária – é do Ministério.
Mas
o governo de Jair Bolsonaro concedeu a parlamentares aliados a possibilidade de
direcionar essas verbas remanejadas conforme seus interesses políticos.
Deputados e senadores já têm a prerrogativa de encaminhar emendas pessoais ao
Orçamento, nas quais apontam o beneficiário e a justificativa técnica do gasto,
e em geral servem para atender a suas bases eleitorais. Nesse caso, as cotas
são iguais para todos os parlamentares – e limitadas a R$ 8 milhões por ano. No
esquema revelado pelo Estado, contudo, quem vota com o governo ganha a
chance de apadrinhar projetos cujo valor vai muito além do limite estabelecido
para as emendas.
A
título de exemplo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), um dos premiados,
determinou a destinação de R$ 277 milhões de verbas do Ministério do
Desenvolvimento Regional. O senador levaria 34 anos para conseguir indicar esse
valor caso se restringisse a encaminhar emendas parlamentares.
Os
ofícios enviados pelos parlamentares para movimentar o Orçamento fora dos
controles públicos mostram a sem-cerimônia. Nos documentos, obtidos pela
reportagem, os políticos usam expressões como “minha cota”, “fui contemplado” e
“recursos a mim reservados”.
Para
adicionar insulto à injúria, parte considerável do dinheiro manejado pelos
parlamentares destinou-se à compra de máquinas agrícolas a um custo várias
vezes superior ao estabelecido pela tabela do governo. Portanto, há claros
sinais de superfaturamento.
Grande
como é, o escândalo agora revelado embute um outro, igualmente impressionante:
é a incrível expansão da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e do Parnaíba), estatal que recebeu boa parte dos recursos
irregularmente direcionados pelos parlamentares governistas.
A
estatal, criada em 1974 para atender 504 cidades e desenvolver as margens do
Rio São Francisco, hoje atua em nada menos que 2.675 municípios – alguns dos
quais distantes 1.500 km do rio.
A
dilatação da Codevasf foi patrocinada pelo presidente Bolsonaro, que incluiu
mil municípios na cobertura da estatal com vista a ganhar apoio à sua
reeleição. Até o Amapá do senador Alcolumbre, a léguas do Rio São Francisco,
agora é atendido pela Codevasf. Ademais, Bolsonaro loteou as diretorias da
Codevasf entre os partidos do Centrão, que trataram de articular a abertura de
superintendências regionais para distribuí-las a aliados.
Assim,
o presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as
galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro. Como se sabe, a elaboração e
a execução do Orçamento são reguladas por rígida legislação, que exige total
transparência. Mas Bolsonaro e seus felpudos associados não gostam muito de
leis.
O exemplo do agro
O
Estado de S. Paulo
O
País se consolidou como um dos grandes exportadores mundiais de alimentos
Há cerca de uma década as disfuncionalidades estruturais do Estado brasileiro têm dado sinais de uma exaustão que compromete brutalmente o crescimento econômico e o desenvolvimento social. A crise fiscal pressiona as contas públicas e há cada vez menos espaço para investimentos e implementação de políticas capazes de reduzir as desigualdades sociais. O Brasil tributa, gasta e se endivida como um país rico, mas oferece serviços públicos de um país pobre. Na economia, o resultado foi uma década perdida. Entre 2011 e 2020, o setor de serviços cresceu apenas 1,5%; a indústria encolheu 12,8%; e o PIB, como um todo, 1,2%.
Mas
há um Brasil que dá certo. Ao focar no empreendedorismo, tecnologia,
aprendizagem democrática, liberdade individual e menos burocracia, a
agropecuária cresceu, no mesmo período, 25,4%. Um estudo do
Instituto Millenium radiografou a cadeia produtiva do agronegócio a fim de
compreender as causas e efeitos de seu sucesso.
Em
algumas décadas o Brasil passou de importador de alimentos a um dos principais
exportadores mundiais. Hoje o País está entre os 5 maiores exportadores em
cerca de 30 produtos agrícolas.
Em
2020, a agropecuária foi o único setor com resultado positivo, evitando que o
desastre econômico da pandemia fosse ainda maior. Enquanto o PIB do País
encolheu 4,1%; o da indústria, 3,5%; e o dos serviços, 4,5%; o do agro cresceu
2%. Há anos o agro tem sido a chave para o superávit da balança comercial
brasileira. Entre 2019 e 2020, enquanto a agropecuária apresentou crescimento
nas vendas externas de 6%, as vendas da indústria extrativa caíram 2,7% e as da
indústria de transformação, 11,3%.
Há,
claro, externalidades favoráveis, como a depreciação cambial e a alta
internacional dos preços dos alimentos. Mas o estudo evidencia que o agro só
pôde “surfar nesta onda” por estar imerso em um crescimento de investimentos
tecnológicos, aumento da mecanização, melhoria da qualidade dos pesticidas e
técnicas de cultivo intensivo que resultaram no aumento da produtividade, na
progressiva diversificação da cadeia e na diminuição da diferença entre a área
plantada e a área colhida.
Entre
2006 e 2017, o número de estabelecimentos agrícolas com tratores, por exemplo,
aumentou 50%, com grandes ganhos de produtividade para produtos como cana,
soja, cereais e milho. Nos últimos 10 anos, o arroz, por exemplo, apresentou
aumentos expressivos na entrega ao mesmo tempo que reduziu 50% de sua área
plantada.
O
estudo detalha ainda os diversos efeitos positivos na geração de emprego e
renda e redução das desigualdades. O setor está fortemente capitalizado. Apenas
15% dos mais de 5 milhões de estabelecimentos buscam algum tipo de
financiamento, e quase metade dele é composta por capital de bancos privados.
Isso deixa espaço para que as subvenções governamentais possam ser canalizadas
para setores mais vulneráveis – 70% delas estão vinculadas à agricultura
familiar –, ao mesmo tempo que o capital privado é orientado para investimentos
em tecnologia e incrementos de produtividade.
“Essa
mistura de tecnologia e inovação significa menos água, menos área ocupada,
maior sustentabilidade e resultados”, disse a secretária executiva do
Millenium, Priscila Pereira Pinto. “O agronegócio é um exemplo positivo de como
o setor privado realmente despontou e está criando oportunidades, aumentando a
produtividade, e continuou produzindo apesar de todas as confusões,
dificuldades diplomáticas e tributações absurdas.”
O
agro evidencia o quanto “o crescimento da produtividade precisa de uma agenda
liberal econômica com foco na independência do empresariado”, conclui o
Millenium, “para que haja captação de recursos através de investimentos
privados, treinamentos internos, termos de exportação e importação claros e
criação de ecossistemas que gerem confiança e soluções para pequenos
problemas”. Nada ilustra melhor a condição exemplar do agronegócio do que o
slogan adotado pelo instituto na apresentação de sua análise: “Agro: plantar
tecnologia e produtividade é colher desenvolvimento”.
Reforma com seriedade
O
Estado de S. Paulo
Em
vez de fatiar a reforma tributária, é bom seguir o plano do relator
Para crescer, competir e criar empregos e bem-estar, a economia brasileira precisa de impostos mais funcionais e mais justos, e para isso será necessária uma reforma ampla e ambiciosa. O Brasil tem uma das piores tributações do mundo e o peso dos encargos é apenas um dos problemas. Mas uma reforma fatiada, como propõem a equipe econômica e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), muito dificilmente produzirá efeito relevante. O rumo para uma boa revisão do sistema está disponível, no entanto, desde a semana passada, quando o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou seu relatório à Comissão Mista de Reforma Tributária.
Simplificação
é a marca mais visível da proposta do relator, construída a partir de três
projetos em tramitação no Congresso. O novo desenho inclui a substituição de
cinco encargos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Serão substituídos
três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS) e um municipal (ISS). A cobrança
ocorrerá no destino e ainda será preciso regular a repartição da receita entre
União, Estados, Distrito Federal e municípios.
Com
essa unificação, será eliminada uma das estranhas peculiaridades do sistema
brasileiro, a competência estadual em relação ao principal tributo sobre o
valor agregado, o ICMS. Na Europa, onde esse tipo de imposto foi inicialmente
implantado, a competência sempre foi do poder central, com regras para divisão
do bolo. Eliminada essa jabuticaba, o sistema se tornará mais simples e mais
ordenado, sem espaço para as 27 legislações ainda possibilitadas pelo ICMS.
A
grande reforma, com a unificação de tributos, seria o tronco das mudanças. A
partir desse tronco seria necessário estabelecer regras complementares, como
detalhes de cobrança e de repartição da receita, eliminação de isenções e
mitigação de problemas distributivos.
Mesmo
com diferenciação de produtos da cesta básica, o ICMS tem peso desproporcional
sobre os consumidores de renda baixa ou média baixa. Esse peso aumentará, se
isenções forem eliminadas. Para evitar maior custo para os mais pobres, um
problema reconhecido pelo relator, será preciso modular a incidência do IBS ou
buscar compensação por meio de transferência de renda.
De
toda forma, o caráter regressivo do sistema brasileiro, muito dependente de
tributos indiretos, é amplamente reconhecido. O relator Aguinaldo Ribeiro mencionou
uma possível diminuição, no futuro, da tributação sobre o consumo, adotando-se
como compensação um aumento de encargos sobre o patrimônio. Não se tem dado
muita atenção, nos debates sobre a reforma, à tributação sobre a renda. Já se
admite amplamente a conveniência de aumentar o imposto sobre dividendos, mas
como forma de compensar uma redução, amplamente defensável, do encargo
incidente sobre o lucro empresarial. Há espaço para uma discussão mais ampla
sobre os impostos diretos.
Diante
do texto produzido pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, tem pouco sentido continuar
dando atenção ao projeto de fusão do PIS e da Cofins, apresentado há meses pela
equipe econômica. É quase grotesco usar a expressão “reforma tributária” para
qualificar essa proposta governamental. Mas o presidente da Câmara tem
defendido prioridade para a votação desse projeto. Seria a etapa inicial da
grande transformação – mas haveria, mesmo, etapas seguintes? Isso parece muito
improvável, até pela aproximação do período eleitoral. Além disso, o ministro
da Economia, Paulo Guedes, nunca se mostrou muito interessado numa renovação
ambiciosa do sistema tributário. Além da fusão do PIS e da Cofins, ele se
limitou, quase sempre, a defender a desoneração da folha de pessoal e a
recriação da aberrante CPMF.
Para
desemperrar a economia e tornar os impostos mais equitativos, será preciso
buscar objetivos mais amplos e discutir muito mais seriamente a funcionalidade
do sistema e seus efeitos distributivos. O relatório do deputado Aguinaldo
Ribeiro, apoiado pelo presidente do Senado, é um bom ponto de partida.
Emendas perigosas
Folha
de S. Paulo
Fragilidade
política do governo Bolsonaro leva a aviltamento da política pública
Quanto
mais frágeis os laços programáticos em uma coalizão governista, maior a
probabilidade de surgirem episódios rumorosos de fisiologismo ou mesmo de
corrupção nas relações entre governo e partidos de sua base. Começam a se
conhecer melhor, agora, os custos da outrora improvável aliança entre o centrão
e Jair Bolsonaro.
Está
claro que o gelatinoso bloco parlamentar, desinteressado na agenda ideológica
do Planalto, avança com
rara voracidade sobre o depauperado Orçamento federal —a tal
ponto que o presidente foi obrigado a vetar parte das despesas programadas para
este ano, sob pena de incorrer em descumprimento dos limites legais.
Depois
de uma avalanche de emendas de deputados e senadores à peça orçamentária de
2021, foi necessário promover às pressas um corte de quase R$ 20 bilhões em
gastos, além de um bloqueio preventivo de outros R$ 9 bilhões.
Com
as emendas, os congressistas buscam, como de hábito, destinar recursos para
obras e outras benesses em seus redutos eleitorais. Embora tais escolhas sejam
questionáveis, trata-se, em tese, de instrumento legítimo —desde que
respeitadas as normas fiscais e garantidas a transparência e a lisura na
aplicação dos recursos.
Na
prática política, o cumprimento dessas condições nem sempre está acima de qualquer
suspeita. O Brasil tem amplo histórico de desvios de verbas originárias de
emendas, que em geral dependem da conivência ou no mínimo da omissão do
Executivo.
Desta
vez, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo afirma que se instalou no
Ministério do Desenvolvimento Regional um esquema em que parlamentares
governistas comandam diretamente o uso de somas elevadas —muito acima dos pouco
mais de R$ 16 milhões que cada deputado e senador tem o direito de incluir no
Orçamento.
A
pasta, de longa tradição fisiológica, recebeu cerca de R$ 8 bilhões em 2020 e
R$ 6 bilhões neste ano em emendas do relator da lei orçamentária, uma nova
modalidade de intervenção do Congresso na despesa pública. Parte desses
montantes recompensaria os congressistas fiéis ao Planalto.
O
caso demanda esclarecimentos e investigações, em particular quanto à
regularidade na aplicação do dinheiro. Certo é que a ofensiva perdulária e
eleitoreira do centrão e de Bolsonaro comprometem a gestão pública num quadro
de deterioração fiscal gravíssimo.
Há
sacrifícios de todas as dimensões em curso. O governo se endivida para pagar
mais R$ 44 bilhões em auxílio emergencial; um corte de R$ 2 bilhões inviabiliza
o Censo; sob pressão internacional, prometem-se mais de R$ 200 milhões para o
Meio Ambiente; uma perda de R$ 6 milhões prejudica o banco de dados de combate
à corrupção.
Um
cenário como esse exige a sofisticação do debate orçamentário e da negociação
parlamentar. Entretanto a fragilidade política do governo desemboca em
aviltamento da política pública.
Socorro aos yanomamis
Folha
de S. Paulo
À
situação deplorável de saúde soma-se conflito provocado pelo garimpo ilegal
A imagem brutal
de uma criança yanomami desnutrida, publicada pela Folha,
ilustra a crise humanitária em territórios indígenas do país, particularmente
em Roraima.
Relatório
divulgado pela Unicef em 2019 apontou que 81,2% das crianças menores de cinco anos
da área yanomami tinham baixa estatura para a idade, 48,5% tinham baixo peso e
67,8% estavam anêmicas. Além dos relatos de alta da malária, há o impacto da
Covid-19.
A
uma situação de saúde deplorável somam-se conflitos fundiários impulsionados
pelo garimpo ilegal, em ascensão avalizada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Estima-se
que existam hoje aproximadamente 20 mil garimpeiros ilegais dentro da Terra
Indígena Yanomami, segundo o representante do Conselho de Saúde Indígena
Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), atuante na região. No último dia 10, três morreram
durante ataque a yanomamis, na comunidade indígena Palimiu
(RR), acirrando as tensões no local.
Trata-se
de um problema de grandes proporções e crescente. Relatório divulgado em março
deste ano por organizações indígenas mostrou que, em 2020, os garimpos
avançaram sobre 500 hectares de terras indígenas, um aumento de 30% em relação
ao ano anterior.
Operação da
Polícia Federal na Terra Indígena Yanomami neste ano encontrou barracos
capazes de abrigar 2.000 garimpeiros, além de festas de Carnaval, prostíbulos e
sorteios de revólveres.
A
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pediu ao Supremo Tribunal
Federal a retirada urgente de invasores. Na corte tramita um caso sobre
proteção a indígenas na pandemia.
É
conhecida a hostilidade do governo Bolsonaro à política indigenista. Sua
orientação se baseia em teses militares anacrônicas segundo as quais os
territórios indígenas representariam ameaça à soberania nacional. A agenda do
Palácio do Planalto contempla um controverso projeto de lei para regulamentar a
mineração nessas áreas.
O
cerco a esses povos se dá em paralelo à destruição ambiental, também obra da
ideologia bolsonarista. Ambos merecem o mesmo repúdio doméstico e externo.
É preciso pôr fim à emenda do relator no Orçamento
O
Globo
Depois do escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, foi retirado do relator da peça orçamentária o poder de incluir novas despesas ao longo do ano. Descobriu-se na ocasião um grupo de parlamentares, apelidados “sete anões”, que chegaram a emendar 76 mil vezes o Orçamento num único ano para mandar dinheiro a apaniguados mediante pagamento de propinas. Ficou claro que dar poder ao relator para determinar o destino de gastos sem critérios objetivos e transparentes era um convite a desvios.
Mesmo
com tal histórico, esse poder voltou no Orçamento de 2020. Ficou estabelecido
que o relator, deputado Domingos Neto (PSD-CE), poderia distribuir ao longo do
ano recursos estimados em R$ 20 bilhões a iniciativas de ministérios e outros
órgãos públicos, submetidas a fiscalização posterior dos organismos de
controle. Como revelou o jornal “O Estado de S.Paulo”, o expediente foi usado
para destinar R$ 3 bilhões a obras, projetos e prefeituras indicados por
parlamentares, em troca do apoio à eleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo
Pacheco (DEM-MG) para presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente.
O
dinheiro era alocado a projetos dos interessados via Ministério do
Desenvolvimento Regional e estatal Codevasf. Em vez de incluí-los formalmente
no Orçamento, bastava ao parlamentar aquinhoado enviar ofício ao órgão do
Executivo solicitando a liberação. Sobre vários, como a compra de tratores,
pesam suspeitas de superfaturamento. O artifício beneficiou governistas como
Ciro Nogueira, Fernando Bezerra Coelho, Eduardo Gomes ou a hoje ministra Flávia
Arruda. Ampliou os gastos à disposição dos agraciados para muito além das
emendas individuais de R$ 8 milhões a que todo parlamentar tem direito.
A
manobra serviu ainda para driblar as regras do orçamento impositivo, que
obrigam as emendas dos parlamentares, tanto individuais quanto de bancada, a
ser distribuídas de modo equânime. Os recursos alocados pelo relator passaram
ao largo das exigências e foram negociados em troca de apoio ao governo,
conforme demonstra um “ranking de fidelidade” mantido pelo Planalto e revelado
pelo GLOBO.
As
emendas parlamentares, concebidas como forma legítima de destinar recursos a
projetos locais, se tornaram com o tempo moeda de troca. Desde 2015, três
emendas constitucionais tentaram lhes dar maior transparência. Para evitar que
dessem margem a chantagem do Executivo sobre o Parlamento, a execução de uma
parcela passou a ser obrigatória. Agora, sob o pretexto conveniente de devolver
controle do Orçamento aos congressistas, voltou-se a abrir a brecha a desvios
numa super-emenda do relator que, este ano, soma R$ 18,5 bilhões (juntas, as
individuais somam R$ 9,7 bilhões).
No
presidencialismo de coalizão, é natural que o Executivo negocie apoio no
Parlamento em troca de espaço no governo. Só que a fragmentação partidária
tornou inviável a distribuição de cargos e ministérios entre dezenas de
partidos, muitos formados por interesses meramente paroquiais. Restou aos
parlamentares avançar com avidez sobre o Orçamento. Em vez do toma lá dá cá
obscuro, com ofícios secretos informando para onde deve ir esta ou aquela
verba, é preciso haver transparência e regras objetivas. A emenda do relator
rediviva não passa de um artifício opaco para driblar as poucas regras
existentes. Por isso, precisa ser extinta.
É
inoportuna a portaria que permite furar o teto do funcionalismo público
O
Globo
Até o vice Hamilton Mourão criticou a portaria do Ministério da Economia que permitiu estourar o teto do funcionalismo. Editada em 30 de abril, ela estabelece que, para quem recebe dois vencimentos do poder público, será possível calcular o teto para cada um deles em separado. Antes, o teto era calculado sobre a soma, agora virou um teto “duplex”. Com uma penada, dobrou-se na prática o valor, fixado pelo salário de ministro do Supremo (R$ 39,2 mil).
A
medida deverá ter impacto de R$ 181 milhões no Orçamento deste ano e, pela
própria definição, só beneficia a elite do funcionalismo. Trata-se de mais um
escárnio, em pleno ano de pandemia, quando, além do efeito do desemprego, o
salário de milhões na iniciativa privada voltará a ser cortado em virtude do
novo programa que permite redução de rendimento e jornadas aprovado no
Congresso.
Para
não falar na situação fiscal crítica: o déficit orçamentário é estimado em
quase R$ 150 bilhões, sem contar a projeção de pelo menos outros R$ 100
bilhões, fora do teto de gastos, com todas as despesas alocadas à luta contra o
coronavírus. Não se sabe a troco do que exatamente foi tomada a decisão.
Ontem
mesmo o ministro Paulo Guedes defendeu a redução da estabilidade e novas regras
de avaliação para os servidores. Seria bom se, ao discurso, seu próprio
ministério aliasse também a prática. Um bom começo seria revogar a portaria que
dobrou o teto do funcionalismo, dando mais um privilégio àqueles que já estão
entre os mais privilegiados do Brasil. Noutra ocasião, Guedes já chegou a
afirmar que o teto é baixo para o governo atrair bons profissionais. Se isso é
mesmo verdade, o contexto ideal para a mudança é a reforma administrativa, que
pode liberar recursos no Orçamento e, pelo visto, acabou adiada para 2023.
Pegam
carona no presente dado pelo ministério à elite do funcionalismo os militares
que estão no governo. Reformado na patente de capitão, Bolsonaro receberá mais
R$ 2,3 mil mensais, que se somam à remuneração presidencial de R$ 40 mil,
incluindo R$ 10 mil a título de “benefícios”, também fora do teto. O vice
Mourão, por ser general, terá um aumento de R$ 24 mil, resultando num salário
total de R$ 63,5 mil.
Ele
está certo ao declarar que a medida “não é ética”, pelo momento econômico,
fiscal e social que o país atravessa. Disse que, ao receber o novo salário,
analisará o que fazer, se doará a seu partido ou a alguma instituição. Saem beneficiados,
ainda, Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Casa Civil , e Braga Netto, da
Defesa, também generais, e os incontáveis militares reformados que Bolsonaro
colocou no governo em altos cargos comissionados.
Burlas
“legais” ao teto são antigas, concedidas por decisões judiciais. Há muitas
“indenizações” ou “gratificações” obtidas na Justiça que não atenderiam à
emenda constitucional que estabeleceu o teto do funcionalismo, em 2003. A
portaria fura-teto é mais uma demonstração de como o governo se curva à pressão
do funcionalismo e demonstra descaso com a pandemia.
Operação em Jacarezinho pede investigação com transparência
Valor
Econômico
Fica
difícil melhorar a vida das comunidades sem atacar a corrupção que dominou o
aparelho de Estado
A
megaoperação policial na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, que
terminou com 28 mortes - a mais mortífera já realizada no Estado -, deixou em
segundo ou terceiro plano, como costuma ocorrer após intervenções policiais
violentas, o fato de que o maior flagelo das comunidades são as gangues do
narcotráfico e as milícias. Os comandantes da ação infringiram várias leis, a
começar por uma das mais básicas da democracia: mesmo criminosos têm o direito
a um julgamento imparcial feito segundo os preceitos legais. Como assinalou o
ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, há sinais de que houve
“execução sumária” - atos que lembram a barbárie e não o Estado de direito.
Durante
a pandemia o STF proibiu as incursões policiais nas favelas do Rio. A determinação
foi desrespeitada, sem que se saibam os motivos. A Polícia Civil vem mudando
suas versões, o que é mais um motivo para que tudo seja apurado com rigor e
transparência. Em princípio, a operação foi deslanchada porque bandidos
estariam aliciando menores de idade para o tráfico - uma verdade banal e
trágica da vida nas comunidades. Entretanto, esse fato, pela recorrência, não
justificaria a mobilização de 200 policiais, helicópteros e blindados a uma das
áreas sob domínio do Comando Vermelho.
Depois,
o argumento das autoridades foi o de que havia mandato de prisão de 25 pessoas,
todas com antecedentes criminais por envolvimento com o tráfico de drogas. Essa
versão se chocou com a realidade. Duas pessoas mortas não tinham antecedentes,
12 vítimas tinham de fato cometido crimes ligados ao tráfico, segundo relatório
da inteligência da Polícia Civil. E 13 tinham passagens por delitos, como
furto, posse de armas, roubo etc.
Embora
tenham sido recebidos a bala, um tiroteio de 7 horas com 28 mortos, raros
presos, um lote minguado de armas apreendidas, denotam improvisação e o desejo
de ir às últimas consequências para agarrar os procurados, vivos ou mortos. Os
corpos foram removidos de cena, o que não deveria ocorrer, e chegaram até 24
depois ao Instituto Médico Legal, mas não necessitavam de socorros médicos -
estavam sem vida.
A
polícia vence espalhafatosas batalhas menores em uma guerra que o Rio de
Janeiro vem perdendo há um bom tempo. A violência é incapaz de vencer o
narcotráfico, financeira e militarmente poderoso, capilarizado na política e
até nas forças policiais. O uso da força bruta, que com frequência vitima
inocentes, porém explorados politicamente.
“A
reação dos bandidos foi a mais brutal dos últimos tempos”, disse o governador
Claudio Castro, que substitui o impedido Wilson Witzel, e que também é
investigado no processo de corrupção que derrubou seu antecessor. Para o
secretário da Polícia Civil, Allan Tournowski, a atuação da polícia foi
“técnica” e demonstrou “maturidade” e profissionalismo”. O presidente Jair
Bolsonaro parabenizou os policiais e o vice Hamilton Mourão disse que eram
todos “bandidos”, como se a lei não os incluísse. Muita gente discorda. “Nunca
vi uma operação com tamanha quantidade de mortos”, disse o ex-secretário
nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho.
A
corrupção endêmica do Estado no Rio facilitou a entrada do narcotráfico na
política e na polícia. O exemplo vem de cima: em 4 anos, 5 governadores e
ex-governadores foram presos e um foi afastado por corrupção. A Assembleia
Legislativa não é melhor. 16 deputados estaduais são réus na Justiça ou estão
presos por corrupção, falsidade ideológica e compra de votos. 27 dos 70
deputados são investigados por “rachadinhas”, captura do salário de
funcionários dos gabinetes, reais ou fantasmas, entre eles o senador Flavio
Bolsonaro.
Assaltado
pela bandidagem de terno e gravata ou de camiseta e havaianas, o Rio de Janeiro
é a base política do presidente Jair Bolsonaro, que o reelegeu por quase três
décadas como deputado federal. Ele e seus filhos aprovam e elogiam a atuação
das milícias. Não há interesse ou vontade política de acabar com o
narcotráfico, supondo que isso ainda seja possível. A melhor experiência
recente foi a das Upas, que falhou por falta de continuidade e amplitude, e
porque o então governador Sergio Cabral estava muito ocupado assaltando os
cofres públicos.
Há meios eficientes, testados e conhecidos de combater o tráfico de drogas e armas e melhorar a vida das comunidades - um trabalho de anos. Mas a tarefa torna-se muito mais difícil sem que se ataque a corrupção que dominou o aparelho de Estado.
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