EDITORIAIS
Falta um pacote de governo
O Estado de S. Paulo
Ações de improviso, concebidas para um objetivo pessoal, a busca da reeleição em 2022, adiam a proposta de um rumo para o País
Enquanto repete a ameaça golpista às eleições, o presidente Jair Bolsonaro, por via das dúvidas, tenta montar um pacote eleitoral de bondades. Em busca de votos, o governo estuda um aumento do Bolsa Família, isenção mais alta para o Imposto de Renda (IR), redução da alíquota para empresas e outras medidas de alcance variado. São, na maior parte, ações de improviso, concebidas para um objetivo pessoal, a busca da reeleição em 2022. Não servem sequer como esboço de um cenário prospectivo nem chegam a compor um compromisso de longo alcance. Completados mais de dois anos e meio de mandato, Bolsonaro e seus auxiliares, incluído o ministro da Economia, Paulo Guedes, continuam devendo o pacote mais importante, o de governo, com a proposta de um rumo para o País.
Nem sequer o pacotinho eleitoreiro é bem
fechado. As bondades, se concretizadas, envolverão novos gastos e redução de
receitas. Falta explicar, entre outros pontos, como as mudanças serão
acomodadas nas contas públicas. Não se trata apenas de saber como certos
limites serão respeitados. A inflação muito alta abrirá espaço no Orçamento do
próximo ano. Alguma solução será encontrada para o problema do teto de gastos,
talvez com a abertura de alguma exceção. As questões mais importantes são
outras. Falta explicar de onde sairá dinheiro para cobrir as novas despesas e,
se for o caso, para compensar a perda de receitas.
No caso de gastos permanentes, como o Bolsa
Família, é preciso pensar em fontes permanentes de arrecadação. Também é
recomendável identificar compensações permanentes para renúncias fiscais
duradouras. Não tem sentido contar com receitas de privatização e, além disso,
vender estatais, assim como criar estatais deve ser parte de um plano. Vender
por vender, só para simplificar a gestão? Decisões tão importantes deveriam
sempre estar vinculadas a um plano de governo – mais precisamente, a um plano
de modernização e de crescimento, algo jamais apresentado pelo atual presidente
ou pela equipe econômica.
Contar simplesmente com o crescimento da
arrecadação, como se fosse algo assegurado, é sinal de irresponsabilidade. Se
crescer 5,5% neste ano, a economia ficará pouco acima do nível de 2019, um ano
muito ruim. Além disso, nada aponta aceleração nos próximos anos. No mercado, a
mediana das projeções indica expansão de 2,10% em 2022 e de 2,50% nos anos
seguintes. É impossível prever números melhores quando faltam investimentos em
máquinas, equipamentos, infraestrutura, obras particulares, formação de capital
humano e tecnologia. Que formação de capital humano pode haver sob um governo
inimigo da educação, da cultura e da ciência? (Ver abaixo o editorial Desprezo pelas instituições.)
Mas o pacotinho inclui um arremedo de
programa de emprego e de qualificação para jovens, com pagamento parcial de
custos pelo governo. Na prática, é mais uma tentativa de apenas baratear a mão
de obra, como se isso pudesse substituir uma política séria de crescimento e de
criação de empregos.
Não se pode acreditar num jogo desse tipo,
especialmente quando o governo tenta arrebatar dinheiro do Sistema S –
respeitado pela formação de mão de obra de alta qualidade – para finalidades
nada claras. Líderes empresariais têm resistido a essa investida, já condenada
por um conhecido especialista em política de mão de obra, o professor José
Pastore, da Universidade de São Paulo. “O governo quer o dinheiro, não a
expertise” do Sistema, escreveu ele em artigo recente no Estado.
Parte do pacotinho contém a promessa de
regularização tributária. Ao elevar para a pessoa física a faixa de isenção do
IR, o governo apenas atenua um velho problema, a falta de correção com base na
evolução dos preços. Com a constante desatualização das faixas, o contribuinte
tem sido, há muito tempo, supertributado.
Enquanto estuda essas bondades, o governo
prepara o projeto de Orçamento de 2022, sob controle mais aberto do Centrão,
instalado oficialmente no Palácio do Planalto. Pelo menos o Centrão tem um plano
claro e bem conhecido: ganhar com qualquer governo, enquanto o governo durar.
Desprezo pelas instituições
O Estado de S. Paulo
Ao criticar o IBGE, ministro da Economia perde credibilidade e se desmoraliza
Irritado porque o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na última sexta-feira que a taxa de
desemprego no segundo trimestre deste ano foi de 14,6%, o que, a seu ver,
prejudica não apenas a imagem do governo num ano pré-eleitoral, mas, também, a
de sua própria gestão à frente do Ministério da Economia, o ministro Paulo
Guedes voltou a entrar em rota de colisão com esse órgão. Agora, ele o acusou
de “estar na idade da pedra lascada”.
Esse tipo de desqualificação e a motivação
que o levou a recorrer a ela dão a dimensão de como o ministro não tem o menor
apreço pelas instituições. Criado em 1938, o IBGE foi originariamente concebido
como um órgão encarregado de coordenar a produção estatística do País,
integrando dados estatísticos e informações coletadas pelas prefeituras, pelos
Estados e pela União. Com o tempo, ele mesmo passou a promover pesquisas, das
quais a mais importante é o Censo Demográfico. Por seu alcance, capilaridade e
capacidade de captar informações em todas as regiões de um país com dimensões
continentais, ele faz levantamentos e pesquisas que a iniciativa privada não
tem condições técnicas e logísticas de promover e que são decisivas para o
planejamento de seus projetos de expansão e criação de novos negócios.
Desde que assumiu o Ministério da Economia,
Guedes não esconde sua antipatia por essa instituição. Alegou que ela custa
caro, criticou seu corpo técnico, defendeu a contratação de trabalhadores
temporários e negou recursos orçamentários para a realização do Censo
Demográfico de 2020. O que o levou a entrar em novo confronto com o IBGE, na
semana passada, foi uma divergência sobre números do emprego entre a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita pelo órgão, e o
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que trabalha com dados
oficiais das empresas. Segundo Guedes, embora o governo venha “gerando
praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio”, a Pnad Contínua
estaria atrasada na coleta desses números, entre outros motivos, por usar
entrevistas por telefone para calcular a taxa de desemprego.
O que o ministro despreza por conveniência
política é que as bases de dados dessas duas pesquisas são distintas, motivo
pelo qual seus números não podem ser comparados. Seguindo padrões
internacionais, a Pnad Contínua capta modalidades de trabalho – como o
informal, por exemplo – que não aparecem nos números do Caged. O que Guedes
também oculta é que as pesquisas do IBGE sobre emprego sempre foram
presenciais. Elas só passaram a ser realizadas por telefone por causa da
pandemia e agora, com o avanço da vacinação, as entrevistas presenciais estão
sendo gradativamente retomadas.
Como era inevitável, as críticas de Guedes
foram mal recebidas pela comunidade científica. Presidente do IBGE entre 2017 e
2019, o engenheiro Roberto Olinto afirmou que o ministro da Economia foi
duplamente “leviano”. De um lado, por revelar um total desconhecimento técnico
sobre pesquisas sobre desemprego. E, de outro, por ter criticado o sistema de
entrevista telefônica do IBGE apenas com o objetivo de desviar a discussão da
questão essencial, “que é o elevado desemprego detectado pela Pnad Contínua”.
Não menos contundentes foram as críticas do sociólogo Simon Schwartzman, que
presidiu o IBGE entre 1994 e 1998. “Se Guedes acha que o órgão está na idade da
pedra lascada, o que está fazendo para melhorar? Ele é o responsável pelo IBGE
e fala como se não fosse. Além de dizer bobagem, se o IBGE tem dificuldades é
porque o ministro não sabe cuidar dele.”
Ao seguir assim a triste sina do governo do
qual faz parte, e que prima por tentar reiteradamente desqualificar ou afrontar
as instituições, Paulo Guedes acabou cometendo um grave equívoco político. Ele
se esqueceu de que, quanto mais tenta desacreditar órgãos públicos que se negam
a manipular estatísticas e informações que permitam maquiar a imagem de um
governo inepto e desastroso, mais ele perde credibilidade e se
desmoraliza.
A ‘cupinização’ da democracia
O Estado de S. Paulo
Sob Bolsonaro, políticas públicas são concebidas como se vivêssemos sob estado de exceção
O presidente Jair Bolsonaro mobilizou sua
militância aloprada para protestar contra as urnas eletrônicas, responsáveis,
segundo os bolsonaristas, por grossas fraudes nas eleições de 2014 e 2018.
Embora Bolsonaro não tenha provado nenhuma das irregularidades que alardeia há
três anos, seus camisas pardas se animaram a ir às ruas para denunciar o atual
sistema de votação.
Não eram muitos os manifestantes, é
verdade, mas, para Bolsonaro, isso não tem a menor importância: em seu
discurso, meia dúzia de gatos pingados se torna uma “multidão”. E a essa
“multidão” o presidente reiterou suas ameaças de golpe. Depois de dizer que “sem
eleições limpas e democráticas não haverá eleições”, Bolsonaro conclamou seus
seguidores, a quem ele chamou de “meu exército”, para “fazer com que a vontade
popular seja expressada na contagem pública dos votos”.
Que não haja dúvidas: embora a afluência às
manifestações tenha sido baixa, é certo que há bolsonaristas celerados o
bastante para atender ao chamamento irresponsável do presidente e causar
tumultos na época da eleição – em especial se o resultado for desfavorável a
Bolsonaro.
Ainda que cause justificada apreensão no
País, esse investimento presidencial na confusão e nas ameaças se presta menos
a prenunciar uma efetiva tentativa de golpe e mais a tirar a atenção de uma
forma bem mais sutil de deterioração da democracia que está sendo levada adiante
por Bolsonaro.
Conforme reportagem
publicada pelo Estado no
domingo, em menos de três anos de mandato o presidente Bolsonaro e seus
assessores já editaram 88 decretos, medidas provisórias, portarias, pareceres
ou resoluções, além de patrocinarem projetos que visam a corroer o Estado ou a
atentar contra liberdades civis e direitos constitucionais.
A estratégia não é nova. Regimes
autoritários da primeira metade do século passado criaram detalhada legislação
para conferir verniz de legitimidade ao arbítrio. A diferença é que nos países
em que isso ocorreu a democracia já havia sido esmagada. Hoje, as instituições
democráticas continuam existindo, mas estão sendo emasculadas por uma
legislação criada para dar ao governante a capacidade de moldá-las a seus
propósitos.
No Brasil de Bolsonaro, o exemplo é a
Venezuela ou a Polônia, países em que candidatos a ditadores foram arruinando
aos poucos o sistema de freios e contrapesos. Não por acaso, ambos começaram
pela Suprema Corte, que existe para zelar pelo respeito à Constituição.
Como mostra a reportagem, Bolsonaro
prometeu desde a campanha ampliar o número de ministros do Supremo Tribunal
Federal, para “pôr juízes isentos lá dentro”. Com Bolsonaro eleito, o governo
tentou contrabandear na reforma da Previdência um artigo que permitiria
modificar a idade-limite para a aposentadoria de ministros do Supremo por meio
de lei complementar. Se vingasse, o dispositivo daria a Bolsonaro o poder de
renovar o Supremo como bem entendesse.
O bolsonarismo ataca de maneira semelhante
nas áreas de educação, cultura, ambiente, segurança pública e saúde. Em vários
casos, o padrão é o mesmo: redução da participação da sociedade civil,
afrouxamento da legislação para permitir o arbítrio e distorção de princípios
constitucionais.
Na feliz definição de Celso Lafer,
professor emérito da USP e ex-chanceler, trata-se de um processo de
“cupinização” das regras do direito e das instituições democráticas. É essa
degradação que transforma exceção em regra, dando ao governante autoritário o
poder de definir essa exceção. “No fundo, o que Bolsonaro quer é ter o poder
soberano de declarar a exceção”, disse Lafer.
Nesse processo, como afirma Luís Manuel
Fonseca Pires, professor de direito na PUC-SP, as políticas públicas são
concebidas como se vivêssemos sob estado permanente de exceção. Com tal
característica, essas políticas perdem seu caráter público e se destinam a
punir inimigos – e, por extensão, a favorecer amigos do regime.
Assim, enquanto entretém o País com seu
discurso golpista, Bolsonaro avança sobre os pilares da mediação de vontades
típicas de uma democracia – o direito e a política – para impor suas veleidades
na marra.
Aula de desigualdade
Folha de S. Paulo
Ensino presencial precisa diminuir o fosso
entre escolas públicas e privadas
O
tardio retorno às aulas nas escolas do estado de São Paulo merece
todo apoio. Já era tempo de pôr ponto final no abandono a que o alunado esteve
relegado durante a pandemia, como se a educação figurasse entre as últimas
prioridades do governo e da sociedade.
O Brasil todo entregou-se a tal descaso.
Com raras exceções, redes municipais e estaduais de ensino interromperam aulas
em classe por um ano ou mais, pondo o país entre os que mais demoraram a
retomá-las —a comprovar que aqui pouco se valoriza o principal instrumento para
reduzir uma escandalosa desigualdade.
O recurso lenitivo a aulas remotas atendeu
só aos poucos estudantes de escolas públicas com acesso a conexões informáticas
de qualidade. Mesmo para essa elite do ensino oficial, horas de estudo e
assiduidade caíram vertiginosamente.
O Estado falhou de modo flagrante no dever
de prover educação, mesmo tomando em conta as dificuldades criadas pela
Covid-19. A promessa de dotar todos os alunos de meios digitais para atividades
ainda não passa de miragem.
O resultado se conhece bem: crianças e
jovens não só não progrediram tanto quanto deveriam como a suspensão das aulas
presenciais implicou uma regressão no aprendizado. Em algumas escolas e séries,
calcula-se que até 11 anos sejam necessários para recuperar habilidades e
conteúdo não assimilados.
Suscita espanto que profissionais de
educação tenham resistido por tanto tempo a retomar o trabalho em classe.
Fizeram bem em batalhar por condições de segurança sanitária, mas não resta
dúvida de que dedicaram mais empenho aos próprios interesses do que aos
direitos de seus pupilos.
Qualquer pessoa pode intuir, como aliás
indicam pesquisas, que os mais prejudicados em formação e qualificação são os
alunos mais pobres. O atraso pesará por muito tempo, diminuindo-lhes as já
exíguas vias de mobilidade social —e o desvão de oportunidades aumenta até no
retorno à escola.
Em São Paulo, estabelecimentos privados de
ensino se preparam para receber a totalidade dos estudantes nas classes. Em
contrapartida, escolas da rede estadual devem adotar um esquema de rodízio,
mantendo ainda 50% dos jovens em ensino remoto.
Espaço e equipamentos de alguns colégios
públicos podem não ser ideais para receber todos os alunos em classe. Isso, no
entanto, é algo a ser resolvido caso a caso, não adiando aulas indefinidamente.
Basta: chegou a hora de voltar a perseguir
o equilíbrio entre demandas da corporação e a obrigação de combater a
desigualdade socioeconômica devolvendo aulas de verdade, interação social e
merendas a quem delas mais precisa.
Novo epicentro
Folha de S. Paulo
Com vacina atrasada, Sudeste Asiático vê
disparada da Covid; África também sofre
Considerado até pouco tempo atrás exemplo
de sucesso na contenção da pandemia, o Sudeste
Asiático vem enfrentando um aumento vertiginoso de infecções e mortes causadas
pela Covid-19 e se convertendo em novo epicentro da doença no mundo.
O caso mais alarmante é, de longe, o da
Indonésia. O país de 240 milhões de habitantes registra atualmente a maior
quantidade de óbitos no mundo, com média de aproximadamente 1.800 por dia. São
seis vezes os 300 que a nação insular anotara no pico anterior.
Embora em situação menos grave, o Vietnã
também inspira preocupações. Com apenas 35 mortes até maio, o país conheceu uma
explosão de óbitos em julho, chegando a registrar 392 vítimas num único dia. As
infecções, que até então eram de poucas centenas, já se aproximam de 10 mil
diárias.
Os principais fatores por trás do fenômeno
são a disseminação da variante delta e a baixa cobertura vacinal da região.
Mais contagiosa, embora aparentemente não mais letal, a delta já está presente
em 132 países e vai se tornando preponderante no planeta.
Esse alastramento é impulsionado pela
morosidade na imunização. As duas nações mais populosas do Sudeste Asiático,
Indonésia e Filipinas, não lograram vacinar completamente nem 8% de seus
habitantes. A situação é ainda pior no Vietnã, com um ínfimo 0,6%.
Quadro semelhante se esboça na África, onde
somente 1,6% da população foi totalmente vacinada. Desde julho, o continente
enfrenta sua pior quadra na pandemia, tanto em número de contaminações como de
mortes.
Em regiões onde a imunização alcança níveis
mais elevados, casos de Europa e Estados Unidos, os riscos se mostram menores,
apesar do avanço da variante. Com mais de 50% da população adulta vacinada e
boa parte das restrições abolidas, ambos vêm registrando um repique de
infecções, mas as mortes se mantêm sob controle.
O Brasil, por sua vez, encontra-se a meio
caminho entre os piores e melhores cenários. No fim de semana, nossa média
móvel de óbitos, não obstante permaneça em patamar elevado, ficou abaixo de
1.000 pela primeira vez desde janeiro.
Neste momento em que a delta se espalha
pelo país e estados começam a relaxar o controle sanitário, a vacinação, hoje
completa em apenas 20% da população, ganha ainda mais relevância para evitar
uma nova onda de contágio.
O Globo
Desafio da CPI da Covid será produzir
resultado
Comissão parlamentar de inquérito precisa
comprovar de forma objetiva as muitas denúncias que não passam de indícios
Depois do recesso de duas semanas, a CPI da
Covid retoma os trabalhos hoje com nova configuração — o senador Flávio
Bolsonaro (Patriota-RJ) assume como suplente — e um desafio fundamental: fazer
as revelações que por quase três meses dominaram o noticiário terem
consequências para além do jogo político. Criada para apurar erros e omissões
do governo no combate à pandemia que já tirou a vida de mais de 557 mil
brasileiros, a comissão precisa cumprir seu propósito: apontar os responsáveis
e os corresponsáveis pelo morticínio.
A punição pela hecatombe sanitária não
depende apenas da CPI, onde oposição e independentes ainda são maioria (sete em
11). Dependerá sobretudo da Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem
caberá dar prosseguimento às denúncias. Em entrevista ao GLOBO, o senador
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, disse que, a partir
da entrega do relatório à PGR, as autoridades terão30 dias para informar as
providências tomadas, “sob pena de serem responsabilizadas penal ou
criminalmente”. Afirmou ainda que as conclusões serão encaminhadas também ao
Congresso e ao Tribunal Penal Internacional.
A denúncia ao tribunal de Haia faz barulho
— e só. No Parlamento, o governo tem amplo apoio, e a chance de qualquer
processo contra o Planalto é nula enquanto o Centrão de Arthur Lira (PP-AL)
mandar na Câmara. Na PGR, o alinhamento de Augusto Aras com o presidente Jair
Bolsonaro também sugere empenho tímido — ou nenhum. Recentemente, a PGR teve de
ser chacoalhada pela ministra Rosa Weber, do Supremo, para fazer seu trabalho e
investigar se Bolsonaro prevaricou no caso das denúncias sobre a compra da
vacina indiana Covaxin. Aras queria esperar o fim dos trabalhos da CPI para
começar a agir. Rosa disse que não cabia ao Ministério Público o papel de
espectador.
Parece haver também desinteresse da
Controladoria-Geral da União, que anunciou na semana passada não ter encontrado
irregularidades com a Covaxin, a não ser um problema na documentação (se não
havia nada, por que o Ministério da Saúde cancelou o contrato de R$ 1,6 bilhão
para o qual já havia recurso empenhado?).
A descrença nos resultados da CPI é
palpável. Uma pesquisa Datafolha de maio revelou que, para 82%, o Senado fez
bem em criar a comissão, mas mais da metade (57%) diz que ela não apresentará
resultados. Pouco mais de um terço (35%) afirma acreditar que ela fará uma
investigação séria.
Todas essas dificuldades aumentam a
responsabilidade da CPI, que precisa comprovar de forma objetiva as muitas
denúncias que não passam de indícios. Não adianta ficar abrindo novas frentes
de investigação se as demais não estão fechadas. Quanto mais técnico e menos
político for o relatório, mais será valorizado. Com o aparelhamento dos órgãos
de controle pelo governo Bolsonaro, são reais os obstáculos para levar adiante
qualquer punição futura. Apenas conclusões precisas e contundentes poderão
aumentar a pressão para punir os eventuais responsáveis. A sociedade quer saber
por que alcançamos o segundo maior número de mortes pela Covid-19 no planeta.
Mas só isso não basta. É preciso que os erros e omissões na pandemia mais letal
em cem anos tenham consequências. A CPI ainda deve isso aos brasileiros.
Valor Econômico
Nova variante ameaça ritmo da recuperação
econômica
FMI prevê desaceleração do ritmo de
recuperação em 2022
Não é de hoje que o Fundo Monetário
Internacional (FMI) vem alertando para a influência da vacinação contra o novo
coronavírus na recuperação da economia global. A revisão das projeções do World
Economic Outlook (WEO) recentemente divulgada pelo Fundo comprova a relação. A
previsão do crescimento global deste ano continuou em 6%, como havia sido
estimado em abril, mas houve uma mudança na composição da taxa. Enquanto o
crescimento esperado para as economias avançadas aumentou meio ponto, para
5,6%, o projetado para os mercados emergentes foi cortado em 0,4 ponto para
6,3%. Não por mera coincidência, as economias avançadas estão com 40% da
população totalmente vacinada, segundo dados de 19 de agosto trabalhados pelo
FMI. Já os países emergentes estão com 10%; e os de baixa renda, com menos
ainda, 1%.
Outro fator de influência é a política de
estímulo fiscal e monetário, em que os países avançados novamente estão na
frente. O FMI estima que, desde março de 2020, os países gastaram US$ 16
trilhões para sustentar a economia, mesmo às custas de inflar os déficits para
os níveis mais elevados desde a Segunda Guerra Mundial em alguns casos. Os
bancos centrais aumentaram seus balanços em US$ 7,5 trilhões, segundo o FMI.
Também nesse ponto as economias avançadas levam vantagem, com maior fôlego para
bancar crescentes déficits, sem afugentar os investidores.
Entre as economias avançadas, lidera os
Estados Unidos, que deve crescer 7% neste ano, a maior taxa desde 1984, estima
o Fundo, argumentando com o avanço da vacinação e o pacote trilionário do
presidente Joe Biden. Para o Reino Unido, igualmente ágil na imunização, a
previsão de crescimento foi elevada em 1,7 ponto para 7%.
Mas o próprio FMI reconhece que a
disseminação da variante delta do coronavírus é um fator que põe em risco as
previsões mais otimistas. Foi a delta a responsável pelo corte da estimativa de
crescimento da Índia, onde surgiu, de 12,5% para 9,5%, percentual ainda
elevado. Países do Sudeste Asiático também foram negativamente afetados. A
expansão prevista para a China foi cortada de 8,4% para 8,1%, depois que Pequim
resolveu retirar medidas de apoio à economia e diminuir investimentos públicos.
Já o caso do Brasil, cuja elevação do PIB esperado para o ano subiu de 3,7%
para 5,3%, é peculiar a demais exportadores de commodities favorecidos pelo
aumento da demanda de parceiros como EUA e China.
A variante delta também pode sepultar a
proposta do FMI para que as economias avançadas repassem ou vendam sobras de
vacinas para os demais de modo a que 40% da população global em risco seja
vacinada neste ano, chegando a 60% em 2022. O Fundo calcula que esse movimento
custaria US$ 50 bilhões, mas salvaria meio milhão de vidas e resultaria em
aumento de trilhões do PIB global. O Fundo não deixa de ter razão na medida
que, para a economia mundial deslanchar, a vacinação deve ser abrangente.
Mas economias avançadas como os EUA e o
Reino Unido já começam a rever suas políticas de flexibilização diante do
avanço da variante delta e da constatação de que ela é bastante transmissível a
partir mesmo de vacinados. Além disso, estão renovando os esforços para que
mais pessoas se imunizem, e até cogitam a necessidade de um reforço nos já
vacinados. O crescimento do PIB americano à taxa anualizada de 6,5% no segundo
trimestre, abaixo do esperado, já é reflexo da nova variante, além de problemas
nas cadeias de suprimentos.
Do lado fiscal, o suporte econômico também
tem seus limites. As economias avançadas começam a tatear o mercado para
avaliar o momento em que vão desmontar ou reduzir as medidas de estímulo. O
movimento terá consequências nos mercados emergentes, que dependem do
investimento estrangeiro, alertou o Banco para Compensações Internacionais
(BIS). No Brasil, o Investimento Direto no País (IDP) teve queda em junho pelo
terceiro mês consecutivo, acumulando US$ 46,6 bilhões em 12 meses.
Embora os números sejam promissores até
aqui, não há segurança em relação à evolução da pandemia nos próximos meses, o
que ameaça a recuperação global dado o desequilíbrio na administração das
vacinas. Sinal disso é a previsão do FMI de desaceleração do ritmo de
recuperação em 2022. Para o PIB global, a expectativa é de crescimento de 4,9%,
com as economias avançadas crescendo 4,4% e 5,2% os mercados emergentes. O
Brasil deve ficar bem abaixo, prevê o FMI, com 1,9%.
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