O Globo
Há vários riscos na maneira como o governo
se prepara para lidar com os precatórios. Se a ideia for postergar o pagamento
dessas dívidas para abrir espaço para mais gastos é uma forma de pedalada. Por
outro lado, os precatórios têm aumentado muito a cada ano e nem sempre é
possível prever, segundo dizem os especialistas. O problema é que neste momento
o Ministério da Economia está tentando encontrar no Orçamento espaço para o
populismo do presidente Bolsonaro, mas está sendo atropelado pelo centrão, que
quer impor valores cada vez mais altos para o Bolsa Família. E isso seria
financiado com o não pagamento de dívida.
O fato é que há erros por todos os lados na
questão dos precatórios. O governo tem razão em questionar um crescimento de R$
35 bilhões de despesas de um ano para o outro. Mas isso se deve a perdas que
teve na Justiça, por falhas de sua própria defesa. O parcelamento pode criar um
orçamento paralelo e, na prática, os credores desse dinheiro é que vão
financiar os programas de governo. O STF, por sua vez, exigiu, de uma hora para
outra, que o governo encontre espaço dentro do teto de gastos para um aumento
de 64% nas dívidas bilionárias de precatórios. Isso irá tornar praticamente
inviável a execução do orçamento de 2022.
Para se ter uma ideia, em 2014 foram R$ 20
bilhões de precatórios, em 2016, R$ 30 bilhões, este ano foram R$ 54 bi e no
ano que vem serão R$ 89 bilhões. Com a regra do teto de gastos, quando essa
despesa cresce, comprime as outras despesas e não há previsibilidade. Claro que
o governo pode negociar melhor, mas nem sempre dá certo, como aconteceu com os
estados na dívida do Fundef, uma velha ação judicial ainda da época do governo
Fernando Henrique, que repassou menos do que devia para os estados.
— Há dois anos quando a gente já tinha perdido, alguns estados chamaram o governo federal para um acordo. Eles disseram que dariam um deságio de 15% na dívida, mas desde que o governo pagasse à vista. Não tinha dinheiro e iria estourar o teto. A gente propôs um desconto de 40% e a gente pagaria à vista, mas eles não quiseram — explicou um ex-integrante do governo.
Na visão do economista-chefe da RPS
Capital, Gabriel de Barros, especialista em contas públicas, há uma completa
descoordenação dos órgãos que defendem o governo no poder judiciário, já há
vários governos:
— A gente só sabe do tamanho do passivo
fiscal quando as ações já estão nas instâncias superiores. Na segunda instância
não há informação. Falta transparência, coordenação, deveriam ser mais
inteligentes órgãos como a AGU, a PGR e a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional. O governo perde todo ano. O que estamos vendo este ano é um problema
que já víamos e que ficou mais salgado. É uma questão estrutural que decorre
dessa incompetência nos órgãos de defesa do governo.
A conjuntura política torna tudo mais
complicado, porque Bolsonaro quer fazer um novo Bolsa Família, quer dar aumento
de salário aos servidores e quer investimentos em obras que ele possa
inaugurar. Evidentemente por razões eleitoreiras. Aumentar o Bolsa Família faz
sentido. O programa é bem avaliado e é considerado barato para a dimensão do
apoio que dá às famílias mais pobres. A pandemia elevou a necessidade dessa
rede de proteção social. O simples e correto era elevar o valor e incluir mais
pessoas no mesmo programa. Quando a equipe econômica concordou em dar um valor
maior, o centrão turbinado com o controle da Casa Civil passou a atropelar a
equipe econômica. Para a área política do governo se o valor foi bem maior isso
trará ganhos eleitorais para Bolsonaro.
Há outra dificuldade orçamentária, o
governo tem feito cada vez mais propostas de gastos para o tal espaço fiscal
que será criado pela diferença entre a inflação do meio do ano, que reajusta o
valor do teto de gastos, e o índice no final do ano, que corrige as despesas
obrigatórias. A inflação de junho foi 8,4%, e o governo calculava um índice bem
mais baixo em dezembro. As previsões estão sendo revistas para cima. Ou seja, o
espaço fiscal está se fechando.
Somando-se o populismo autoritário de
Bolsonaro com a pressão gastadora do centrão e a falta de pulso do ministro da
Economia, o que está sendo montado é uma grande pedalada. Espera-se agora dos
políticos, do TCU e do Judiciário o mesmo rigor que tiveram em outras
pedaladas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário