Em meio a novas declarações de Bolsonaro em defesa do voto impresso, tribunal abriu investigação sobre ataques do presidente às urnas e pediu ao STF que apure caso no inquérito das fake news
Filipe Vidon / O Globo
RIO — Após uma série de ataques às urnas
eletrônicas e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís
Roberto Barroso, o presidente Jair Bolsonaro sofreu seu primeiro revés formal.
Por unanimidade, a Corte abriu um inquérito administrativo para apurar os
ataques sem provas que ele vem fazendo ao sistema eletrônico de votação, e
pediu que ele seja investigado também em um inquérito já aberto no Supremo
Tribunal Federal (STF).
A gota d'água para o Judiciário, que vinha
respondendo às declarações com notas de repúdio, foi a live realizada na última
quinta-feira em que Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas
eleições, mas não o fez. Ao contrário: utilizou vídeos de internet previamente
desmentidos pelo próprio TSE, e admitiu que “não tem como se comprovar que as
eleições não foram ou foram fraudadas".
Em sua cruzada pelo voto impresso, o
presidente escalou os ataques à medida que a pressão aumentava na Praça dos
Três Poderes. Bolsonaro é alvo da CPI da Covid, tem baixa popularidade e
aparece atrás nas pesquisas eleitorais para 2022. O chefe do Executivo,
reiteradamente, também ameaça não reconhecer o resultado caso perca as eleições
em 2022 com o sistema atual.
Em cinco pontos, entenda entenda os motivos
e a cronologia da crise:
O que o presidente disse em live?
Depois de convocar a imprensa e apoiadores
para uma live onde apresentaria as provas das supostas fraudes eleitorais em
2018 e 2014, Bolsonaro disse com todas as letras não ter como sustentar as
acusações. Em transmissão ao vivo em suas redes sociais e na TV Brasil,
ele fez ataques ao sistema de votação usado no Brasil e disse que há
"indícios fortíssimos em fase de aprofundamento". Os indícios citados
pelo presidente foram vídeos antigos que circulam na internet e trechos
editados de programas de TV.
Na transmissão de mais de duas horas,
Bolsonaro atacou o TSE e o ministro Barroso, que defende a segurança e
transparência do sistema eletrônico. A Corte ainda realizou a checagem em
tempo real das afirmações do presidente com conteúdos sobre as eleições no
Brasil que foram produzidos ao longo dos últimos anos e que desmentem as
alegações de Bolsonaro. Foram 17 pontos rebatidos pelo TSE.
Por que Bolsonaro aumentou o grau dos
ataques?
A escalada de ataques ao sistema eleitoral
vem na esteira da queda de popularidade de Jair Bolsonaro. A pesquisa IPEC
mostrou um aumento de 10 pontos percentuais na reprovação do presidente, que
totalizou 49% no último levantamento. Além disso, o atual presidente aparece
atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais.
Outro ponto de tensão é o avanço da CPI da
Covid no Senado Federal. A comissão foi instalada em meio ao pior momento da
pandemia do novo coronavírus no país, em que o número de mortes e casos batia
recordes diários. Os senadores apuram ações e possíveis omissões do governo
Bolsonaro no enfrentamento ao vírus, e revelaram possíveis irregularidades nas
negociações de várias vacinas que contaram com intermediárias não autorizadas
pelas farmacêuticas estrangeiras.
A Comissão Especial que avalia a PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados também foi esvaziada, e o próprio presidente reconheceu que não acredita mais que o projeto será aprovado na Casa. Depois de fecharem questão contra o projeto, partidos iniciaram uma articulação para mudar os integrantes da comissão que analisa a proposta. A ideia era impor uma derrota antecipada, antes que a pauta chegasse ao plenário da Câmara dos Deputados.
O que o TSE e partidos dizem sobre as
urnas?
O Tribunal Superior Eleitoral desenvolveu
diversas campanhas de comunicação para esclarecer possíveis dúvidas dos
eleitores sobre o sistema de voto eletrônico. Em vídeos e entrevistas, Barroso
reafirmou que “o sistema é seguro, transparente e auditável”. O ministro
declarou, reiteradamente, que existem diversos mecanismos de segurança — como o
boletim de urna, impresso ao final da votação, e o Registro Digital do Voto —,
além da participação de partidos e órgãos como a Polícia Federal, Ministério
Público e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em momentos críticos do processo.
— Eu sou juiz, e o TSE é um tribunal.
Lidamos com fatos e provas, não com retórica política. Nunca, desde a
introdução das urnas em 1996, houve qualquer denúncia de fraude documentada e
comprovada — disse o ministro ao GLOBO.
Presidentes de 11 partidos políticos,
incluindo legendas aliadas ao governo Jair Bolsonaro, também se posicionaram
contra a adoção do voto impresso na eleição brasileira. Em encontro virtual, os
líderes confirmaram a confiança no sistema e defenderam que mudar as regras do
jogo, a essa altura, poderia gerar incertezas no processo.
O que o TSE definiu nesta segunda?
Por unanimidade, o TSE tomou duas medidas
contra o presidente Jair Bolsonaro: abriu um inquérito administrativo interno
para apurar as acusações sem provas, e pediu que ele seja investigado também em
um inquérito já aberto no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na avaliação da Corte, Bolsonaro teve
"possível conduta criminosa" na live da última quinta-feira e, por
isso, acatou a sugestão do corregedor do TSE, ministro Luis Felipe Salomão, de
abrir um inquérito. Em junho, ele já havia determinado que Bolsonaro explicasse
as acusações que fez contra as urnas eletrônicas. O prazo para resposta vence
nesta segunda-feira, mas, até agora, Bolsonaro não se manifestou.
“A
preservação do Estado democrático de direito e a realização de eleições
transparentes justas e equânime demandam pronta apuração e reprimenda de fatos
que possam caracterizar abuso de pode econômico, corrupção ou fraude, abuso do
poder politico, o uso indevido dos meios de comunicação social, uso da máquina
administrativa e ainda propaganda antecipada", pontuou Salomão.
No STF, a investigação ocorrerá no âmbito
do inquérito das "fake news", conduzido pelo ministro Alexandre de
Moraes. O pedido de investigação na Suprema Corte tem como base o mesmo objeto:
os constantes ataques, sem provas, às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral
do país com uso de fake news.
Quais consequências da decisão do TSE?
De acordo com o advogado eleitoral Fernando
Neisser, presidente da comissão de direito eleitoral do Instituto dos Advogados
de São Paulo (IASP), o inquérito administrativo não gera punição por si só, mas
pode produzir elementos de prova para uma ação do Ministério Público Eleitoral
ou de partidos políticos.
— Poderia haver uma ação de tutela, em que
partidos pedem para ele parar de atacar a normalidade eleitoral, sob pena de
aplicação de multa. Apresentando o pedido de registro de candidatura no ano que
vem, ele estaria sujeito a uma ação que pode levar a uma cassação de
candidatura e, caso reeleito, do próximo mandato.
No Supremo, Alexandre de Moraes deve aceitar o pedido de inclusão de Jair Bolsonaro nas investigações do inquérito das “fake news”. Em votação no TSE, colegiado da qual também faz parte, Moraes votou a favor dos requerimentos.
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