O Estado de S. Paulo
Orçamento público está sob ataque, é preciso reagir. O caminho é o veto presidencial
O descuido com o processo orçamentário
revela desapreço pelas instituições democráticas. O dinheiro público deve ser
alocado a partir de critérios claros, a exemplo dos princípios da
impessoalidade e da transparência. Só assim se pode garantir o financiamento de
políticas públicas que melhorem a vida de todos, sobretudo dos que mais
dependem do Estado. A recente lambança com o fundo eleitoral é a parte mais
aparente do problema. O Orçamento público está sob ataque e é preciso reagir.
A deterioração do processo orçamentário
brasileiro tem sido potencializada nos últimos anos. O caso das emendas não
identificadas, que já existia, ganhou novas dimensões na presença das chamadas
emendas de relator-geral. Para 2021 as despesas da Previdência foram
subestimadas em cerca de R$ 15 bilhões a fim de abrirem espaço para novos
gastos. O mesmo risco está presente na elaboração do Orçamento de 2022. A
diferença é que haverá certa folga no teto de gastos a alimentar a sanha por
despesas não planejadas.
Ano a ano, para fugir das regras fiscais se inova na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Esta lei deveria servir para preparar a elaboração do Orçamento propriamente dito, isto é, a Lei Orçamentária Anual (LOA). Na prática, a LDO agigantou-se, abrigando mudanças de regras do jogo que não deveriam ser discutidas ali. É o caso do fundo eleitoral. Criado em 2017, buscou-se suprir a proibição do financiamento empresarial de campanhas. Não custa lembrar, entretanto, que já existe o fundo partidário.
O Fundo Especial de Financiamento de
Campanha (FEFC), ou simplesmente fundo eleitoral, foi acoplado à Lei 9.504, de
1997, por modificação aprovada em 2017. A nova regra estabeleceu que a dotação
mínima do FEFC deveria equivaler “ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei”. Além disso,
esse valor mínimo teria de equivaler a 30% das “programações decorrentes de
emendas de bancada estadual de execução obrigatória e de despesas necessárias
ao custeio de campanhas eleitorais”.
Essa regra para a composição da dotação
orçamentária do fundo foi parcialmente alterada em 2019. Ficou assim: o valor mínimo
corresponderá “ao percentual do montante total dos recursos da reserva
específica a programações decorrentes de emendas de bancada estadual
impositiva, que será encaminhado no projeto de lei orçamentária anual”. Aquela
regra de definição pelo TSE foi mantida.
Em 2018 (eleições gerais), os gastos do
fundo eleitoral ficaram em R$ 1,7 bilhão e, em 2020 (eleições municipais),
totalizaram R$ 2 bilhões. Para 2022 a nova regra contida na LDO elevou o valor
previsto para R$ 5,7 bilhões. Operou-se em meio à nebulosidade dos dispositivos
descritos para promover um gasto injustificável em plena crise pandêmica.
A saber, a regra proposta pelo Congresso na
LDO, aprovada antes do início do recesso parlamentar, determinou que o fundo
fosse composto pela soma de 25% das dotações da Justiça Eleitoral, em 2021 e
2022, e do valor do TSE. Isso contraria, diretamente, a Lei Eleitoral, que não
manda somar valores, mas determina patamares mínimos. O resultado dessa salada
é uma estimativa de R$ 5,7 bilhões. Vale notar que tal montante não está fixado
na LDO. Esta apenas manda que o projeto da LOA siga as novas regras, redundando
na projeção acima.
Se a inflação de 2021 ficar, por hipótese,
em 7%, o valor do fundo de 2020 corrigido por essa variação resultaria em R$
2,14 bilhões. Essa conta mostra o disparate da proposta contida na LDO. O valor
estimado corresponderia a 2,7 vezes o gasto corrigido pela inflação de 2020. O
que mudou, desde o ano passado – ou mesmo desde 2018 –, para o fundo engordar
dessa maneira? Nada.
A LDO, espécie de preparação para o
Orçamento propriamente dito, revelou que o desejo por gastos em ano eleitoral
será capaz de tudo; da parte do Legislativo e do Executivo. A mudança da regra
para aportes ao fundo eleitoral é apenas o problema mais visível.
Faz falta o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão. Nos Estados Unidos, a política orçamentária está a cargo do
Office of Management and Budget (Escritório de Administração e Orçamento),
ligado diretamente à Casa Branca. Para ter claro, o Brasil mantém uma
burocracia impecável na Secretaria de Orçamento Federal (SOF), hoje sob o
guarda-chuva do Ministério da Economia.
No ano que vem, a depender da inflação de
2021, haverá alguma folga no teto de gastos. É verdade que as despesas estão
abaixo do observado em 2018, em termos reais, e que a dívida pública, com a
ajuda nefasta da inflação, diminuiu em relação a dezembro de 2020. Essas duas
questões criaram, no imaginário político, espécie de licença para gastar.
Ilusão. É preciso avançar na direção de uma reforma fiscal ampla.
Em relação à nova regra do fundo eleitoral,
o caminho é o veto presidencial. A proposta do Orçamento viria com o valor
definido pelo TSE e ponto. A questão é eminentemente política, não técnica.
*Diretor executivo da IFI.
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