Folha de S. Paulo
Professor guardou em sua obra acadêmica
íntima conexão com o mundo da política prática e com as perguntas que suscitava
Certa vez, perguntaram ao trompetista
inglês Humphrey Litelton (1921-2008) se sabia para onde ía o jazz. Ele
respondeu que, se soubesse, já estaria lá. Francisco
Correa Weffort foi um desses raros intelectuais brasileiros que já
estavam lá quando outros começavam a chegar. Curta para os padrões dos
burocratas universitários, sua obra é importante porque ousou enfrentar uma
questão desafiadora para a ciência social: o peso das macroestruturas, das
escolhas e das ideias na análise dos fenômenos políticos.
Nos estudos pioneiros sobre
o populismo, parte dos quais reunidos no livro "O populismo na política
brasileira", mostrou que aqui ocorria um tipo de incorporação das massas
trabalhadoras ao jogo político distinto daquele das nações capitalistas
democráticas. Argumentou ainda que a chave sociológica para entender a adesão
dos setores populares a líderes populistas estava na sua origem rural recente,
na experiência da migração e nas formas de inserção na vida urbana.
Com o tempo, Weffort foi transitando das explicações do comportamento político ancoradas na estrutura social para outras, nas quais as escolhas —e a responsabilidade— de certos atores passaram a ser decisivas. Assim, seus artigos sobre o sindicalismo destacaram o papel das lideranças do partido comunista, elos necessários na cadeia que vinculou o proletariado aos dirigentes populistas.
Desde sempre, a obra acadêmica de Weffort
guardou íntima conexão com o mundo da política prática e com as perguntas que
suscitava. Em momento algum esse nexo é tão nítido quanto no conjunto de seus
textos sobre a democracia, inspirados, primeiro, pela experiência de ser oposição
sob o regime militar e, algo mais tarde, pelas vicissitudes da infância do
sistema democrático que o sucedeu.
Notadamente, "Por que
democracia?" é a um tempo indagação na melhor linhagem da teoria política
contemporânea e peça de combate. Trata-se de um capítulo crucial da trajetória
da esquerda de tradição marxista, em vias de abandonar a visão instrumental da
democracia, para aceitar —como fins e valores em si mesmos —o pluralismo e a
competição eleitoral livre. Por seu turno, "Qual democracia?" reúne
artigos cujo núcleo se volta para a qualidade do sistema representativo, em
construção no país e na América Latina.
“O que se diz das ideias e dos homens se
diz da própria sociedade”, sustenta Weffort em seu último livro —"Formação
do pensamento político brasileiro: ideias e personagens"—, indicando que o
estudo das ideias dominantes no país é uma forma de pensar a sociedade nacional
e suas estruturas políticas.
Acadêmico rico em credenciais, Weffort foi
um intelectual público pleno. Na oposição à ditadura militar, manifestou-se em
conferências, debates e artigos, ajudando a plasmar a agenda da oposição
democrática. Isso o levou à política partidária —participou da criação do
Partido dos Trabalhadores, tendo sido o seu primeiro secretário-geral— e ao
exercício da função pública, como ministro da Cultura no governo Fernando
Henrique.
Para muitos, foi sobretudo um mestre. O professor e orientador Francisco Weffort tinha a extraordinária capacidade de transformar nossos raciocínios nebulosos em formulações claras e precisas, fazendo-nos crer, com característica generosidade, que eram nossas, e não dele, a clareza e a precisão. Todos quantos fomos seus alunos experimentamos a confortadora —e não raro enganosa— sensação de que dizíamos coisas inteligentes. Obrigada, mestre.
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