terça-feira, 3 de agosto de 2021

Joaquim Falcão* - As vozes do Supremo

O Estado de S. Paulo

A importante novidade da fala institucional do presidente Luiz Fux não foi apenas o conteúdo. Foi ter falado. O que é incomum. Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) fala institucionalmente apenas em fevereiro. Na abertura do ano judiciário. Não no meio.

No segundo semestre de 2019, o então presidente Toffoli não fez pronunciamento. Disse apenas: “Bom retorno aos trabalhos”. Em 2020, Toffoli também não fez pronunciamento. Disse apenas: “Manifestamos nosso pesar pelo falecimento de já cem mil brasileiros vítimas da pandemia... Iniciaremos os trabalhos com...”. Agora mudou.

A voz institucional do Tribunal Superior Eleitoral, do ministro Luís Roberto Barroso, levou Bolsonaro a confessar que não tem provas de fraude nas eleições. Estimula o STF a falar. Fux, além do inusitado falar, o fez em duas línguas. Em duas vozes distintas. Uma voz verbalizou uma melodia “dolce”: a defesa da democracia liberal clássica. Cantou a independência dos poderes, a necessidade de instituições sólidas, do diálogo, da valorização da mídia. Reconheceu a importância da voz das ruas. Tabu e medo para muitos. Finaliza com a necessidade hoje do Brasil, guia da interpretação constitucional: vacina, emprego, comida na mesa.

A outra voz foi o que se chama na música clássica de “bocca chiusa”. Cantar com boca fechada. Falou sem dizer. A melodia emitida deixa de ser “dolce”. É tempestuosa. Dirigiu-se claramente a Bolsonaro “con fuoco”, com fogo, vivo e agressivo.

As palavras ditas revelam. O Supremo não aceita impunidade. Não aceita o sorrateiramente agir. Nem o veladamente. Não aceitará ataques. Não admitirá atos que corroem a democracia. O Supremo será plenamente vigilante. Falar será o começo do agir?

Não é preciso citar Bolsonaro para falar com Bolsonaro.

*Professor de Direito Constitucional e membro da Academia Brasileira de Letras

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