Valor Econômico
Pela ata do Copom, o que conta não é
exatamente a opinião do Banco Central sobre como será a política fiscal de
Lula, mas sim a reação dos mercados ao que for anunciado pelo governo eleito
O Banco Central está evitando falar de
política fiscal nesse período de transição para o governo Lula, mas
discretamente não deixa de passar a sua preocupação com a evolução das contas
públicas. Banqueiros centrais sabem que, sem o fiscal em ordem, não há
independência de fato para a política monetária baixar a inflação.
Na sexta-feira, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, foi questionado em um evento da Bradesco Asset Management sobre qual é o tamanho do “waiver” fiscal que seria aceitável para a autoridade monetária, permitindo cumprir o mandato de estabilidade monetária. “Vou fugir da resposta específica”, disse. Ele preferiu recontar o caso do governo de Liz Truss no Reino Unido, que foi punido pelos mercados por anunciar cortes de impostos que agravaram a situação fiscal do país. “Os mercados já não vão aceitar assim tão facilmente a expansão de gastos, como aceitaram até recentemente”, completou, ainda se referindo a situação do Reino Unido, que levou à queda de Truss.
Serra nem precisava entrar em detalhes,
porque as atas do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central já
expressam há tempos as preocupações com a política fiscal do futuro governo,
fosse eleito Lula ou Bolsonaro. “O aumento de gastos de forma permanente e a
incerteza sobre sua trajetória a partir do próximo ano podem elevar os prêmios
de risco do país e as expectativas de inflação à medida que pressionem a
demanda agregada e piorem as expectativas sobre a trajetória fiscal.”
Pelo que está escrito na ata, o que conta
não é exatamente a opinião do Banco Central sobre como será a política fiscal
de Lula, mas sim a reação dos mercados ao que for anunciado. Se não for bem
recebido, o risco país sobe, levando junto a cotação do dólar, e as
expectativas de inflação podem piorar ainda mais. Nessa hipótese, a inflação
subiria, e o Copom teria que reagir com mais juros.
A reação dos mercados nessa primeira semana
do governo eleito foi positiva, com queda do dólar e dos juros futuros. Isso
apesar de, durante a semana, surgirem rumores de que a licença que o governo
Lula pretende pedir ao Congresso para gastar mais poderá chegar a R$ 200
bilhões.
Como muita coisa aconteceu ao mesmo tempo,
não dá para saber exatamente o quanto a melhora dos mercados reflete um voto de
confiança em Lula. Notícias de que a China poderá flexibilizar a política de
covid zero ajudaram o Brasil, assim como um relatório sobre o mercado de
trabalho americano, que foi bem recebido pelos investidores. Mas, por outro
lado, nos dias ruins, não sofremos muito, como após o presidente do Federal
Reserve (Fed), Jerome Powell, anunciar que pode ir mais longe com a alta de
juro. O impacto dos rumores sobre o “waiver” também foi amenizado por um outro
rumor, o de que o ex-ministro Henrique Meirelles poderá comandar a economia de
Lula.
A verdadeira reação do mercado só vamos
conhecer a partir desta semana. Hoje, a equipe de transição apresenta a
proposta de “waiver” ao presidente Lula e, amanhã, ela deverá ser entregue ao
Congresso. O mercado, provavelmente, vai olhar os dois pontos destacados pelo
Banco Central. Primeiro, qual é o impacto do “waiver” sobre a demanda agregada?
Segundo, o que representa para a trajetória de consolidação fiscal nos próximos
anos?
Um “waiver” de cerca de R$ 100 bilhões é
palatável para o mercado porque foi indicado como possível pelo próprio
Meirelles. Na semana passada, circularam relatos de conversas de políticos com
representantes do mercado dando conta que foi o próprio Lula quem autorizou
Meirelles a citar o número em entrevistas.
Um economista do mercado acha que, com os
rumores de que o waiver poderá chegar a R$ 200 bilhões, o governo Lula está
fazendo um balão de ensaio para esticar mais corda. Seria uma forma de chegar a
cerca de R$ 160 bilhões. Mas muita gente no mercado acredita que poderá ser bem
menos.
Uma preocupação do mercado é sobre o quanto
um “waiver” maior no ano que vem poderá pesar na demanda agregada. Neste ano,
segundo cálculos de alguns economistas, o impulso fiscal chega a 2% do Produto
Interno Bruto (PIB).
Um especialista em contas publicas diz que
as transferências de renda à população no ano que vem, junto com o reajuste
real do salário mínimo, podem complicar a tarefa de baixar a inflação, porque
vêm acompanhadas de um mercado de trabalho muito apertado.
“Seria ruim mais impulso fiscal, mas pelo
menos isso é algo que o Banco Central pode lidar, com alta de juros”, afirma a
economista-chefe para o Brasil do Credit Suiss e, Solange Srour. “O que
preocupa é mais pelo lado do risco fiscal, pelo risco de dominância fiscal.
Nesse caso, a situação fica bem mais complicada.”
Muitos analistas ouvidos pelo Valor dizem que, com um
“waiver” de R$ 100 bilhões, o mercado poderia dar um voto de confiança para o
governo Lula, desde que acompanhado pelo anúncio de um ministro da Fazenda
respeitado, que sirva de fiador da política econômica. Vários deles se dizem
apreensivos com a negociação feita em torno do “waiver” sem a definição do
comando da economia, que, teoricamente, poderia estabelecer os limites e
garantir a coerência dessa despesa excepcional com o plano fiscal do próximo
governo.
Se o governo Lula avançar muito além de R$
100 bilhões, o ponto de partida para o ajuste fiscal seria mais desfavorável. O
deficit primário poderia superar 2% do PIB, e o ajuste fiscal necessário para
estabilizar a dívida bruta em relação ao PIB poderia chegar a cerca de 4% do
PIB.
Nessa hipótese, seria preciso, além do
anunciar o ministro da Fazenda, deixar claro qual será a nova âncora fiscal e o
plano para atingir dentro do próprio governo Lula o resultado primário para
conter a escalada do endividamento público. Como o teto de gastos foi
desmoralizado no governo Bolsonaro, seria preciso também medidas concretas para
a redução de gastos. Meirelles parece ciente disso, ao defender uma imediata
reforma administrativa.
Alex Ribeiro
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