segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Celso Rocha de Barros - Jair se mostrou no fim

Folha de S. Paulo

Presidente tentou golpe de estado e incentivou golpistas com silêncio

Jair Bolsonaro não deixou que a derrota na eleição presidencial abalasse sua rotina.

Na semana passada, tentou um golpe de estado e se absteve de trabalhar, como em qualquer outra semana dos últimos quatro anos.

Bolsonaro não reconheceu a legitimidade da eleição. Incentivados pelo silêncio do presidente, seus seguidores estão tentando dar um golpe ocupando estradas e protestando em frente aos quartéis, pedindo aos militares que, como em 1964, desertem, roubem as armas da República e as usem em favor de sua facção política preferida.

Só me resta agradecer você, Jair. Se você não tivesse continuado sendo golpista semana passada, a operação para fingir que você nunca fez nada demais nos últimos quatro anos já estaria em curso.

Em todos os momentos em que o establishment tentou fingir que você era um democrata, Jair, você foi nosso melhor aliado para provar que não.

A propósito, se a esquerda tivesse perdido e estivesse protestando contra as operações da Polícia Rodoviária Federal no dia da eleição —essa, sim, uma tentativa de fraude eleitoral— pode apostar que todo mundo que está "tentando entender" os golpistas nas estradas estaria escrevendo: "Olha só, no final das contas a esquerda é que era golpista".

Você já pensou os nomes de quem estaria escrevendo isso, não? Aposto que acertou.

Me deprime muito saber que nem todo mundo que atentou contra a democracia –já não digo nem nos últimos quatro anos, mas pelo menos nos últimos 15 dias– será punido.

Mas, enfim, tudo sempre dá meio errado, inclusive as coisas ruins: e é possível que desta vez a tradição brasileira de acordão, anistia e impunidade não se confirme em alguns casos.

Amigo bolsonarista, você me desculpe, mas Alexandre de Moraes não roubou a eleição para a esquerda. Ele impediu o Jair de roubar a eleição. Já teve juiz roubando eleição, mas não foi essa nem foi para a esquerda.

O que a direita brasileira precisa responder nos próximos anos é o seguinte: vocês são Fábio Faria e Eduardo Bolsonaro tentando adiar as eleições na última semana? Vocês são Roberto Jefferson atirando na polícia? Vocês são Zambelli apontando arma pela rua?

Vocês são o diretor da Polícia Rodoviária Federal tentando impedir pobres de votarem no domingo e deixando os golpistas ocuparem as estradas na segunda? Vocês são o maluco pendurado na frente do caminhão em disparada? Vocês estão na frente dos quartéis tentando melar as eleições? Vocês são Jair Bolsonaro, o sujeito por trás disso tudo?

A essência do bolsonarismo ficou clara na semana passada. Você é isso?

Eu imagino que, para a imensa maioria dos eleitores de Bolsonaro, a resposta seja não.

A grande maioria deles é simplesmente gente de direita que vota no candidato de direita com mais chance de vencer a eleição, e, durante o processo, mais ou menos aceita seu discurso de campanha. Ninguém precisa deixar de ser de direita para largar a bagagem do bolsonarismo.

Por isso, é evidente o alívio com que muita gente, no mundo político, empresarial e até religioso, já se despediu de Bolsonaro.

Para muita gente que viveu o transe do bolsonarismo, a experiência de uma bad trip está acabando. Os irremediavelmente viciados estão na porta dos quartéis em busca de drogas mais pesadas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Aprendi que em português não se pode iniciar uma frase com pronome oblíquo igual a “Me deprime”, mudaram-se as regras? A pergunta tem a finalidade de me inteirar e não de corrigir, quem sou eu para corrigir um excelente jornalista.

Anônimo disse...

Aumentou a tolerância com este tipo de frase. Num português mais formal, muitos evitam escrever assim. Mas, falando ou escrevendo com menor formalidade, é aceitável ou até meio normal.

Anônimo disse...

Obrigado pelo esclarecimento, meu português é arcaico.

ADEMAR AMANCIO disse...

''Me deprime muito'',eu achei estranho apenas o ''muito'',rs.