segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Daniel Neves* - Revolução Praieira

A Revolução Praieira foi um conflito armado motivado pelas disputas entre as oligarquias pernambucanas e teve um caráter nativista impulsionado pela insatisfação popular.

A Revolução Praieira ocorreu de 1848 a 1850 e foi motivada pelas disputas entre os praieiros e os conservadores. Os principais combates travados nessa revolução aconteceram no interior da província de Pernambuco, embora um grande ataque tenha sido liderado por Pedro Ivo contra Recife. Os praieiros saíram derrotados, e os conservadores permaneceram no poder.

Pernambuco na década de 1840

A província de Pernambuco vivia grandes tensões na década de 1840, fruto, sobretudo, dos diferentes interesses econômicos, das dificuldades impostas à população mais carente e das disputas pelo poder. Essas questões convergiram de forma a fazer com que essa província sediasse a última rebelião provincial do Brasil no Segundo Reinado.

Nessa década, a província de Pernambuco vivia as tensões causadas pela disputa de mão de obra, afinal, a partir de 1845, com o início do Bill Aberdeen, a obtenção de escravos tornou-se mais complexa, fazendo com que as próprias elites disputassem entre si o acesso dessa mão de obra.

Além disso, havia a decadência da economia açucareira, que afetava a economia pernambucana como um todo, mas que no povo se refletia em maiores dificuldades, pois o custo de vida se encarecia. Para agravar a situação, havia uma insatisfação muito forte porque o comércio a retalho (varejo) estava nas mãos dos estrangeiros, sobretudo de ingleses e portugueses e, frequentemente, Recife ficava desabastecido, o que dificultava o acesso à comida.

A insatisfação popular foi canalizada pelos interesses políticos que estavam em disputa em Pernambuco e muitas vezes resultou em violência popular. O historiador Marcus de Carvalho define que as classes populares pernambucanas estavam imprensadas entre o desemprego, o latifúndio e a escravidão|1|.

Por fim, há a questão política, o grande motivador da Revolução Praieira e que veremos com mais detalhes.

Política em Pernambuco

A política brasileira durante o Segundo Reinado foi uma grande disputa entre liberais e conservadores, dois grupos políticos que tinham a mesma origem social e que muitas vezes mantinham posições parecidas (como na questão da manutenção da escravidão). Os dois grupos  diferenciavam-se em poucos aspectos.

Os primeiros anos do Segundo Reinado ficaram marcados pelo revezamento desses partidos no poder. Essa disputa acontecia no Parlamento, mas também se dava nas províncias brasileiras e, no caso pernambucano, foi crucial para que a Revolução Praieira acontecesse. No contexto da província de Pernambuco, essa disputa se deu entre o Partido Praieiro e o Partido Conservador.

O Partido Praieiro surgiu como uma dissidência nascida no interior do Partido Liberal por causa da influência que a família Cavalcanti tinha entre liberais e conservadores em Pernambuco. O Partido Praieiro levou esse nome porque os seus membros se reuniam em um jornal que publicava as ideias deles: o Diário Novo, localizado em Recife, na Rua da Praia.

Essa disputa dos praieiros contra os conservadores, sobretudo como oposição aos Cavalcanti, ganhou um novo contorno a partir de 1845. Nesse ano, o gabinete ministerial passou para as mãos dos liberais, e os praieiros, aproveitando-se da sua proximidade com um dos nomes que formavam o gabinete – Aureliano de Souza Coutinho –, conseguiram a nomeação de Antônio Pinto Chichorro para a presidência da província.

A partir daí, os praieiros começaram a realizar uma série de intervenções, que tinham como objetivo entregar cargos de influência da província para pessoas que os apoiassem. Assim, diversas pessoas que tinham ligações com os Cavalcanti e com os conservadores começaram a ser desligadas de seus cargos, e praieiros foram nomeados no lugar.

A ação dos praieiros para destituir os aliados dos conservadores resultou na demissão de cerca de 650 pessoas de cargos como os de delegados e outras funções importantes no interior da Polícia Civil e da Guarda Nacional, por exemplo. Aliados dos praieiros do campo e das cidades começaram a ocupar esses lugares.

Além disso, os praieiros começaram a desarmar os aliados dos conservadores. Isso se explica porque, quando os conservadores estavam à frente da província, seus aliados que ocupavam cargos na polícia e na Guarda Nacional recebiam armas do governo pernambucano. Os praieiros se aproveitaram que a força policial estava em suas mãos agora para desarmar os conservadores.

Assim, autoridades praieiras começaram a invadir propriedades de conservadores e aliados dos Cavalcanti para apreender armas do Estado, prender criminosos que se escondiam nesses locais e capturar escravos que tinham sido furtados de outros engenhos. Isso começou a gerar pequenos conflitos, uma vez que aqueles que tinham suas propriedades invadidas começaram a se defender.

Além disso, os conservadores e aliados dos Cavalcanti começaram a se utilizar de jornais locais para denunciar a ação dos praieiros, principalmente porque essas ações só eram realizadas nas propriedades de opositores dos praieiros.

Na questão popular, os praieiros começaram a organizar eventos públicos com uma retórica mais popular e que fazia uma grande defesa da nacionalização do comércio a retalho, isto é, do comércio a varejo. Na época, essa atividade era dominada por portugueses e ingleses, e a população recifense, insatisfeita com o alto desemprego e com o encarecimento do custo de vida, viu nessa questão uma solução imediata para os seus problemas.

Os praieiros chegaram a levar essa pauta para a Câmara dos Deputados, e essa questão do comércio a retalho começou a radicalizar a população recifense contra os estrangeiros. Tanto que, entre 1845 e 1848, foram comuns ataques da população contra estrangeiros e suas lojas. Esses ataques receberam o nome de “mata-marinheiros” e, no mata-marinheiro de julho de 1848, cinco portugueses morreram espancados|2|.

Estopim da Revolução Praieira

Podemos perceber, portanto, que havia um cenário explosivo em Pernambuco. As disputas intraoligárquicas estavam com contornos bastante violentos, e a população urbana de Recife estava sendo radicalizada por conta de sua insatisfação com o custo de vida e a falta de empregos (causada em grande parte pelos próprios praieiros). Essa situação saiu do controle quando uma reviravolta política aconteceu.

No começo de 1848, os liberais perderam o controle do gabinete ministerial, sendo substituídos pelos conservadores. Isso fez com que os conservadores recuperassem o poder na província de Pernambuco e, então, deram início à sua vingança. Os praieiros que haviam sido nomeados para a Polícia Civil e a Guarda Nacional de 1845 em diante começaram a ser demitidos.

Os conservadores realizaram o mesmo que haviam sofrido: demissões de seus opositores, nomeações de aliados e o desarmamento dos praieiros. Entretanto, os praieiros começaram a resistir às ações dos conservadores. Marcus de Carvalho fala que cerca de 40 proprietários rurais ligados aos praieiros não aceitaram entregar os seus cargos e nem a devolver as suas armas|3|.

Os historiadores consideram que a Revolução Praieira se iniciou quando um dono de engenhos chamado Manoel Pereira de Moraes reagiu à tentativa de tropas dos conservadores de desarmá-lo. Os principais conflitos entre praieiros e conservadores espalharam-se por toda a província de Pernambuco e estenderam-se de novembro de 1848 a fevereiro de 1849, embora conflitos localizados tenham acontecido na província até 1850.

Um dos nomes mais importantes do Partido Praieiro foi Pedro Ivo, um arrendatário que esteve à frente de um grupo de populares que moravam no interior de Pernambuco. Ele liderava 1600 homens e atraiu forças do Exército para o interior e, logo em seguida, levou os seus homens para a capital, Recife.

Em Recife eles encontraram a cidade protegida por tropas da Guarda Nacional. Iniciou-se, então, uma batalha que durou 12 horas e resultou na morte de 200 dos homens que formavam a tropa de Pedro Ivo. Do lado da Guarda Nacional, houve cerca de 90 mortos|4|. Nessa batalha, um dos nomes mais expressivos dos praieiros morreu: o deputado Nunes Machado. Esse ataque aconteceu em 2 de fevereiro de 1849 e a derrota praieira enfraqueceu severamente o movimento.

Enquanto os combates ainda aconteciam no interior de Pernambuco, um nome expressivo na província aderiu à luta dos praieiros. Borges da Fonseca era um liberal radical que, durante os anos de governo dos praieiros, tinha sido perseguido e preso, mas com o início do conflito, viu nele uma possibilidade de realizar uma transformação na província.

Borges da Fonseca representou o lado nativista e com maior apelo popular da Revolução Praieira. Esse liberal escreveu um manifesto, que foi apoiado por muitos senhores de engenho defensores dos praieiros. Esse manifesto ficou conhecido como Manifesto ao Mundo e trazia algumas reivindicações que ecoavam ideias manifestadas pelas classes populares europeias e que eram muito influenciadas pelo socialismo utópico.

O Manifesto de Borges da Fonseca continha as seguintes exigências:

1. voto livre e universal;

2. liberdade de imprensa;

3. trabalho como garantia de vida dos brasileiros;

4. nacionalização do comércio a retalho;

5. independência dos poderes;

6. extinção do Poder Moderador;

7. implantação do federalismo;

8. reforma do Judiciário;

9. fim do recrutamento militar;

10. fim da lei de juro convencional.

Desfecho

Depois que Nunes Machado morreu, Borges da Fonseca seguiu na liderança do movimento. A luta seguiu no interior de Pernambuco (na região da Zona da Mata) por meio de uma guerrilha e só foi contida definitivamente em 1850. Grande parte dos senhores de engenho que se envolveram na luta recebeu anistia.

A Revolução Praieira foi a última rebelião de caráter liberal no Nordeste e marcou também a derrocada dos liberais. Com sua reputação manchada pelo envolvimento na luta em Pernambuco, esse partido só retomou o poder no Parlamento em 1864.

Notas

|1| CARVALHO, Marcus de. Insurreição praieira. In.: FIGUEIREDO, Luciano (org.). História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013, p. 336.

|2| Idem, p. 337.

|3| CARVALHO, Marcus de. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. Para acessar, clique aqui.

|4| CARVALHO, Marcus de. A Insurreição Praieira. Para acessar, clique aqui.

*Daniel Neves, professor de História

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A História do Brasil é desconhecida,devia ter mais filmes abordando o tema.